Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > autoconhecimento > Arriscando a própria pele – Nassim Nicholas Taleb
Se alguém lhe dissesse que as minorias são intolerantes, como você reagiria? E se lhe dissesse que você não deve apostar em ninguém que não perca junto com você se as coisas derem errado? Ou lhe dissesse que a burocracia estatal promove tanto a ditadura das minorias, quando assimetrias de perdas?
Desconfio que ninguém fique indiferente à leitura de Taleb. Instruído e prático ao mesmo tempo, ele é aquele tipo de escritor que apimenta informações densas com opiniões pessoais de forma elegante, como a ironia costuma fazer, pra que a gente comece a perceber que existe uma espécie de senso comum – desprezado por certa parcela da intelectualidade institucionalizada – que dá conta de resolver problemas bem difíceis como, por exemplo, o papel e tamanho do Estado.
Taleb foi trader (de sucesso), então se interessou pela ciência das probabilidades e medidas de incerteza. Deu aulas, publicou livros, virou conferencista, crítico contumaz de economistas teóricos, gente de terno e gravata trabalhando em escritórios com ar-condicionado, e se tornou uma espécie de guru dos antigurus. A primeira vez que ouvi seu nome foi em um episódio da série Billions, quando Axelrod menciona ir se encontrar com Taleb. (A série é ótima, assista.) Quando um personagem no mundo real é citado na ficção, pronto, você sabe que no mínimo ele fez algum barulho.
O barulho de Arriscando a própria pele é elogiar aqueles valores mafiosos que amamos ver em filmes, mas temos vergonha de admitir: pague pelas consequências de seus atos com sua própria pele. Como na crise financeira de 2009, em que muitos perderam tudo, exceto aqueles operadores do sistema financeiro (público e privado) que transferiram o risco de suas decisões para a massa de pequenos compradores. Se estes operadores soubessem que teriam que pagar por suas decisões, talvez a crise não tivesse ocorrido. É disto que trata o livro: existe uma assimetria oculta de riscos distribuída na sociedade ou, trocando em miúdos, a corda sempre arrebenta no lado mais fraco. Conhecer quando estamos no lado mais fraco é vital – e é esta a proposta do livro: sabermos identificar se estamos com uma proporção assimétrica de risco.
Outro barulho do livro são 3 conceitos: pathema mathematica, conceito grego que diz que o aprendizado só vem pela dor; a regra de ouro, que estabelece que você só deve fazer aos outros o que gostariam que fizessem por você (via positiva do olho por olho, dente por dente); e a regra de prata, que estabelece que você não deve fazer aos outros aquilo que não gostaria que fizessem a você (via negativa que, como os leitores de Taleb sabem, é mais vigorosa e eficaz, porque sabemos com mais certeza o que é ruim do que é bom). Você vai querer ler o livro pra consolidar estes conceitos que são tão úteis quanto fáceis à vida em comunidade.
Selecionei inúmeras melhores partes. Taleb, como Pondé, é um excelente frasista – o que torna difícil a tarefa de selecionar apenas algumas boas frases e boas reflexões. Vamos lá à minha tentativa de resumi-las.
Ceticismo
“Sempre fomos loucos, mas não tínhamos experiência e capacidade suficientes para destruir o mundo. Agora podemos.” (p. 21)
“(…) a abordagem preventiva correta [quanto a riscos] é considerar o invisível potencialmente prejudicial.” (p. 86)
“Esse princípio [o da precaução] afirma que não são necessários modelos complexos como justificativa para evitar determinada ação. Se você não entende alguma coisa e ela tem um efeito sistêmico, simplesmente evite-a.” (p. 218)
> Em Anti-frágil, Taleb fala que não se adicionam fatores a sistemas complexos, mas apenas se os subtraem. Fatores adicionados suscetibilizam eventos do tipo Cisne Negro em sistemas complexos. Então, hoje, melhor não cogitar coisas potencialmente letais, como enriquecimento de urânio, do que acreditar que de fato eles não serão usados para bombas.
“O intelectualismo é a crença de que se pode separar uma ação dos resultados de tal ação, de que se pode separar a teoria da prática, e de que sempre se pode consertar um sistema complexo por enfoques hierárquicos, isto é, de uma maneira (cerimonial) de cima para baixo.
‘O intelectualismo tem um irmão: o cientificismo, uma interpretação ingênua da ciência como complicação e não da ciência como um processo e um empreendimento céticos. Usar a matemática quando ela não é necessária não é ciência, mas cientificismo.” (p. 41)
> Cientificismo é diferente de pseudociência, só pra deixar claro. Cientificismo tem a ver com tornar complexo o que é simples; pseudociência tem a ver com tornar simples o que é complexo.
“As coisas não ‘escalam’ e generalizam, razão pela qual tenho problemas com intelectuais falando sobre noções abstratas. Um país não é uma cidade grande, uma cidade não é uma família numerosa e, desculpe, o mundo não é uma grande aldeia.” (p. 77)
> No Brasil, faria muito bem se entendêssemos que a única maneira de um grande país dar certo é dividi-lo em unidades com alto grau de independência; enfim, por na prática o “federativa” de República Federativa do Brasil.
“Culpar as pessoas por serem ‘sectárias’ – em vez de tirar o máximo proveito possível dessa tendência natural – é uma estupidez dos intervencionistas.” (p. 79)
> Nem dentro de uma mesma família se consegue fazer que as pessoas sejam parecidas, como alguém pode achar que é possível fazer isto em qualquer outra escala maior?
“A liberdade nunca é de graça.” (p. 130)
> O equivalente de “o preço da liberdade é a eterna vigilância” ou “liberdade traz riscos”.
“Assistir a Pútin me fez perceber que animais domesticados (e esterilizados) não têm a menor chance contra um perdedor selvagem. Nem pensar. As capacidades militares não importam: é o gatilho que conta.” (p. 135)
> Que fique claro, os animais domesticados são a ONU, a OTAN, presidentes norte-americanos democratas, primeiros-ministros da Europa central…
“Assim como o sujeito vistoso de Ferrari parece mais rico que o centimilionário amarrotado, o cientificismo parece mais científico que a própria ciência.
“O verdadeiro intelecto não deve parecer intelectual.” (p. 197)
> Assim como filmar as sessões do STF parece mais democrático do que se elas não fossem filmadas.
“A história é basicamente um período de paz pontuado por guerras, em vez de guerras pontuadas por períodos de paz. O problema é que nós, humanos, somos propensos à heurística da disponibilidade, pela qual o saliente é confundido com o estatístico, e o efeito evidente e emocional de um evento nos faz pensar que ele está ocorrendo com mais regularidade do que na realidade. Isso nos ajuda a ser prudentes e cautelosos na vida cotidiana, forçando-nos a adicionar uma camada extra de proteção, mas isso não ajuda no conhecimento e erudição.” (p. 234)
> Pondé sempre diz que a guerra é mais frequente que a paz. Já pedi que Pondé comentasse Taleb em seu canal. Não fui atendida, hahaha.
“Meu lema da vida é que os matemáticos pensam em termos de objetos e relações (bem, precisamente definidos e mapeados); os juristas e os pensadores legais, em constructos; os lógicos, em operadores maximamente abstratos; e os tolos… em palavras.
“Pode ser que duas pessoas estejam usando a mesma palavra, querendo dizer coisas diferentes, mas continuam a conversa, o que é bom para tomar um café, mas não quando se tomam decisões, particularmente decisões políticas que afetam outras pessoas.” (p. 241)
> Como bacharel em linguística, espero que o fato de eu pensar em palavras não signifique que eu pense em palavras.
“Nossos olhos não são sensores projetados para capturar o espectro eletromagnético. A atribuição da função dos olhos não é produzir a representação científica mais precisa da realidade; antes, a representação mais útil para a sobrevivência.” (p. 258)
> Rápido e Devagar e Subliminar são dois livros que todo estudante deveria ler. Aprender um pouco também de neuromarketing seria útil.
Pequeno, mais pequeno, menor, menor ainda
“A burocracia é uma construção pela qual uma pessoa é convenientemente separada das consequências de suas ações.” (p. 23)
“A descentralização é baseada na noção simples de que a macrobaboseira é mais fácil do que a microbaboseira.
“A descentralização reduz as grandes assimetrias estruturais.” (p. 23)
> De onde se deduz que, como políticos e decisores públicos não pagarão por suas ações, quanto menos deles houver, melhor.
“Existem duas maneiras de salvaguardar os cidadãos dos predadores de grande porte (digamos, por exemplo, grandes e poderosas corporações). A primeira é promulgar regulamentos e normas – mas esses, além de restringir as liberdades individuais, levam a outra predação, desta vez pelo Estado, seus agentes e seus comparsas. (…) E é claro que os regulamentos, uma vez em vigor, permanecem em vigor, e, mesmo quando se mostram absurdos, os políticos têm medo de revogá-los, sob a pressão dos que deles se beneficiam. (…)
“A outra solução é arriscar a própria pele em transações, sob a forma de responsabilidade legal, e a possibilidade de uma ação judicial eficiente.” (p. 46-47)
> Nada garante mais a democracia que uma Justiça rápida, eficiente e que siga a lei sem muito contorcionismo interpretativo. Um cidadão que não consegue ser recompensado quando lhe infligem um dano, ainda que vote, não tem liberdade.
“(…) a ética é algo fundamentalmente local.” (p. 80)
> Novamente, se quiser ética na coisa pública, diminua o tamanho dela. Onde é possível apontar nominalmente culpados, a ética tem mais chance de prevalecer.
“Um gracejo dos irmãos Geoff e Vince Graham resume o ridículo do universalismo político desprovido de escala.
“Eu sou, em nível federal, libertário;
em nível estadual, republicano;
em nível local, democrata;
e no nível da família e dos amigos, um socialista.
“Se esse dito espirituoso não o convence da fatuidade dos rótulos da esquerda versus direita, nada será capaz de fazê-lo.” (p. 81-82)
> Me lembrei de outro chiste na mesma linha: adoro pessoas, mas detesto a humanidade.
Pathema mathematica
“O mecanismo de transferência de risco também impede a aprendizagem.” (p. 25)
> Parece óbvio, mas diuturnamente apostamos nossas fichas em intenções positivas, em vez de em fatos positivos.
“A maldição da modernidade é que estamos cercados por uma classe de pessoas que são melhores para explicar do que para entender.” (p. 25)
> Entender é fazer; explicar é teorizar aqui neste trecho.
“Arriscar própria pele ajuda a resolver o problema do Cisne Negro e outros eventos de incerteza ao nível individual e coletivo: aquilo que sobreviveu revelou sua robustez aos eventos Cisne Negro, e excluir o risco interrompe tais mecanismos de seleção. Sem que se arrisque a própria pele, não se consegue obter a Inteligência do Tempo (uma manifestação do efeito Lindy, ao qual dediquei um capítulo inteiro, e pelo qual 1) o tempo elimina o frágil e mantém o robusto e 2) a expectativa de vida do não frágil se estende com o tempo). (p. 39)
“(…) quando uma pessoa é recompensada por percepção, não por resultados, ela precisa mostrar sofisticação.” (p. 44)
> Lindy é aquilo que melhora com o tempo, aquilo que quanto mais o tempo passa, mais chance tem de sobreviver. Agora, sobre recompensar a percepção, é a mesma maldição da modernidade citada acima.
“Pois estudar a coragem em livros didáticos não torna você mais corajoso, assim como comer bife não transforma você em boi ou vaca.” (p. 53)
> Desejar a igualdade não o torna uma pessoa do bem; pegar seu dinheiro e dividi-lo com quem tem menos, sim.
“(…) as pessoas que você encontra quando está no auge também são aquelas que você encontra quando está por baixo (…).” (p. 131)
> E por isto que “quem viver, verá”.
“Pois, de fato, pelo efeito Lindy, a robustez ao tempo, ou seja, fazer as coisas sob condições de exposição ao risco, é controlada e verificada pela sobrevivência. As coisas funcionam 1) se aquele que estiveram fazendo o trabalho assumiram algum tipo de risco, e 2) seu trabalho consegue atravessar gerações.
“O que me leva às avós. (…)
“Se você ouvir o conselho de uma avó ou de um idoso, é provável que funcione em 90% do tempo. Por outro lado, em parte por causa do cientificismo e da prostituição acadêmica, em parte porque o mundo é difícil, se você ler qualquer coisa escrita por psicólogos e cientistas comportamentais, as probabilidades são de que funcione em menos de 10% das vezes, a menos que também tenha sido analisado pela avó e pelos clássicos, e nesse caso por que você precisaria de um psicólogo?” (p. 185)
> Não se deixe enganar com estas afirmações. Taleb não está dizendo que o efeito Lindy anula as descobertas científicas; ele já disse em outro momento que o processo científico é o método cético por excelência. O que ele diz é que o cientificismo é que atropela o ceticismo.
“(…) o contato com a realidade que filtra e deixa de fora a incompetência, já que a realidade é cega para as aparências.” (p. 192)
> Mais ou menos assim: a verdade uma hora aparece. (Duro é que às vezes demora uma geração inteira a aparecer…)
“A força de um credo não dependia da ‘evidência’ dos poderes de seus deuses, mas se baseava na evidência de que seus adoradores arriscavam a própria pele.” (p. 250)
> Esta citação se refere a um trecho ótimo do livro em que a ideia é de que, se um fiel decide morrer por seu deus, é porque aquele deus deve ser mais real que todos os demais.
Como as democracias morrem serve pros dois lados
“Efetivamente, não existe democracia sem essa simetria incondicional nos direitos de um indivíduo de se expressar, e a grande ameaça é a bola de neve nas tentativas de limitar a liberdade de expressão com base no argumento de que certas opiniões e pensamentos podem ferir os sentimentos de algumas pessoas. Tais restrições não provêm necessariamente do Estado, mas, em vez disso, do poderoso establishment de uma monocultura intelectual por meio de uma hiperativa polícia do pensamento na mídia e na vida cultural.” (p. 33)
> O limite à liberdade de expressão é o dano concreto (em vez de hipotético) ao outro. Só temos que combinar se “ferir os sentimentos” é um dano concreto. De acordo com o que se compreende de todo o movimento do politicamente correto, sim. Como se deduz, quanto mais se materializar a concretude do dano psíquico, mais se fortalecerá a noção de que a liberdade de expressão é maléfica.
“Neste capítulo, proporei que aquilo de que as pessoas se ressentem – ou o que deveria ofendê-las e melindrá-las – é o indivíduo que está no topo mas não arrisca a própria pele, isto é, porque não arca com seu quinhão de risco, ele é imune à possibilidade de cair de seu pedestal, saindo de sua faixa de renda ou riqueza e esperando na calçada na fila do seguro-desemprego. Novamente, por conta disso, os detratores de Donald Trump, quando ele ainda era candidato, não apenas entenderam mal o valor das cicatrizes como sinalização de risco, mas também não conseguiram perceber que, ao alardear o episódio de sua falência e seus prejuízos pessoais beirando o 1 bilhão de dólares, Trump eliminou o ressentimento (o segundo tipo de desigualdade) que as pessoas poderiam ter em relação a ele. Há algo de respeitável em perder 1 bilhão de dólares, contanto que seja seu próprio dinheiro.” (p. 162)
> Sempre achei patético os jornalistas ficarem abismados com a população gritando “abaixo o STF”: será que em nenhum momento eles percebem o que todo mundo percebe, que privilégio vitalícios criam ressentimento?
“Vamos terminar esta discussão com uma injustiça que é pior do que a desigualdade: a dolorosa visão dos indivíduos da retaguarda do funcionalismo público que não correm riscos e enriquecem.” (p. 173)
> Por que será que há tantas pessoas xingando o STF, ó, por que será, estes trogloditas fascistas xingando o STF?!
Mercado, baby. Lutar contra ele é lutar contra a natureza do ser humano
“Conheço pessoalmente péssimos prognosticadores que ganham rios de dinheiro, e “bons” prognosticadores que são pobres. Porque o que importa na vida não é com que frequência uma pessoa está ´certa’ sobre os resultados, mas quanto ela ganha quando está certa.” (p. 38)
> Esta citação vai mais ou menos naquela linha do povo que não aceita que o Neymar seja um bilionário, enquanto professores de educação infantil sejam pobres. O ser humano, meu amor, não é completamente honesto sobre suas preferências.
“As pessoas que se expõem a riscos podem ser socialmente imprevisíveis. A liberdade está sempre associada a assumir riscos, quer a bravata resulte em liberdade, quer derive dela. Quem corre riscos se sente parte da história. E os que se expõem a riscos assumem riscos porque é de sua natureza serem animais selvagens.” (p. 132)
> A Revolta de Atlas, da Ayn Rand, preciso ainda ler este livro. Apesar que Pondé já falou muitas vezes de como os medíocres são sustentados por aqueles que realmente fazem o mundo girar, inclusive melhorando suas vidas.
Honra (os inteligentinhos dizem que isto é bobagem, mas o povo sabe que não é)
“Pessoas que não são moralmente independentes tendem a ajustar a ética a sua profissão (com um mínimo de retórica e distorção de fatos) e vez de encontrar uma profissão que se adapte a sua ética.” (p. 49)
> Como Taleb diz, especialmente com aquele argumento “eu também tenho contas pra pagar”.
“Qualquer coisa que você fizer para otimizar seu trabalho, pegar atalhos, contornar regras ou extrair mais ´eficiência´ do trabalho (e da sua vida) acabará, no fim das contas, levando você a sentir aversão a ele.” (p. 49)
> Isto vale pra 90% das pessoas. Mas há aqueles que não sentirão aversão nenhuma.
“Então, ‘dar conselhos’ à guisa de um discurso de vendas ou técnica de persuasão comercial é fundamentalmente antiético – vender e aconselhar não podem ser considerados a mesma coisa. Isso é líquido e certo, e nesse ponto podemos concordar. Uma pessoas pode aconselhar, ou pode vender (propagandeando a qualidade do produto), e os dois precisam ser ações distintas.” (p. 72)
> Me surpreendi quando soube que a separação da profissão farmacêutico (quem vende o remédio) da de médico (quem aconselha o uso do remédio) data do século XIII. O antiético é identificado há muito tempo.
“Nenhum lucro vale a sensação de vergonha.” (p. 76)
> De novo: pra 90% das pessoas não vale. Mas sempre haverá aqueles 10%…
“A verdadeira igualdade é igualdade na probabilidade.” (p. 163)
> O papo de igualdade versus equidade, o papo de igualdade de oportunidades, blá-blá-blá. Aqui penso que Taleb poderia ter ido além (Pondé vai), porque não discorreu sobre o papel do aleatório. Uma amostra em que todos os elementos tenham a mesma probabilidade seria artificial. Nossa própria herança genética já nos marca com o aleatório e me parece impossível haver igualdade de probabilidade quando o aleatório já define se você estará naquela probabilidade ou não.
“Portanto, essas causas globais – pobreza (especialmente a de crianças), meio ambiente, justiça para minorias oprimidas por potências coloniais, ou algum gênero ainda desconhecido que será perseguido – são agora o último refúgio do canalha que ostenta virtude.
“A virtude não é algo que se alardeia, que se anuncia. Não é uma estratégia de investimento. Não é um esquema de corte de custos. Não é uma estratégia de venda de livros (ou, pior, venda de ingressos de shows).” (p. 226)
> A virtude é tímida, como se diz.
“A coragem é a única virtude que não se pode fingir.” (p. 229)
> Coragem = arriscar a própria pele.
Artesãos
“Primo, os artesãos fazem as coisas por razões existenciais primeiro, financeiras e comerciais depois. A tomada de decisões de um artesão nunca é totalmente financeira, mas continua a ser financeira. Secundo, os artífices têm algum tipo de ‘arte’ em sua profissão; eles mantêm distância da maior parte dos aspectos da industrialização; combinam arte e negócio. Tertio, os artesãos injetam um pouco da própria alma em seu trabalho: não venderiam uma peça defeituosa ou mesmo de qualidade duvidosa, porque isso fere seu orgulho. Por fim, eles têm tabus sagrados, coisas que jamais fariam mesmo que aumentassem significativamente sua lucratividade.” (p. 49)
> Em Anti-frágil, Taleb define os artesãos como um pouco imunes às fragilidades de certas regulamentações profissionais ou de profissionais com carteira assinada.
“Quanto mais tem a perder, mais frágil você é.” (p. 133)
> Por isto que pessoas que não têm nada a perder são perigosas.
Épater la bourgeoisie
“Eu me lembro de me perguntarem por que eu não usava gravata, o que na época era o equivalente a caminhar nu em pela Quinta Avenida afora. ‘É em parte arrogância, em parte estética, em parte conveniência’, era a minha resposta habitual.” (p. 132)
> Homens ricos andam de calça jeans, camiseta e tênis. Mulheres ricas jamais andam de moleton. Isto ainda precisa ser estudado.
“Aqueles que usam linguagem indecorosa e de baixo calão nas redes sociais (como o Twitter) estão enviando um claro sinal de que são livres – e, ironicamente, competentes. Ninguém sinaliza competência se não correr os riscos por ela (…).
“Dessa forma, xingar e usar linguagem torpe pode ser um sinal de status canino e ignorância – ‘canaille’, ou canalha, que etimologicamente relaciona essas pessoas aos cães. Ironicamente, o status mais elevado, o de um homem livre, é usualmente indicado pela adoção voluntária dos costumes da classe mais baixa. (…) Leve em conta que as ‘maneiras‘ inglesas foram impostas à classe media como uma forma de domesticá-las, além de incutir nelas o medo de transgredir regras e violar normais sociais.” (p. 133)
> Será que isto explica o fascínio com outsiders na política brasileira? O Lula raivoso (do passado, antes de ganhar o lustro do capital) e o Bolsonaro troglodita de 2018?
“Se você disser algo maluco, será considerado louco. Mas se você juntar umas, digamos, vinte pessoas para fundar uma academia e disser coisas malucas aceitas pelo coletivo, agora você tem ‘revisão por pares’ e pode abrir um departamento em uma universidade.” (p. 181)
> Idem se você juntar muitos seguidores em qualquer destas redes sociais. Aliás, a famigerada “Fórmula do Lançamento” do Érico Rocha é a aplicação desta mentira: você não precisa ter autoridade, basta parecer que tem, o que vem com muitos seguidores (que podem ser obtidos com coisas espúrias como sorteios, ebooks gratuitos, semanas gratuitas que antecedem cursos, links de afiliados praquilo que você vende, depoimentos dos seus afiliados etc.)
Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2022
TALEB, Nassim Nicholas. Arriscando a própria pele: assimetrias ocultas no cotidiano. Tradução: Renato Brett. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.