Casa Máy > Diário em Off - Posts > crônicas > Melhores Partes 3 – Maturidade

< voltar

Melhores Partes 3 – Maturidade

Postado às 21:00 do dia 22/05/20

Maturidade é um assunto fora de moda. Lamentavelmente. Isso porque maturidade virou coisa de gente velha. E a velhice saiu de moda desde os anos 1960. Mesmo que você tenha 60 anos e isso tenha lhe trazido esta bênção que é a maturidade, talvez você esteja pronto pra abrir mão dela em favor de parecer mais jovem. Acho uma pena.

Gosto muito de produções de época, tanto quanto gosto de romances escritos em séculos passados. Como li muito Balzac, e ele tem aquele famoso romance que deu origem ao adjetivo balzaquiana, para falar de mulheres com 30 anos, desde cedo entendi quais eram os benefícios dos 30 anos: (30 anos, na época de Balzac, é algo como uns 42, 43 anos hoje): você já tem filhos que se viram, já sabe do que gosta, já conhece sua liberdade. E as mulheres ansiavam chegar nesta idade porque isso lhes dava liberdade. Até a primeira metade do século XX, alcançar a idade adulta era ser alçado à categoria de prestígio entre os seres humanos: aqueles que poderiam tomar decisões por conta própria. Claro que, no âmbito das mulheres, pelo menos até a Primeira Guerra, este período tinha uma janela estreita: começava na idade de casar e terminava quando se casava, para depois retornar lá pelos 30, quando os filhos estavam criados e os maridos já estavam cansados de cuidar de suas esposas e elas começavam a buscar cuidados em outros lugares!

De toda forma, alcançar a maturidade era desejável. Desconheço tradição literária mais obcecada com a maturidade de caráter que a inglesa. É porque a maturidade vem com uma certa adesão ao racionalismo – ou, antes, ao pragmatismo. Curiosamente, quem eu mais acho que capturou este perfil do inglês senhor de si e maduro foi o francês Julio Verne em seu maravilhoso romance A Volta ao Mundo em 80 Dias. Phileas Fogg é uma espécie de homem maduro, o que não o impede de se apaixonar, nem de cometer pequenas loucuras. É, fundamentalmente, alguém que cumpre a palavra e resolve problemas, algo que parece compatível com ter maturidade.

Embora um dos meus autores preferidos pra falar da (falta de) maturidade seja Luiz Felipe Pondé, não o trouxe nesta seleção, pois seria muito óbvio. Seu último livro – Você é Ansioso? – contém capítulos que são especialmente bons. Vão certeiros na ferida da (falta de) maturidade. Então, resolvi fugir do evidente e inicio por uma citação vinda de um universo que considero ser o auge da maturidade, pelo menos como eu a vejo, que é a de um mestre de yoga realizado. Citarei Iyengar, que faleceu próximo dos 100 anos e ainda ativo, alguém que trouxe autenticidade à prática do yoga e a encarou com tal fibra que nunca mais pudemos praticar yoga do mesmo jeito. No livro Luz na Vida, ele fala:

“Para o iogue não existe aposentadoria.” (Mais aqui.)

Gosto desta citação porque é exatamente assim que ocorre quando se escolhe uma profissão que também significa um caminho de autodesenvolvimento, como é o caso do yoga. De certa forma, o que ele diz é que buscar o autodesenvolvimento é pro resto da vida.

Viver da literatura é também um caminho – pra vida toda. Não sei se escritores possuem mais maturidade que a média das pessoas, mas certamente estão acostumados à reflexão, à observação. Topei com uma citação no livro Paris Não Tem Fim, de Enrique Vila-Matas, que acho muito engraçada:

“Em um primeiro momento pensei em pedir-lhe conselho sobre o que uma pessoa devia fazer para aproveitar o tempo em Paris, mas me pareceu uma idiotice perguntar algo cuja resposta não me interessava.” (Mais aqui.)

Não consigo imaginar algo mais blasé que dizer “não estou interessado”, mas é de certa forma algo maduro: editar o que te interessa ou não te interessa na vida.

Já um escritor de múltiplos interesses, e com uma obra incrível, é Ítalo Calvino. No romance O Barão nas Árvores, ele sai com esta frase que condensa a razão do Pondé achar que estamos criando uma geração irremediavelmente infantil. Leia:

“Apesar disso foram pais ótimos, mas tão distraídos que nós dois podíamos crescer quase por conta própria.” (Mais aqui.)

Nós não deixamos mais ninguém por conta própria e é por isso que todo mundo cresce, mas não amadurece!

Mas o que você não esperaria é que eu fosse encerrar esta crônica do Melhores Partes usando um livro infanto-juvenil pra falar de maturidade. Isso porque, provavelmente, você não deva ter lido os romances, mas só assistido aos filmes; então você não conhece a profundidade do enredo e das personagens criadas pelas prosa de JK Rowling. Sim, citarei Harry Potter, uma fala de Rony no primeiro livro, que é o da pedra filosofal:

” – Isto é xadrez! retorquiu Rony. – A pessoa tem que fazer alguns sacrifícios!” (Mais aqui.)

Sacrifique um peão, um cavalo, uma torre, uma dama – nada mais maduro. Sacrifícios fazem parte da vida adulta. Achar que se tem todos os direitos nesta vida e nenhum dever é um mal que aflige nossa pós-modernidade ocidental democrática. A cultura do vitimismo. Rony pode ter sido um personagem bufão, mas como todo ótimo bobo da corte, nunca se colocou no papel de vítima – pelo menos não por muito tempo. Afinal, estamos falando de Rony Weasley. 😉

Assista ao vídeo do Melhores Partes 3 – Maturidade:

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2020

(Se compartilhar ou citar, mencione a fonte. É simpático e eu agradeço.)

Posts Relacionados

Comentários

Assinar Newsletter