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Emocional – Leonard Mlodinow

Postado às 21:25 do dia 25/01/23

Neurociência é um tópico quente. Quando digo quente, digo: uma nova fronteira do mercado, de serviços a produtos. Provo meu ponto: no processo que a Abraroma moveu contra O Boticário em 2021, estava justamente a alegação de que os perfumes de sua linha Aroma & Terapia haviam tido comprovação “da neurociência” pra provocarem os efeitos reputados. “Da neurociência”, assim mesmo, com preposição De + artigo definido A. Então, senhores, haveria esta entidade, “a” neurociência, como se ela tivesse RG e CPF.

Não é o caso de baboseira científica, este livro, embora ele também seja um produto de mercado. Explico. Leonard Mlodinow é cientista – tem um doutorado em física pela Universidade da Califórnia. O cara pesquisou, passou pelos ritos acadêmicos todos e, em algum momento, resolveu que escreveria livros pro grande público. Muitos outros já cruzaram esta fronteira e aqui no blog As Melhores Partes tem uma porção deles. De forma que dá pra confiar que os dados não foram acumulados ad hoc, apenas pra se vender um curso com a fórmula de lançamento, aplicando aquele verniz científico que eu denominei de sci washing em algumas postagens da Casa Máy.

Leonard fala e fala com conhecimento de causa.

Qual é o ponto de Emocional? Mais ou menos o mesmo de Subliminar, que já resenhei aqui, dele também; de Rápido e Devagar, do Kahneman, também resenhado: nosso inconsciente é o continente da mente racional; no caso, nossas emoções são o continente de nossos pensamentos.

Penso que a melhor forma de apresentar o livro é comentando algumas muitas melhores partes. Vale, entretanto, dizer que a obra mostrará como aquele conceito de que temos uma mente dividida entre razão e emoção está incorreto (as coisas são indissociáveis), que aquela coisa de emoções básicas, universalmente reconhecíveis (medo, raiva, tristeza, aversão, felicidade e surpresa), não são tão discerníveis assim umas das outras e cada uma se expressa de uma miríade de formas, além de surgirem por estímulos os mais variados. Até o modelo trino do cérebro (reptiliano, límbico e neocórtex) está sendo questionado, pelo menos na simplificação exagerada que seria. Ou seja, segundo o autor, a ciência da emoção será tipo uma física quântica complicando a vida da física mecânica: vai complicar deveras as ciências biológicas e afins.

 

Ciência da Emoção 101

“Enquanto o pensamento racional nos permite extrair conclusões lógicas baseadas em nossos objetivos e em dados relevantes, a emoção opera num nível mais abstrato – influenciando a importância que atribuímos aos objetivos e o peso que conferimos aos dados.” (p. 12)

> Certamente você conhece aquele tipo de pessoa que é irracionalmente racional? É um caso de paixão pela razão.

A emoção é um patamar acima no nível de processamento de informações do nosso cérebro.” (p. 56)

> Isto é interessante, pois aprendemos que a emoção já é uma reação às informações que recebemos do meio externo. Aqui tá dizendo que a emoção tem capacidade de ajustar a reação. Ou seja, a emoção se diferencia de um reflexo pois ela não é sempre igual. Aliás, Leonard cita as 5 propriedades da emoção que foram estudadas por David Anderson e Ralph Adolphs, da Caltech, que são: valência – a emoção é positiva ou negativa -; persistência – ela dura -; generalização – uma mesma emoção pode vir de estímulos diferentes, assim como estímulos iguais podem causar emoções diferentes -; escalabilidade – emoções têm escala de intensidade -; e automatização – as emoções surgem sem intenção nem esforço de nossa parte (embora não sejam como um reflexo, que é sempre o mesmo não importa as circunstâncias).

“Na verdade, um grupo de estudiosos escreveu um artigo que não fazia mais do catalogar as várias definições que os pesquisadores da emoção já utilizaram. Eles encontraram 92.” (p. 65)

> Sempre poderemos ser surpreendidos pela quantidade de problema que pipoca a partir da semântica. Apenas de concordar com o significado de uma palavra consegue décadas de pesquisa.

“Afeto central é um reflexo da viabilidade física, uma espécie de termômetro cuja leitura reflete a sensação geral de bem-estar que você tem, com base em dados sobre seus sistemas corporais, informações sobre eventos externos e pensamentos sobre o estado do mundo. Assim como a emoção, o afeto central é um estado mental. É mais primitivo que a emoção e surgiu muito antes na linha do tempo evolutiva. Mas influencia a conexão entre a emoção e o estado corporal.” (p. 76)

> Pra ficar mais claro, o afeto central é como se fosse nosso sensor inconsciente de perigo ou oportunidade. Eu vi semelhanças com a velha ideia de 6º sentido, embora pareça se relacionar intimamente a um alerta quanto à quebra da homeostase de um organismo. Ainda segundo aqueles caras da Caltech, o afeto central teria duas características, valência (positivo/negativo em relação ao bem-estar da pessoa) e um segundo, que não aparece lá, que seria excitabilidade, um pouco semelhante à escalabilidade, mas que se refere à intensidade da valência. A teoria é que o afeto central é uma informação pra produzir comportamentos.

“‘Uma emoção é um estado funcional da mente que coloca seu cérebro em um modo específico de operação que ajusta os objetivos, direciona a atenção e modifica os pesos que você atribui a vários fatores enquanto faz cálculos mentais’, diz o neurocientista Ralph Adolphs. Mesmo quando acredita estar exercendo a lógica fria e racional, não é isso que você está fazendo, ele me diz.” (p. 113)

> Nunca tive a menor dúvida de que ninguém vota racionalmente, nem mesmo no 1º turno.

“Darwin e a grande maioria dos cientistas dos séculos seguintes se concentraram nas emoções que consideravam ‘básicas’, e se mostraram estranhamente resistente a aumentar essa lista. Estudos de emoções como frustração, admiração, contentamento e até amor eram raros se comparados àqueles realizados sobre o desejo sexual, a sede, a fome e a dor, classificados como impulsis ou forças motivacionais, e não como emoções. Mas nos últimos anos isso mudou, pois muito cientistas adotaram o ponto de vista de que as emoções são ‘estados funcionais’. Com isso querem dizer que elas devem ser definidas pelas funções que desempenham, e não pela anatomia ou pelos mecanismos que as produzem.” (p. 126)

> Fico aqui apenas imaginando as consequências da definição de amor como estado funcional. Tristeza é um estado funcional, mas há muito se deixou de concordar que haja algum benefício nela e, cada vez mais cedo, com cada vez menos tolerância, bloqueia-se este estado com medicamentos. Quando se demonstrar quais as funções vitais que o sentir amor cumpre, a indústria começará a buscar um psicotrópico pra que as pessoas não sofram do transtorno da ausência de amor. (Obviamente, o problema da definição de amor já terá que ter sido resolvido, assim que resolverem aquelas 92 definições de emoção.)

“Estados de emoção positiva, observou [Barbara] Fredrickon, geralmente têm o efeito de estimular certa parcela de risco. São modos de pensamento que ampliam nossa perspectiva e, segundo sua teoria [teoria da percepção ampliada e construtiva], motivaram nossos ancestrais a tirar vantagem dos momentos em que não estavam ameaçados – quando então exploravam, brincavam, formavam relações sociais , se arriscavam e avançavam para o desconhecido.” (p. 134)

> Na linha do comentário anterior, já há medicamentos pra nos manter em estado de emoção positiva. Apenas que, temo, eles ainda me parece ser poucos diante do desejo louco de felicidade. Mas, claro, o otimismo nos trouxe tudo que temos hoje. Afora lindas e pungentes obras de arte, fica a dúvida se devemos algo que tenha impulsionado ganhos pra humanidade ao pessimismo contumaz.

“A tristeza parece cumprir duas funções principais. Uma delas é que alguém com expressão triste no rosto transmite uma mensagem persuasiva.” (p. 139)

“A outra função da tristeza é promover mudanças no pensamento que fomentem a adaptação. Como estado mental, a tristeza nos motiva a fazer o difícil trabalho mental de repensar convicções e priorizar metas.” (p. 139)

> Só coloquei aqui estas citações pro caso de você ter se esquecido.

“O fato de nossas reações emocionais serem influenciadas por coisas para além do incidente imediato que as desencadeia é marca registrada da emoção.” (p. 145)

> Você talvez tenha assistido à série Ruptura, em que um chip no cérebro faz com que a pessoa, quando entra no trabalho, esqueça 100% de sua vida fora do trabalho e que, quando ela sai do trabalho, esqueça 100% sua vida no trabalho. Então, a pessoa acaba sendo duas com o detalhe, crucial pra provar o ponto, de que o eu dela interno (no trabalho) sabe que o eu externo dela (fora do trabalho) existe e vice-versa. Bom, a suposição é que, se nossa vida familiar não interferisse no trabalho, renderíamos mais, porque todo mundo sabe que a gente traz a casa pro trabalho e o trabalho pra casa. Voilá, não resolve: o interno e o externo estão pra sempre interconectados e é esta conexão a fonte de todo o problema.

“Como espécie, todos temos uma diretriz primária para sobreviver e nos reproduzir. Mas também temos uma programação secundária que nos dá a determinação de buscar recompensas e evitar punições. A determinação é uma característica que nos foi fornecida pela evolução porque ela apoia nossa diretriz primária (…).” (p. 206)

> Basicamente, na nossa diretriz primária agimos como animais; na nossa diretriz secundária, como crianças. Cadê o ser humano adulto da casa? Hahaha.

 

Trade off

“Cerca de 2 milhões de anos atrás, nosso ancestral Homo erectus desenvolveu um crânio muito maior, que permitiu a expansão dos lobos frontal, temporal e parietal do cérebro. (…) o novo ser humano precisa passar pelo canal de nascimento de uma humana mais velha e ser sustentado pela atividade metabólica da mãe até esse momento feliz. Como resultado desses desafios, os bebês humanos saem do útero mais cedo que o normal entre os primatas: a gravidez humana deveria durar no mínimo dezoito meses para o cérebro da criança humana se desenvolver tanto quanto o de um chimpanzé ao nascer – mas a essa altura o bebê estaria grande demais para passar pelo canal de nascimento.” (p. 38)

> Não existe escolha fácil, não é verdade? Por que o canal do nascimento (vagina, aliás) não cresceu pra compensar o aumento da cabeça leva a respostas com implicações impublicáveis neste blog, hahaha.

“O método científico existe por um bom motivo: refrear quaisquer conclusões precipitadas e orientar na direção de conclusões válidas. A ciência geralmente avança em pequenos passos, não em grades saltos.” (p. 173)

> Invariavelmente, quando leio sobre o método científico, que é rigoroso, porém lento, lembro do partido político Rede, onde todas as decisões são por consenso. Lá, também, tudo e muito leeento, reuniões intermináveis. A democracia é ótima, mas é lenta. Será por isto que, em nossa época imediatista e ansiosa, vemos ressurgir no Ocidente democrático o flerte com ditaduras, por causa da impaciência das pessoas?

“O perfil emocional é uma descrição do que é preciso para provocar uma emoção específica, a rapidez com que ela se desenvolve, o grau de intensidade e o tempo com que ela se dissipa. Os psicólogos usam os termos ‘limiar’, ‘tempo de latência’, ‘magnitude’ e ‘recuperação’. Esses aspectos variam de acordo com o indivíduo e dependem da emoção específica de cada pessoa em questão, inclusive de a emoção ser positiva ou negativa.” (p. 230)

> Acho bastante producente estes parâmetros. Imagine que você está fazendo alguma coisa – pode ser qualquer coisa, desde aromaterapia a chute box – pra lidar com algum comportamento. Disseram que esta coisa ajudaria. Em vez de você avaliar sem nenhuma referência se a coisa está lhe ajudando, use estes parâmetros. Vou exemplificar: você se irritando muito em casa. Depois que começou na aromaterapia ou no chute box, você: a) tem menos coisas te irritando? (limiar); b) tá demorando mais pra se irritar? (tempo de latência); c) a irritação tá mais levinha? (magnitude); e d) volta ao normal rapidinho? (recuperação). Aliás, faria bem se terapeutas que lidam com saúde mental adotassem parâmetros assim de avaliação do tratamento e não apenas aquele genérico “tô melhor” que os pacientes trazem.

“A vergonha representa a preocupação sobre como você e os outros o veem, enquanto a culpa tem a ver com a preocupação sobre como sua ação afetou os outros. A vergonha, como mencionei antes, está associada ao desejo de se esconder ou escapar, enquanto  culpa está relacionada ao desejo de pedir desculpas ou se reparar.” (p. 244)

> Lembre que cada emoção se relaciona àquelas 4 diretrizes citadas acima: as duas primárias – sobreviver e reproduzir -, e as duas secundárias – obter recompensas e evitar punições. Vergonha e culpa não têm objetivos finais diferentes.

“O medo estimula uma reação defensiva – a resposta de lutar ou fugir – e diminui rapidamente à medida que a ameaça desaparece. A ansiedade está associada a métodos de avaliação menos diretos e pode persistir por algum tempo. O mecanismo de proteção é estimular a previsão e a preparação para uma situação potencialmente prejudicial.” (p. 247)

> Uma pessoa medrosa tá sempre vazando; uma pessoa ansiosa tá sempre criando plano A, B, C, D, E, etc.

 

Há males que vêm pro mal

“(…) o estado de ansiedade leva a um viés cognitivo pessimista; quando o cérebro ansioso processa informações ambíguas, ele tende a escolher a mais pessimista entre as interpretações prováveis.” (p. 116)

> Seja gentil com seu amigo: ele não é pessimista – está apenas ansioso.

 

Há bens que vêm pro bem

“Em outro estudo, cientistas contaram com a participação de trezentos voluntários numa pesquisa semelhante sobre emoções, realizada durante um período de três semanas. Finda esta etapa, todos foram levados a um laboratório onde os pesquisadores lhes ministravam botas nasais de uma solução contendo rinovírus, o vírus causador do resfriado comum. Os participantes ficaram em quarentena pelos cinco dias seguintes e só viam uma pessoa por dia, o cientista que os examinava em busca de sintomas de resfriado. Os pesquisadores descobriram que os voluntários com os níveis mais altos de emoções positivas eram quase três vezes menos propensos a pegar um resfriado que aqueles que mostravam emoções menos positivas. Ao que parece, pessoas mais felizes são mais bem equipadas para combater doenças.” (p. 137)

> Tá, o estudo é este aqui: Cohen S, Doyle WJ, Turner RB, Alper CM, Skoner DP. Emotional style and susceptibility to the common cold. Psychosom Med. 2003 Jul-Aug;65(4):652-7. doi: 10.1097/01.psy.0000077508.57784.da. PMID: 12883117. Em 2006, os caras replicaram o estudo mudando o vírus e, desta vez, usando controles pra fatores sociais e cognitivos que pudessem interferir no “estilo emocional positivo”. Acharam os mesmos resultados. Depois, em 2008, repetiram o modelo avaliando o status socioeconômico subjetivo e objetivo e acharam os mesmos resultados. Bom, só fuçando pra ver se outras equipes se interessaram pelo tema e quais resultados encontraram.

 

Há males que vêm para o bem

“Tendo em vista os benefícios da capacidade de controlar as emoções, não surpreende que as pessoas venham adotando muitos métodos para atingir esse objetivo ao longo do tempo. Alguns funcionam; outros, não. Só nas duas últimas décadas os psicólogos de campo se concentraram em discernir esses métodos, estudando e validando a eficácia das várias abordagens. A seguir, vou falar sobre três das mais eficazes: aceitação, reavaliação e expressão.” (p. 267)

> Dias destes rolando feed no Twitter, me deparei com a postagem de uma associação que defendia “psicologia baseada em evidências”. Quem conhece os pressupostos da Medicina Baseada em Evidências, sabe que um dos alicerces da boa evidência científica é melhora em resultados chamados “duros”, que se opõem aos “moles”. Duros são os parâmetros objetivos, mensuráveis; moles, os subjetivos e imensuráveis ou, no mínimo, de difícil mensuração. Na minha percepção, é bem difícil a psicologia, hoje, trabalhar com resultados duros. Mais difícil ainda é um campo de estudo que construiu seu arcabouço metodológico em cima de conceitos sem nenhuma materialidade objetiva, como inconsciente, seio bom e seio mau, ego, pretender a materialidade do método científico. Mas, relendo agora este parágrafo do Leonard, talvez haja algo possível como uma Psicologia Baseada em Evidências, apenas se fazendo a ressalva que ainda não estamos conseguindo medir felicidade como se mede pressão arterial ou número de plaquetas no sangue.

 

Contágio emocional

“Apesar de não serem muito noticiados, surtos do que tecnicamente se rotula de doença psicogênica em massa são mais comuns do que se imagina.” (p. 261)

“Nós somos programados para sentir o que os outros sentem. Na verdade, estudos de imagens mostram que as estruturas cerebrais ativadas quando sentimos nossas emoções são automaticamente ativadas quando observamos essas emoções nos outros.

A disseminação da emoção de pessoas para pessoa, em uma instituição ou mesmo toda uma sociedade, é um subcampo importante da nova ciência da emoção, com um número de estudos anuais dez veze maior nos últimos anos. Os psicólogos chamam esse fenômeno de ‘contágio emocional’.” (p. 262)

> Não quero parecer leviana no meu comentário a este parágrafo, como poderá parecer a alguém que não leu o livro e suporá, por isto, que “contágio emocional” seja apenas um modinha de marketing em vez de um fenômeno que descreve sintomas reais em grupos de pessoas. Pensar nas implicações deste fenômeno na era das redes sociais é catastrófico. O aumento de transtornos mentais – muitas vezes explicados apenas com aquela resposta preguiçosa do aumento do diagnóstico – poderia decorrer do contágio emocional. E nem quero imaginar as implicações disto pra questões complexas como identidade de gênero, as hordas sustentando haver uma disforia de gênero coletiva e a violência que disso resultaria. Nossa, dá bem pra entender por que o assunto é pouco comentado.

“Um dos efeitos do contágio emocional é que o grau de felicidade das pessoas tende a refletir o de seus amigos, familiares e vizinhos. De certo modo, nós somos aqueles com quem convivemos.” (p. 263)

> Nunca a palavra “tóxico” para relacionamentos fez tanto sentido.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2023

MLODINOW, Leonard. Emocional: a nova neurociência dos afetos. Tradução de Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2022. 327 p.

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