Casa Máy > Diário em Off - Posts > Brasil > Melhores Partes 1 – Brasil
Iberê Camargo, em entrevista a Daniel Piza, comentou que
“O Brasil não anima ninguém”. (Mais aqui.)
Isso em 1993. Faz quase 30 anos e temos a exata sensação de que continua assim. Em alguns momentos, ok, chegou a empolgar, como em FHC 1 e Lula 1, mas por instantes. A efemeridade da empolgação com nosso país faz parte de todas as gerações vivas. O que me leva a uma segunda citação, escrita por Miriam Leitão:
“Certos fatos da política desanimam como os fracassos dos planos econômicos. O desânimo pode nos levar a considerar que o Brasil é ‘assim mesmo’, frase muito ouvida na era da bagunça econômica. O Brasil não é assim; será assim apenas se quisermos que ele seja.” (Mais aqui.)
Claro, nada se compara ao desânimo com a hiperinflação nos anos 1980, mas planos econômicos não dependem apenas de estabilidade de moeda, e nos outros quesitos patinamos governo após governo. Déficit das contas públicas sempre nos atormentou. Atormenta menos quando o crescimento econômico é alto, mas agora já sabemos que nosso crescimento só mascarou dívidas.
A empolgação descamba pro desânimo e o desânimo descamba pra aceitação de as coisas nunca mudarem. O Brasil é assim mesmo, brasileiros são assim mesmo, política é assim mesmo e por aí vai. O recado de Miriam possui uma sutileza: ela coloca a mudança na primeira pessoal do plural: se quisermos, em vez de se eu quiser, se você quiser, se eles quiserem. Na verdade, não creio que tenhamos desistido do Brasil, apenas que, mais um vez, colocamos as mudanças no outro, especificamente em populistas, quando deveria ser nós os agentes delas. Isso abre pra uma terceira citação que trago das resenhas que publico no meu blog As Melhores Partes dos Livros que Li, dita por João Pereira Coutinho:
“A utopia política é uma chantagem sobre o tempo presente com a alegada superioridade de um tempo passado – ou futuro.” (Mais aqui.)
Penso que o populismo seja um tipo de utopia política. Penso que seja uma dessas chantagens que vêm ancoradas no discurso de que uma mudança, trazida por um salvador da pátria, diferente de tudo que vinha antes dele, transformará nosso futuro. Ou esta mudança, ou o desastre. Talvez por isso os presidentes que menos nos chantagearam foram aqueles que protagonizaram pela metade: os vices que se tornaram titulares depois dos processos de impeachment: Itamar Franco e Michel Temer. Ser protagonista, neste país, vem com grandes chantagens.
Seria interessante entender por que provocar mudanças é tão difícil. Esta citação do Neil Gaiman apontaria uma resposta:
“Se você não sabe que é impossível fica mais fácil fazer.” (Mais aqui.)
Então é isso: sabemos que mudar o país é uma impossibilidade, logo, não o mudamos. Pode ser. Um ditado popular diz que a ignorância é uma bênção. Se ignorássemos que é impossível conseguiríamos mudar. Por outro lado, dizem que o Brasil é um país de ignorantes. Então ignoramos tudo, exceto esta impossibilidade. O que me leva de volta a Iberê e à questão do desânimo.
Eu penso que a tarefa é que desanime: mudar um país. Mudar um país é uma utopia política. Mudar um país, todinho ele. É coisa demais. Quem sabe se ambicionássemos corrigir umas coisas aqui, outras ali, devagarinho, ajudasse mais. “Um país” é trabalho pra trocentas gerações, pode nos paralisar. Em gerações se avança, um bocadinho de cada vez: não somos mais colônia, a escravidão foi abolida, temos eleições diretas, Constituição, SUS, moeda estável. Tá muito longe do que sonhamos? Muito. Nossa, como tá. Só que jamais daremos conta de tudo. Impossível. Sabemos que é.
Eu queria que ambicionássemos menos. Quem ambiciona menos, desanima pouco. Em nosso país, me parece que manter o ânimo, em vez da ambição, seja mais importante já que há um monte de pequenos trabalhos a fazer.
Assista ao vídeo do episódio 1 do Melhores Partes – Brasil.
Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2020
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