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12 Regras para a Vida – Jordan B. Peterson

Postado às 18:58 do dia 16/02/21

12 Regras para a Vida: Um Antídoto para o Caos não é um livro de autoajuda, mas um livro de ajuda – da melhor que existe: a verdade. E Jordan Peterson recebeu inúmeros cancelamentos – tanto quanto fãs – por a ter dito sobre um sem número de assuntos. Psicólogo canadense, dedicou-se ao estudo das religiões pra responder a uma pergunta que o intrigava: como surge a crença? Disso resultou um livro chamado Mapas do Significado: a Arquitetura da Crença. Mas ele mesmo diz ser um livro um tanto quanto erudito. Então, depois que já era ouvido por milhões de pessoas em todo o mundo, escreveu este 12 Regras com base em uma postagem descompromissada que fez no Reddit respondendo quais seriam as lições de felicidade importantes. Foi um sucesso estrondoso. Um novo livro está a caminho: Beyond Order: 12 More Rules for Life. Se for como o 12 Regras, será verborrágico, com alguns capítulos ótimos, muitos bons e alguns realmente enfadonhos.

Até o final do segundo capítulo, fiquei na dúvida se aguentaria ler o livro; então, a leitura melhorou substancialmente no terceiro. Continuou bom até o quinto, deu uma escorregada feia no sétimo, mas foi interessante até o décimo segundo, e terminou no Encerramento em uma verborragia desnecessária.

Mas você não deve se contaminar pela minha opinião porque não sou exatamente a leitora que ouviu a mensagem de Jordan Peterson como se estivesse diante de um recém-descoberto santo Graal. Acostumada a ler sobre budismo, yoga e filosofia, digamos que este banho de água fria que o Peterson dá no seu leitor – e que o tornou famoso – é meio que o banho que eu comecei tomar desde lá por volta dos 27 anos quando decidi que não ficaria trabalhando com marketing pra produzir peças de propaganda que criassem um mundo cor de rosa pros consumidores de planos de telefonia celular. E, finalmente, sou leitora assídua do Pondé que, assim como Peterson, também estuda as religiões e também fala a verdade (se bem que o Pondé é infinitamente mais divertido que o Peterson).

Apesar disso, o 12 Regras está com dezenas de orelhas de páginas viradas, indicando trechos de onde é possível tirar uma citação que vale a pena eternizar. Na verdade, livros que contêm inúmeras partes citáveis tornam-se um tanto cansativos, como se você não os pudesse pôr de lado porque só falam coisas importantes, exigindo-nos uma disciplina de espírito difícil de ser mantida: são o que eu chamo de livros-bronca: você toma uma bronca depois da outra e acaba se cansando delas. (Pondé, por outro lado, não tem nenhum livro-bronca porque, sábio escritor, nunca escreve muitas páginas; assim, antes que você se canse, ela já parou.)

Tentarei trazer o crème de la crème do 12 Regras. Pretendo ler o novo livro do Peterson, mas apenas quando o preço no Kindle baixar o suficiente. Ah, eu comprei duas ferramentas de autoanálise do site do Peterson: o teste de personalidade e o exercício psicanalítico chamado Self Authoring Program. Este ainda não comecei fazer, então não posso dizer se é bacana. Mas o teste eu fiz e o resultado que saiu pra mim teve uma parte assim: “não é capaz de mergulhar em leituras de livros”. É pra chorar ou pra rir?

 

Crenças

“Ideologias são ideias simples, disfarçadas de ciência ou filosofia, que pretendem explicar a complexidade do mundo e oferecer soluções para aperfeiçoá-lo. Os ideólogos são pessoas que fingem saber como ´fazer um mundo melhor´antes de organizarem o próprio caos interior.” (pag. xiii – Prefácio de Norman Doidge)

– Sempre achei que autoconhecimento é algo que falta em políticos e burocratas de forma geral. Virar político deveria vir apenas depois de psicoterapia.

“Estamos, dessa forma, eternamente presos entre a cruz e a espada: a perda da crença centrada no grupo torna a vida caótica, miserável, intolerável; a presença da crença centrada no grupo torna o conflito com outros grupos inevitável. No Ocidente, temos nos distanciados da nossa cultura centrada na tradição, religião e, até mesmo, nação, em parte para diminuir o perigo do conflito em grupo. No entanto, cada vez mais nos tornamos presas do desespero da falta de sentido, e isso, de forma alguma, é uma melhoria.” (pag. xxxii – Introdução)

– O resumo é assim: sem regras, somos politicamente corretos mas morremos de solidão; com regras, somos beligerantes com grupos diferentes dos nossos, mas vivemos cheios de amigos. Mas entenda que, pro Peterson, o politicamente correto é uma regra de um grupo sobre outro. Então, no final, também gera conflito.

“Nossa sociedade enfrenta um chamado cada vez maior para desconstruir suas tradições estabilizadoras de forma a incluir quantidades cada vez menores de pessoas que não se ajustam ou não vão se ajustar às categorias nas quais até mesmo nossas percepções são baseadas. Isso não é bom. O problema particular de cada pessoa não se resolve através de uma revolução social, porque as revoluções são desestabilizadoras e perigosas.” (p. 123)

– Esta citação que faz repetir as palavra de Ayn Rand: “a menor minoria é o indivíduo”.

“Imagine uma criancinha batendo repetidamente no rosto na mãe. Por que ela faria isso? É uma pergunta tola. É inaceitavelmente ingênua. A resposta é óbvia. Para dominar sua mãe. Para ver se pode se safar dessa. A violência, afinal, não é um mistério. A paz, sim, e um mistério. A violência é o padrão. É fácil. A paz é que é difícil: aprendida, inculcada, conquistada. (As pessoas geralmente fazem as perguntas psicológicas básicas invertidas. Por que as pessoas usam drogas? Não é um mistério. Por que não as usam o tempo todo é que é um mistério. Por que as pessoa sofrem com ansiedade? Não é um mistério. Como as pessoas conseguem ficar calmas? Eis o mistério.” (p. 130)

– Fazemos perguntas básicas invertidas. Entao, não vou mais perguntar “por que as pessoas não leem?”, mas “como as pessoas que leem conseguem ler?”.

 

Um (certo) determinismo biológico

“Cerca de 300 milhões de anos atrás, os cérebros e os sistemas nervosos eram comparativamente simples. Não obstante, já possuíam a estrutura e a neuroquímica necessárias para processar as informações sobre o status e a sociedade. É muito difícil enfatizar o suficiente a importância desse fato.” (p. 12)

– Uma das razões do Jordan Peterson ter sofrido “cancelamentos” é trazer o biológico como um dos fatores pra sermos quem somos. Um pouco mais adiante, ela fala que o conceito de que a Natureza seja algo à parte de nossas construções culturais é equivocado. Já deu pra sacar o angu de caroço, né?

“A ansiedade e a depressão não podem ser tratadas facilmente se a pessoa tiver uma rotina diária imprevisível. Os sistemas que fazem a mediação das emoções negativas diárias estão muito atrelados aos ciclos corretos dos ritmos cicardianos.” (p. 19)

– Relógios inteligente (smartwatches) hoje monitoram nosso sono e nos dão bronca quando vamos dormir tarde. Conheço gente que parou de usá-los pra monitorar o sono justamente por causa da bronca.

“A compreensão de que o prazer poderia ser adiado de forma útil nos ocorreu com grande dificuldade. Isso é absolutamente contrário aos nossos instintos animais antigos e fundamentais, que demandam a satisfação imediata (especialmente sob condições em que haja privação, que são, ao mesmo tempo, inevitáveis e comuns).” (p. 175)

– Como adiar o prazer não é instintivo, precisamos ser ensinados a isso. Adiar o prazer é algo tão prosaico quanto aguardar as férias, quanto não torrar o dinheiro do salário pra pagar a escola do filho.

“Outros fatores desempenham seus papéis para o declínio dos garotos. As garotas, por exemplo, participam dos jogos dos garotos, mas eles são muito relutantes em participar dos delas. Parte disso se deve ao fato que é admirável para uma garota vencer ao competir com um garoto. Também não problema algum em perder para um menino. Para um garoto vencer uma garota, porém, geralmente não é legal – e, do mesmo modo, é ainda menos louvável perder para uma. Imagine um garoto e uma garota de 9 anos que comecem a brigar. Somente por se envolver na briga, o garoto já está sob forte suspeita. Se ele vencer, é patético. Se perder – bem, sua vida pode estar arruinada. Apanhou de uma menina.” (p. 309)

– Existe este seriado chamado Agents of Shield, da Marvel. Lá, as meninas metem porrada. Nos homens e nas meninas. E os homens metem porrada, nas meninas e nos homens. Sem distinções de gênero – apenas a lei do mais forte. Gostaria de ouvir o que Peterson diria sobre esta série de TV.

 

Semancol

“Mas o próprio Cristo, você pode objetar, fez amizade com os coletores de impostos e com as prostitutas. Como eu ousaria julgar os motivos daqueles que estão tentando ajudar? Porém, Cristo era o arquétipo do homem perfeito. E você é você.” (p. 79)

– Senso de proporcionalidade é algo que nos falta, quase sempre nos falta.

“Presuma primeiramente que está fazendo a coisa mais fácil, e não a mais difícil.” (p. 80)

– Nunca poderei recomendar o suficiente a leitura de dois livros: Rápido e Devagar, e Subliminar. Clique nos links que ambos estão resenhados no blog. São dois livros pra baixar a crista do galo.

“Não importa o quanto você é bom em algo ou como classifica suas realizações, há alguém por aí que o faz parecer incompetente.” (p. 88)

– Esta ideia, quando não for bem digerida, é a base pro desenvolvimento de uma personalidade ressentida, como nos ensina Luís Felipe Pondé (há vários livros dele resenhados aqui).

“Sem isso [um sistema de valores] , você não é nada além de um adulto com dois anos de idade, sem o mesmo charme ou potencial da criança.” (p. 105)

– É bonito ver um idoso, depois de uma vida plena, brincar como uma criança; é o retorno merecido a uma vida de sacrifícios e luta. Mas adultos na idade produtiva agindo como crianças é simplesmente patético.

“Você é, por um lado, a coisa mais complexa do universo inteiro e, por outro lado, alguém que não consegue nem mesmo ajustar o relógio do seu micro-ondas. Não superestime seu autoconhecimento.” (p. 111)

– Estou lendo A Coragem da Verdade, de Michel Foucault. Eu sou suficientemente precavida pra saber que não se entende Foucault a partir de uma primeira leitura. Mas talvez eu tenha compreendido que quando o Oráculo de Delfos disse que não havia ninguém mais sábio que Sócrates, pra Sócrates se comportar de fato como esta pessoa, ele entendeu que deveria ter consciência de que não sabia e precisaria se dedicar ao trabalho incansável de conhecer(-se). Então Sócrates é aquela pessoa única que conhece seu próprio desconhecimento e, de certa forma, fica vacinado de superestimar o que conhece.

“Um adulto paciente consegue derrotar uma criança de dois anos, por mais difícil que possa parecer.” (p. 131)

– A frase se refere a quando Peter se muniu de tempo e paciência pra, em meia hora, fazer seu filho comer o prato todo (ele não usou de violência, apenas se manteve firme na decisão de que o filho só sairia da cadeirinha depois de comer o prato todo).

“No entanto, as crianças não teriam um período de desenvolvimento natural tão longo antes da maturidade se seus comportamentos não tivessem de ser moldados. Eles pulariam para fora do útero prontas para negociar ações na bolsa.” (p. 137)

– As indiretas que o Peterson dá na cultura dos que no Brasil ficaram conhecidos como Farialimers é impagável.

“A vida é curta e você não tem tempo de descobrir tudo sozinho. A sabedoria do passado foi duramente conquistada e seus falecidos ancestrais podem ter algo útil para lhe dizer).

“Não culpe o capitalismo, a esquerda radical ou a iniquidade de seus inimigos. Não reorganize o estado até que você tenha ordenado sua própria existência. Tenha um pouco de humildade. Se você não pode levar paz para sua casa, como ousa tentar governar uma cidade?” (p. 165)

– Eu sei qual foi sua impressão a ler isso: parece profundamente errado dizer que apenas pessoas a partir de uma certa idade poderiam estar no governo ou na direção de uma empresa. Tendemos a achar que as pessoa velhas já eram e que as jovens oxigenam tudo. Talvez as jovens estejam mais bagunçando tudo e aguentando porque, bem, têm um músculo cardíaco jovem. Mas sempre existe a possibilidade de não bagunçar…

 

Submundo nosso

“É parte de uma tríade do mal: arrogância, falsidade e ressentimento. Nada causa mais danos do que essa Trindade do submundo.” (p. 93)

– Quando não conhecemos nossa sombra, somos falsos; quando a conhecemos e achamos que a dominamos, somos arrogantes; quando não a dominamos e culpamos o mundo por ela, somos ressentidos. Nada de bom deriva disso.

“Grande parte da felicidade é esperança, não importa a profundidade do submundo no qual essas esperança fora concebida.” (p. 96)

– A fé é uma das ferramentas geradoras de esperança mais poderosas que conheço. Por isso que uma pessoa que perdeu a fé é algo muito triste.

“A capacidade da mente de enganar, manipular, esquematizar, frauda, falsificar, minimizar, desorientar, trair, prevaricar, negar, imitir, racionalizar, polarizar, exagerar e obscurecer é tão infinita, tão extraordinária, que os séculos de pensamento pré-científico, concentrados em esclarecer a natureza do esforço moral, a consideraram nitidamente demoníaca. E não por causa da própria racionalidade como processo, Esse processo pode produzir clareza e progresso. Mas porque a racionalidade está sujeita à pior tentação 0 elevar o que se sabe agora ao status de um absoluto.” (p. 228)

– Numa inversão histórica, sempre parece um pouco herético dizer que a ciência não é o único saber viável.

“Porém, a razão se apaixona por si mesma, e o que é pior: ela se apaixona pelas próprias criações.” (p. 229)

– Por isso que inteligência não é antídoto pro fanatismo. 

“Quando a docilidade e a inofensividade se tornam as únicas virtudes aceitáveis, então a severidade e a dominância começarão a exercer um fascínio inconsciente.” (p. 342)

– Criar carneirinhos os faz desejar serem lobos.

 

Ouça

“Psicoterapia é uma conversa autêntica. E uma conversa autêntica requer exploração, articulação e estratégia. Quando se envolve em uma conversa autêntica, você está ouvindo e falando – mas principalmente ouvindo. Ouvir é prestar atenção. É impressionante o que as pessoas lhe dizem quando você está disposto a ouvir. Às vezes, quando realmente ouvimos, as pessoas nos dizem até mesmo o que há de errado com elas.” (p. 243)

“Em vez disso [dar a verdade], decidir escutar. Aprendi a não roubar os problemas dos meus clientes.” (p. 250)

– Antes deste parágrafo, Jordan diz que dar conselhos não é psicoterapia.

“Pessoas iguais a ela [minha paciente] são o motivo pelo qual todas as muitas formas de psicoterapia atualmente praticadas funcionam. As pessoas podem estar confusas a tal ponto que suas psiques se organizam e suas vidas melhoram pela adoção de qualquer sistemas razoavelmente ordenado de interpretação. Isso é a junção dos elementos incoerentes de suas vidas de uma maneira disciplinada – qualquer maneira disciplinada.” (p. 246)

– Meus alunos conhecem a expressão que cunhei “psicossomática de manual”. Por que funcionam? Por causa disso.

“Essas conversas [autênticas] são importantes porque quem fala está organizando o evento problemático em sua mente enquanto relata a história. Repito, pela sua relevância: as pessoas organizam seus cérebros com a conversa. Se não tiverem alguém para quem contar sua história, perdem o controle.” (p. 260)

– Sempre acreditei que escrever diários eram um tipo de cuidado de si. Talvez, como não escrevam mais diários, as pessoas postem sobre si em seus perfis de redes sociais. Mas uma diferença imensa: um diário é um livro de confidências a princípio inexpugnável. Isso nos faz dizer o que não teríamos coragem de publicar.

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2021

(Se compartilhar ou citar, mencione a fonte. É simpático e eu agradeço.)

 

PETERSON, Jordan B. 12 regras para vida: um antídoto para o caos. Tradução de Wendy Campos, Alberto G. Streicher. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.

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