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O método cognitivo de Goethe – Rudolf Steiner

Postado às 10:09 do dia 01/04/24

Não é um livro de fácil leitura, como livros de filosofia não costumam ser. Escrito em 1886, na juventude de Steiner, preserva não apenas o estilo de escrita da época, como está impregnado das mesmas referências.

A Antroposofia vem sendo acusada, em nosso país, de ser uma abordagem preconceituosa, cuja pedagogia Waldorf e medicina geram pais e pacientes antivax, que nega as teorias de Darwin (nega?) e que deveria ser abolida pra todo o sempre – sem amém. Como meu conhecimento de Antroposofia é pequeno, não posso entrar nesta discussão. Gosto de algumas ideias dela, acho que organiza de uma forma interessante as fases do desenvolvimento humano, propõe uma visão de mundo que me parece mais ecológica. Interessa-me sobretudo o que a Antroposofia tem pra falar sobre as plantas e por isto me aproximei deste livro depois de ter lido A metamorfose das Plantas de Goethe e A alma humana de Konig.

Mas não compreendi muito bem o livro. Faltou-me repertório filosófico pra tanto. De toda forma, isto não impediu que eu pinçasse algumas melhores partes pra comentar nesta resenha (e outras tantas apenas pra deixar citado). Aqui vão elas.

 

Em busca de um método cognitivo

“Porém o mundo sensorial, quando corretamente conhecido, mostra por toda a parte ser a manifestação do espiritual.” (p. 15)

“Pelo comportamento do homem cognonescente, surge a ilusão de que os pensamentos das coisas estão no homem, enquanto na realidade eles existem nas coisas. O homem tem necessidade, numa vivência ilusória, de separá-los das coisas; na verdadeira vivência cognitiva, ele os devolve novamente às coisas.” (p. 15)

“Os dogmas religiosos, que por tanto tempo foram um substituto completo para isso [a necessidade sempre crescente de uma visão satisfatória do mundo e da vida], perde cada vez mais em força convincente. É cada vez maior a compulsão por alcançar, pelo labor do pensar, o que antigamente se devia à fé na revelação: a satisfação do espírito.” (p. 23)

“Todo erro surge por se declarar um modo de pensar, conquanto plenamente válido para um espécie de objetos, como sendo universal.” (p. 27)

“(…) uma opinião científica não deveria, em nenhuma circunstância, basear-se numa autoridade, mas sempre em princípios.” (p. 28)

– Princípios “do método científico”, acrescente-se. Tampouco deveria se basear em ideologia ou nas preferências ideológicas de quem as profere.

“Por meio da ciência, estamos continuamente juntando e relacionando fatos que na experiência são separados.” (p. 30)

– Curiosamente, uma das primeiras coisas que se aprende em método científico é diferenciar proximidade de causalidade.

“Experiência pura é a forma em que a realidade nos aparece quando nos defrontamos com ela com completa renúncia a nós mesmos.” (p. 32)

“O erro básico de muitos empenhos científicos da atualidade consiste justamente no fato de eles acreditarem retratar a experiência pura, enquanto na verdade apenas deduzem os conceitos inseridos nela por eles próprios.” (p. 42)

“Uma gnosiologia fundamentada no sentido da cosmovisão goethiana atribui capital importância à necessidade de ser permanecer absolutamente fiel ao princípio da experiência.” (p. 45)

“(…) [Goethe] diz que estamos impossibilitados de sair da natureza.” (p. 45)

“No que se refere à objetividade, o trabalho do pensador pode ser muito bem comparado ao do mecânico. Assim como este promove uma atividade e um processo dinâmico dirigidos a um fim, o pensador coloca os blocos de pensamento em viva interação e estes se transforam nos sistemas de pensamentos que constituem nossas ciências.” (p. 52)

– É de se sorrir que Steiner tenha usado a expressão “blocos de pensamento” há mais de um século quando, hoje, a Ciência Cognitiva explica a mente em termos de módulos de pensamento.

“Nada melhor para esclarecer uma opinião do que desvendar os erros invocados contra ela.” (p. 52)

– A dificuldade que as redes sociais trouxeram ao acolhimento da crítica hipertrofiou as opiniões em seus próprios erros.

“O pensar é um órgão humano que se destina a observar algo superior ao que os sentidos oferecem. Ao pensar é acessível aquele lado da realidade do qual um mero ente sensorial jamais poderia experimentar alguma coisa. Ele não existe para ruminar o que é acessível aos sentidos, mas para penetrar naquilo que está oculto para eles. A percepção dos sentidos oferece apenas um lado da realidade. O outro lado é a compreensão pensante do mundo.” (p. 59-60)

“A percepção nos invade do exterior; o pensar se desenvolve do nosso interior para fora.” (p. 60)

– Isso me lembrou as funções extrovertida e introvertida de Jung.

“Eu apenas reconheço no objeto sensorial o pensamento que retirei do meu interior.” (p. 62)

“Se alguém com uma rica vida anímica vê milhares de coisas que para o pobre de espírito constituem um nada, isto é prova tão clara quanto o Sol, de que o conteúdo da realidade é apenas o reflexo do conteúdo do nosso espírito, e de que nós apenas recebemos, de fora, a forma vazia.” (p. 62)

“A seguinte convicção deveria permear todas as ciências: a de que seu conteúdo é meramente um conteúdo pensamental, e seu vínculo com a percepção não é outro senão ver no objeto da percepção uma forma particular do conceito.” (p. 63)

“Nosso pensar tem uma dupla tarefa a cumpri: primeiramente, criar conceitos com contorno rigorosamente demarcados; em segundo lugar, reunir num todo unitário os conceitos isolados assim criados. No primeiro caso, trata-se de atividade diferenciadora; no segundo, da atividade combinatória. Estas duas tendências espirituais não desfrutam, de modo algum, do mesmo cuidado nas ciências. A perspicácia, que vai até os mais ínfimos pormenores em suas diferenciações, dota um número significativamente maior de pessoas do que a força abrangente do pensar, que adentra as profundezas dos seres.” (p. 63)

“O separar é algo provocado artificialmente, um passo intermediário necessário ao nosso caminho cognitivo, e não sua conclusão. Quem apreende a realidade apenas intelectualmente, afasta-se dela. Coloca em seu lugar – já que ela, em verdade, é uma unidade – uma pluralidade artificial, uma multiplicidade que nada a tem a ver com a essência da realidade.” (p. 64)

“Aqui se vê bem claramente que nossa mente não deve ser considerada como um recipiente do mundo das ideias, contendo em si os pensamentos, mas como um órgão que os percebe.” (p. 70)

“Nossa consciência não é a faculdade de produzir e guardar pensamentos, como tão frequentemente se crê, e sim de perceber os pensamentos (ideias).” (p. 71)

– Hoje há tanta pesquisa sobre consciência, pra buscar entendê-la, que eu sequer consigo formular uma hipótese intuitiva do que ela seja para mim.

“(…) não se leva em conta que talvez os objetos não tolerem de modo algum o modo de observação que lhes queiramos impor.” (p. 87)

“De acordo com o procedimento de Goethe, chamemos esse organismo genérico de tipo. Seja o que a palavra ‘tipo’ possa significar segundo sua evolução linguística, nós a utilizamos nesse sentido goethiano, e com esse termo nada mais cogitamos além do que foi mencionado. Esse tipo não se encontra realizado em toda a sua perfeição em nenhum organismo individual. Apenas nosso pensar racional está apto a apoderar-se do mesmo, extraindo-o dos fenômenos como imagem genérica. O tipo é, com isso, a ideia do organismo: a animalidade no animal, a planta genérica na planta específica.” (p. 89)

“O tipo desempenha no mundo orgânico o mesmo papel que a lei natural no inorgânico. Assim como esta nos fornece a possibilidade de conhecer cada acontecimento isolado como membro de um grande todo, o tipo nos coloca em condições de considerar o organismo isolado como uma forma específica da configuração primordial.” (p. 91)

– Parece-me que esta ideia de tipo está plenamente incorporada nos algoritmos da inteligência artificial que descobre o rosto do seu amigo na sua foto, seu rosto no app do banco, a placa do seu carro na entrada da garagem…

“Muitas vezes a intuição foi tratada com muito desprezo na ciência. Considerou-se uma falha do espírito de Goethe o fato de ele querer alcançar verdade científicas com a intuição. O que é alcançado pelo caminho intuitivo é, na verdade, considerado bem importante por muito quando se trata de uma descoberta científica. Aí, conforme se diz, o fato de ocorrer uma ideia leva mais longe do que o pensar educado metodicamente.” (p. 95)

– Perceber que já houve este tipo de debate, se é válida a intuição na ciência, é engraçado, porque hoje a intuição é tida como uma forma de raciocínio abreviado. Pode gerar resultados equivocados devido a vieses, mas é tão raciocínio quanto qualquer outro (que também estão submetidos a vieses).

“Frequentemente, só de denomina saber aquilo que se demonstrou; todo o resto é crença.” (p. 97)

– Tenho impressão de que o cientificismo passa por aí mesmo, o que é um tipo de cegueira bem moderna.

“As Ciências Humanas são, portanto, eminentemente ciências da liberdade.” (p. 100)

– Aqui, Steiner estava raciocinando sobre a experiência racional do homem submeter-se a leis como são as leis da física.

“O homem não age porque deve, e sim porque quer.” (p. 107)

– Acho isto bem elementar, pois penso que o dever também é um querer.

“A superação do sensorial pelo espírito é a meta da arte e da ciência. Esta supera o sensorial dissolvendo-o completamente em espírito; aquela, implantando-lhe o espírito. A ciência olha através do sensorial para a ideia; a arte enxerga a ideia no sensorial.” (p. 113)

– “Espírito”, aqui, tem o sentido de substância intelectual, como se fala de gênio, por exemplo, em francês: génie; como falamos de alguém espirituoso.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2024

 

STEINER, Rudolf. O método cognitivo de Goethe: linhas básicas para uma gnosologia da cosmovisão goethiana. Tradução: Bruno Callegaro, Jacira Cardoso. 2a. ed. atual. São Paulo: Antroposófica, 2004.

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