Casa Máy > Diário em Off - Posts > marketing > Menos, Vogue; quer dizer, mais.

< voltar

Menos, Vogue; quer dizer, mais.

Postado às 00:37 do dia 18/06/12

Logo depois de eu ter escrito sobre a ditadura da magreza, topo com um aviso do grupo que publica a revista Vogue pelo mundo afora: a de que as editoras-chefes das 19 edições internacionais da revista assinaram um pacto para valorizar a imagem de um padrão corporal possível e saudável em suas páginas de moda. O padrão corporal está tão magro – o chamado size zero – que apenas meninas (magras) na puberdade ou adolescência podem ser usadas nas fotos.

A carta de intenções, intitulada The Health Initiative (publicada na edição da Vogue Brasil de junho de 2012) é tão autocentrada que preciso reproduzi-la aqui e depois comento.

“1. Não trabalharemos conscientemente com modelos com menos de 16 anos ou que pareçam ter algum tipo de distúrbio alimentar. Escolheremos modelos que, em nossa opinião, sejam saudáveis e ajudem a promover uma imagem corporal sã.

2. Pediremos aos bookers e às agências que não nos indiquem modelos com menos de 16 anos e também faremos lobby junto aos diretores de casting para que verifiquem identidades antes de marcar um ensaio, desfile ou campanha.

3. Ajudaremos a estruturar um programa em que as modelos mais maduras possam aconselhar e guiar as mais jovens e nos empenharemos em aumentar a conscientização de toda a indústria da moda através da educação, como tem sido a base fundamental do The Health Iniative do CFDA (Counsil of Fashion Designers of America)

4. Nos comprometeremos a criar boas condições de trabalho para as modelos, com alimentação saudável, respeito à privacidade e horários justos.

5. Incentivaremos os estilistas a pensarem nas consequências de produzir peças extremamente pequenas, o que acaba por limitar a gama de mulheres que podem ser fotografadas nelas, estimulando o uso de modelos muito magras.

6. Seremos embaixadoras da imagem corporal saudável, na revista e fora dela.”

E aí, qual foi sua reação? A minha foi de indignação. Embora eu seja partidária de que o ótimo é inimigo do bom, às vezes é melhor não tentar melhorar, pois piora. Comento:

Item 1: o que é exatamente “não trabalharemos conscientemente”? Quer dizer que as meninas falsificam a identidade para poder trabalhar na indústria da moda? Se você olhar uma menina e achar que ela está mentindo sobre sua idade e sobre seu documento de identidade, sua consciência vai agir como? “Ah, deixa passar” ou vai dizer “melhor não”? E se uma menina vier com emancipação legal, aí tudo bem dela ser fotografada com 16 anos? Outra coisa: como se define distúrbio alimentar? Será preciso flagrá-la vomitando no banheiro ou será preciso fuçar em sua bolsa pra saber se ela toma drogas pra inibir/suprimir o apetite? Como a Vogue conciliará estas resoluções com a de manter a privacidade das meninas (item 4)? E, finalmente, o que é a opinião da Vogue sobre ser saudável? Uma revista que publica, na mesma edição, o The Health Initiative e as matérias “Mulheres magras – As duas dietas radicais de Alexandra Farah” e “Corte radical – Daniela Falcão conta por que optou pela cirurgia de redução do estômago” pensa exatamente o quê sobre saúde?

Item 2: “pedir que não nos indiquem” é uma coisa: “exigir que todas as modelos tenham mais de 16 anos” me parece um coisa bem diferente. Por que não se comprometer com a proposta? Por que tanto receio de afirmar a posição perante seus colegas? Parece que a culpa de escolher modelos macérrimas não é da revista, mas das agências. Quem manda na revista, afinal? E é pra mudar ou é só pra posar de bonito?

Item 5: Acho que é o item mais cínico de todos. Se a Vogue manda no negócio, basta não escolher o estilista que faz roupas pequenas, ponto! Se o cara acha que a Vogue é importante, ele que trate de fazer roupas maiores. Ou a Vogue se compromete ou é melhor dizer de uma vez que, ora, “eu jamais vou sacrificar um editorial de moda porque a roupa é pequena demais!”

Se a Vogue quer realmente se comprometer em não acabar com a autoestima das mulheres, se ela acredita que realmente vem contribuindo para que as mulheres persigam a qualquer custo uma aparência irreal, esta deveria ser a carta de intenções:

1. Não usaremos photoshop ou programa similar para retocar corpo e rosto de modelos.

2. Trabalharemos apenas com modelos que tenham uma aparência de peso saudável. Como o critério “aparência” é subjetivo e como não é competência jornalística definir o quanto uma modelo é saudável ou não, mas sim de profissionais de saúde, adotaremos o critério de Índice de Massa Corporal (IMC) como parâmetro para determinação de um peso saudável. Sendo assim, trabalharemos com modelos que tenham, no momento da foto, IMC considerado normal.

3. Não trabalharemos com modelos com menos de 16 anos de idade, emancipadas legalmente ou não.

Pronto. Se a Vogue se comprometesse com isso, nada daquela blá-blá-blá subjetivo seria necessário. A reinvindicação é: menos cinismo, mais realidade; menos subjetividade, mais objetividade; menos preconceito, mais empatia; menos magreza, mais corpos comuns; menos saúde perfeita, mais saúde possível.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

Posts Relacionados

Comentários

Assinar Newsletter