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Pó de parede – Carol Bensimon

Postado às 01:08 do dia 16/05/12

O livro foi finalista do Prêmio Açorianos de Literatura em 2008; isto é que me chamou atenção quando procurava literatura recente. A autora, à época, tinha 26 anos. A contra-capa do livro traz comentários elogiosos sobre a obra de uma escritora tão nova. O twitter de Carol tem mais de 2 mil seguidores e creio ser um feito e tanto para uma jovem adulta que vive das letras.

Li o livro. Bem, gostei mesmo foi do conto Falta céu. O primeiro conto, A caixa, que tem uma temática “adolescente nerd se dá bem no futuro enquanto a mais bonita e popular se ferra”, me cansou. O terceiro conto, Capitão Capivara, também é interessante, menos óbvio, embora parta de outro clichezão; só que é menos forçado que o primeiro. Desliza mais facilmente pela estranheza da pontuação que esta meninada usa hoje em dia pra escrever livros. No final, agrada como agradava toda literatura sertaneja que líamos no ginásio.

Particularmente, gosto de travessões, dois pontos, vírgulas e ponto e vírgula. Claro que leio sem isso tudo, no entanto, em matéria de estilo, sou uma careta reacionária e penso que um iniciante deve primeiro pintar seus nus artísticos clássicos e quando resolver jogar a tinta no chão e trocar os pincéis pelos pés a gente pode dizer se gostou. Ah, Mayra, não sou novata, comecei escrever aos 14 anos. Então posso dizer não gostei. Percebeu?

Mas vamos ao conto Falta Céu. Não escondo de mim que a simpatia pelo conto foi do sotaque caipora do título. Falta céu é bem coisa de  gente do interior falar, bem poderia ter sido dito por minha avó, que é mineira, ou por minha mãe, que certa vez descreveu suas reminiscências de Paraisópolis num poema chamado Gosto de Céu. Vai ver foi por isso que me simpatizei com ele. Mas o conto tem uma estranheza, uma estranheza que apareceu em A caixa (e não apareceu em Capitão Capivara): uma emenda comprida entre a tese e a antitese. Tem enredo que não precisa ser justificadinho, tintim por tintim. Quando a gente se mete a ficar despreocupada com a pontuação, vai ver se mete a se ocupar com o enredo.

 

 

Narrador

“Titi deixava que as pernas finas se esticassem na passagem, as picadas de mosquito em casquinhas de sangue de tanto coçar. A camiseta ia até as coxas, se coxas já tivesse. O viajante pedia licença, entrava, Titi ria escondido. Lina, mais velha em três anos, era um tanto mais triste. Não mostrava perna nem nada, pois alguma coisa já começava a ter.” (p. 61)

– Gosto muito deste parágrafo, que dá o tom da voz do narrador, meio “cabocro”, meio mateiro, meio criança, meio preto veio. Mas o tom fica exagerado em alguns momentos e alguma inverossimilhança surge daí. Talvez porque a perspicácia das crianças não case com a inocência da linguagem do narrador; talvez porque haja um menino com videogame numa cidadezinha enfiada no meio do nada onde a diversão é brincar na cachoeira.

“Em volta era só pássaro e peixe, o cansaço de não acontecer nada. Cidade besta. Uma praça, uma igreja, nenhum semáforo, conversas repetidas. Quem consegue sair, vira herói e assunto. No domingo, as famílias vão para a rua e andam de uma ponta até outra e bem devagarzinho, que é pra cidade não acabar rápido demais. Passeiam na igreja. Passeiam na praça.” (p. 63)

– Tá vendo, existe uma cacofonia da voz das crianças no narrador. Mas o trecho é poético de qualquer forma.

“De um dia para o outro inventaram um nome, colocaram uma propaganda enorme. Dizia Golden River Banks. Havia uma garota sorrindo no primeiro plano e os pais desses dois abraçados e rindo um para o outro e pensando como são lindos os nossos filhos e ah eu não quero mas nada, um lugar assim supre as necessidades de toda a minha vida.” (p. 82)

– O mateiro vira publicitário de uma página para a outra, percebe de onde vem o estranhamento? Fora que, se sair da cidade é uma vitória, quem está criticando o consumismo aqui? Esta coisa de ficar mudando a voz e o foco narrativo existe, mas é um risco fazê-lo.

 

Linguagem

“Um espaço vazio já estava aberto no meio do verde amontoado.” (p. 65)

– Se está amontoado, como pode estar aberto? Esta linda frase é um achado linguístico que demonstra o ouvido sensível de Carol. Não estou fazendo ironia, sou linguista. A frase pertence aos improváveis “risco de vida”, “me inclua fora dessa” e “eu quero com nada” que a gente ouve e fala por aí.

“Terra agora que os homens, mais homens ainda e sob o comando do gordo, deixavam toda avermelhada, toda plana, pralguma coisa logo acontecer.” (p. 67)

“Dona Celestina, olhando praquela direção [….]” (p. 67)

“Agora havia lá um barraco de madeira. Era comprido, um pouco torto prum lado e com janelas minúsculas como se fosse banheiro.” (p. 69)

– Gostei demais de encontrar pralguma, praquela e prum no texto. Infelizmente, o aparecimento destas contrações reforça a artificialidade da linguagem do narrador. Quando o Cebolinha fala certo, parece errado, entende?

“Tá doendo?

Não, não tá.

(mas é que tava)” (p. 71)

– O diálogo acima foi escrito assim mesmo, em três linhas. Facilita a leitura, e a frase entre parênteses ganha destaque. Carol tem algumas boas sacadas. O uso deste mas quando o comum é ouvirmos , isto reforça a ação de estar doendo, já realçada pela forma oral do vebo conjugado, tava em vez de estava.

“E de repente lá perto das casas começou uma gritaria de verdade. Lina escuta dizerem: pega pega pega.” (p. 88)

– Se não usou vírgula, pra que que usou dois pontos, né? Se usou dois pontos, por que que não usou travessão? Sabe aquela coisa de universitário tomar porre com vinho de 50 reais? Isso não acontece nunca. Na faculdade a gente toma porre com cerveja de 1 real a lata.

 

PS: O livro foi publicado por uma editora que se chama Não Editora. Agora tá explicado: é a turma dos modernos.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro

 

BENSIMON, Carol. Pó de parede. Porto Alegre: Não Editora, 2010.

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