Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > autoras > Saga brasileira – Miriam Leitão

< voltar

Saga brasileira – Miriam Leitão

Postado às 13:15 do dia 20/10/12

O livro acaba de ganhar o Prêmio Jabuti 2012 na categoria reportagem e traz mais uma mulher pro rol de jornalistas premiados no país: Miriam Leitão (1953). Saga Brasileira é bacana mesmo. Pesa um catatau com suas 476 páginas e tem uma seção em papel couchê com fotos de flagrantes do cotidiano de 1986 até a estreia do Plano Real, além de um gráfico com a cronologia dos picos inflacionários no Brasil de 1979 a 2009, quando a moeda já estava estável.

Vale a leitura, seja por saudade (saudade de quê, exatamente? ah, sim, de quando éramos mais jovens), seja por raiva (Delfim, Sarney, Collor, Mensalão). A tese de Miriam é que a estabilização da moeda foi uma conquista da democracia – e não há a menor sombra de dúvida quanto a isso. Mas ela vai além e diz que o brasileiro mudou “por dentro”, deixando de ser um povo desmiolado (desmiolado é palavra minha, não dela) pra ser um povo cioso do valor de seu dinheiro, e que desenvolveu um sistema de alerta antiinflação. Nesse ponto discordo. Acho que a ganância é causa de inflação e quando Dilma ganhou a eleição declarando, em debate na Rede Globo, que seria uma presidente para continuar garantindo que os cidadãos continuassem comprando bens de consumo, pra mim ficou claro que o lance deste governo seria gastar, gastar, gastar. Alguém aí acha que tem gente preocupada com inflação?

De qualquer forma, Miriam conta uma história de vitórias. Saímos do overnight pra poupança, saímos dos quatro dígitos de inflação para uma dezena e uns quebrados. Saímos às compras parceladas sem juros, enfim.

Um trecho muito interessante do livro, como não poderia deixar de ser, é a narrativa do “dia depois de amanhã” do confisco do dinheiro feito pelo impeachado Fernando Collor de Mello – que, como conta Miriam, causou até infarto – , e da troca da URV pelo Real – quando camelô ganhou dinheiro vendendo calculadora em calçadão. Mas minha parte favorita é mesmo os bastidores da elaboração do Plano Real, com a convocação da inteligenzia da PUC-Rio. A história tem uma dose equilibrada de conversa de bastidor com fatos conhecidos. Miriam vai contando a história da estabilização da nossa moeda do mesmo jeito, entremeando explicações de ordem econômica e política com relatos de pessoas comuns, de como todos nós sobrevivemos aos 11 ministros da Fazenda de 1986 a 1994.

Acho que Saga Brasileira faz uma boa casadinha com o A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr., que conta sobre o processo suspeitíssimo das privatizações no Brasil durante a era Fernando Henrique Cardoso (tema sobre o qual Miriam apenas resvala). Lendo-se ambos os livros, fica-se com o panorama do bom e do ruim da estabilidade da moeda. Meu desejo é que, no futuro, um terceiro livro venha se juntar aos dois, formando uma trilogia, onde o último título seria algo mais ou menos assim “Gerson na cadeia: a corrupção punida” e que ele contasse como o brasileiro se livrou do endêmico valor de levar vantagem sobre o outro.

Abaixo seguem alguns bons trechos do livro de Miriam Leitão.

 

Plano Cruzado

“Foi nesse tempo que se viu pela primeira vez a dimensão do compromisso do povo brasileiro em derrotar o inimigo. O Cruzado foi o primeiro da nova safra de planos contra a inflação, e a sociedade vibrou, se entusiasmou, foi para as ruas. (…) A inflação era a nossa Bastilha. O povo brasileiro queria derrotá-la, tomar o que parecia ser a cidadela do inimigo, derrubar seu muro, ocupar sua fortaleza, fechar o local onde ela mostrava suas garras.” (p. 19)

– Por que esse ânimo arrefeceu? No ano passado, criei um abaixo-assinado contra o aumento das mensalidades escolares acima da inflação e não obtive apoio nenhum. Dei entrevistas a três telejornais regionais e a um telejornal nacional e, ainda assim, o abaixo-assinado que seria encaminhado à Associação de Escolas Particulares do Paraná foi um fracasso. Depois da era inflação as pessoas ficaram com vergonha de reclamar de preço? Na minha opinião, quando um empresário reajusta seus preços acima da inflação prova dois itens: primeiro, que não tem competência pra lucrar com uma boa gestão financeira; segundo, que é Gerson.

“ – Brasileiros e brasileiras – começou Sarney.” (p. 41)

– Eu acho que ex-presidente jamais poderia voltar a se eleger pra cargo político nenhum.

 

FMI

“Quando os professores da PUC começaram a discutir a ideia de um plano para acabar com a inflação, partiam do pressuposto de que as contas brasileiras estavam em ordem. Era o que o próprio Fundo Monetário Internacional tinha garantido em 1984. Prova de que  FMI ainda não tinha entendido o Brasil. Nunca entenderia exatamente quem somos; nossos erros e virtudes. Ainda se confunde.” (p. 79)

– Cada geração tem a sigla que merece: a de nossos pais, CIA; a nossa, FMI; a atual, FB, de Facebook.

 

Plano Collor, o do caLLote

“O ministro Maílson da Nóbrega anunciou três dias de feriado bancário. O pedido havia sido feito pela equipe de Collor. Os três dias de feriado foram quarta, quinta e sexta. Era o tempo dos maus presságios. Quarta, 14 [março, 1990], véspera da posse. Quinta, dia 15, a posse. No dia 16, uma sexta-feira, veio o susto. O governo anunciou o destino de nosso dinheiro. A violência se abateu sobre as famílias. O presidente anunciou o louco sequestro do dinheiro depositado nos bancos. Era o Plano Collor.” (p. 154)

– Eu tenho 39 anos. Você também deve se lembrar. Você deve ter sua história. Eu vi o anúncio na TV com minha mãe, seu marido e meu irmão. Assim que acabou, ela ligou para meu avô para saber a situação dele, e o marido dela ligou para seus pais, para saber a situação dos pais dele. E eu quis saber a nossa. Não era boa. Minha mãe teve que vender o apartamento tempos depois. Esse sujeito ainda está política.

 

Privatizações

“Modiano decidiu começar [o programa de privatizações] pela siderurgia. Era emblemático de uma guerra que exigiria nervos de aço. Podia ter escolhido uma empresa que tivesse um passivo maior de imagem, ambiental e financeiro, como a Cosipa. Isso talvez facilitasse o trabalho. Mas escolheu inaugurar o programa, que geraria polêmica qualquer que fosse a empresa, por uma siderúrgica com boa imagem e lucrativa: a Usiminas.

– Era preciso marcar posição, deixar claro que a privatização era para valer. Não era apenas para vender sucata ou empresas deficitárias. Era uma mudança de política. Era para reduzir o Estado no setor produtivo, por isso começamos pela mais lucrativa – conta Eduardo Modiano.” (p. 242)

 

– Diante dessa declaração que Modiano deu a Miriam Leitão, não posso deixar de pensar como devia ser importante mostrar aos comparsas do governo Collor que os lucros da privatização seriam distribuídos já logo desde o início.

 

Plano Real

“O PT não quis apoiar Itamar Franco quando, ao assumir após a queda de Collor, ele tentou organizar um governo de união nacional para cumprir o resto do mandato do presidente deposto. Na preparação do Plano Real, Lula foi convencido por seus economistas de que o plano era eleitoreiro, fracassaria como todos os outros e que o melhor a fazer era o que o Leonel Brizola tinha feito na época do Cruzado: ser contra. Quando o plano fracassasse, ele poderia dizer que tinha avisado. Os conselheiros de Lula garantiam que fracassaria em poucos meses.” (p. 286)

– Bons tempos quando FHC e Lula eram candidatos juntos à Presidência do Brasil.

 

Próximos capítulos

“Certos fatos da política desanimam como os fracassos dos planos econômicos. O desânimo pode nos levar a considerar que o Brasil é ‘assim mesmo’, frase muito ouvida na era da bagunça econômica. O Brasil não é assim; será assim apenas se quisermos que ele seja.” (p. 443)

– Oxalá, Miriam, oxalá.

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

 

LEITÃO, Miriam. Saga brasileira: a longa luta de um povo por sua moeda. Rio de Janeiro: Record, 2011.

Posts Relacionados

Comentários

Assinar Newsletter