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Você é ansioso? – Luiz Felipe Pondé

Postado às 17:15 do dia 15/05/20

Em entrevista ao programa O Mundo Pós Pandemia, na CNN Brasil, Pondé esclareceu que o grosso de seu novo livro, Você é Ansioso?, foi escrito nas duas semanas iniciais da quarentena. Mas alertou que o livro foi contratado em 2019 pela Editora Planeta. O tema não poderia ser mais urgente, o que certamente impulsionará as vendas. Timing, às vezes, é pura questão de sorte, se é que possamos falar de sorte o que vivemos com o covid-19. Ou, em vez de usar o termo sorte, Pondé preferisse usar o termo contingência, que cabe mais no jargão filosófico e, segundo ele, é a razão de todo tipo de ansiedade.

Como leitora e aluna de cursos online do Pondé, considero que este é um de seus livros mais inspirados. A obra de um autor vai amadurecendo: alguns conceitos vão surgindo (Pondé tem a chance de testá-los diariamente, seja em sua atividade acadêmica, seja em sua atividade midiática), depois vão ganhando corpo e por fim se tornam suficientemente sólidos pra explicar fenômenos. É o caso do fenômeno da ansiedade: surge da neurose de controle de nosso capitalismo orientado por delírios de sucesso e juventude.

Pondé explica o ponto numa “dialética da ansiedade”. Seu livro, como ele observou, é por uma sociologia da ansiedade. Logo, não espere auto-ajuda. Aliás, quem o segue sabe o que ele pensa – que não é nada lisonjeiro – sobre auto-ajuda. Espere, por outro lado, textos que olharão pra ansiedade em diversas formas de expressão: ansiedade por envelhecer, ansiedade da nova masculinidade, ansiedade na educação de filhos, ansiedade de life-coach, ansiedade com comer bem, ansiedade com morrer positivamente e outras esquisitices de nossa era.

Escolher melhores citações e comentá-las nesta resenha é um trabalho difícil em se tratando de Pondé porque ele é um pensador com alma La Rochefoucauldiana, ou seja, dado a máximas. Máximas é o que, atualmente, se chama de lacração, exceto que la Rochefoucauld foi um pensador versado, culto, com repertório, e a lacração de hoje em dia é apenas estúpida e superficial.

Seria possível escrever vários livros de máximas com citações dos livros de Pondé. Não são todos os leitores que gostam de máximas. Primeiro porque, como haikais, elas exigem que o leitor coloque um frame pra compreender significados, e no mundo onde as pessoas não leem mais – porque acham que tudo está no Google -, elas têm pouco repertorio interno pra fazer as relações entre os muitos conteúdos que uma máxima arranha. Logo, irão apreciá-las menos. Segundo porque gostar de máximas é gostar de ser provocado. Uma máxima educada não é uma máxima, é apenas uma lição de moral numa fábula com animais falantes. O leitor de máximas é alguém que aprecia a ironia, o cinismo, aprecia as verdades difíceis e tem um profundo respeito pelo lado B da humanidade. Não é algo popular.

Assim, deixo a vocês aqui as partes que grifei, minhas citações favoritas. Muitas vezes, não são as partes mais importante do livro; são aquelas que me chamaram atenção. O livro é inteiro ótimo. Vá além desta resenha e o leia todinho.

 

Preferir cachorro a gente

” Desempenhamos papéis de coadjuvantes num roteiro em que os protagonistas são sempre uns cretinos.” (posição 143 Kindle)

– Você deve se lembrar de uma citação famosa de Shakespeare, “o mundo inteiro é um palco e homens e mulheres não passam de meros atores…”. Pondé acrescentou um detalhe charmante a ela.

” Toda vez que um filho é um ´projeto´, ele será um ansioso em alto nível.” (posição 335 Kindle)

– É muito curioso que anos de uma cultura psicanalítica não tenha nos demovido da ideia de projetar em nossos filhos.

” […] a epidemia do coronavírus foi uma espécie de coroação do fim do sonho global. Ficamos mal-acostumados com a certeza de que o grande debate seria apenas entre banheiros trans ou não.” (posição 572 Kindle)

– Na entrevista à CNN que já citei, a jornalista Maria Palma comentou que as pessoas estavam vendendo enfeites pra máscaras com strass e bordados. Pondé disse que não duvidaria que marcas de luxo começassem a vender máscaras, porque esta é a lógica do capitalismo moderno. Estamos fadados a discutir sobre banheiros, mesmo quando boa parte da população humana não tem um.

“Mesmo o uso responsável das redes [sociais] implica aumento de ansiedade porque a espécie humana evoluiu num ambiente de silêncio e poucas palavras.” (posição 627 Kindle)

– A possibilidade de haver algo como um uso responsável das redes me parece incompreensível.

“Pessoas pode ter muito sucesso e prosperidade, justamente por serem absolutamente desequilibradas em sua saúde psíquica.” (posição 653 Kindle)

– Se você parar pra pensar, verá que a hipótese é totalmente factível. Comecemos a desconfiar da saúde psíquida do próprio autor, a menos que ele não ache que o que construiu seja compatível com a definição de sucesso e prosperidade.

” Quem deseja muito sucesso e prosperidade na vida é um deselegante.” (posição 937 Kindle)

– Você já deve ter ouvido falar do programa de treinamento do Sebrae chamado Empretec, não? Eu passei por ele. Me chamava atenção como eles divulgavam os resultados quando estavam nos convencendo a participar: os negócios cresceram, os negócios faturaram mais, etc. Então conversei com uma conhecida que havia feito pra saber o que ela tinha aprendido. E ela me disse: aprendi que não quero que meu negócio cresça. Infelizmente, eu não tinha maturidade na época pra entender a lição dela e acabei pagando o Empretec.

 

Sempre tem alguém que tá pagando a conta

“[…] a ansiedade é um sintoma social, em grande parte, do fato de que algumas pessoas ´deixam o ônus´da ansiedade para os outros e isso amplia o sofrimento daqueles que sabem demais, e faz com que estes adquiram a imagem de um neurótico, enquanto os outros são leves e divertidos.” (posição 165 Kindle)

– Olhe só: não glamourize o fato de você ser uma dessas pessoas que arcam com o ônus. Provavelmente você tem ganhos indiretos com isso, pra usarmos uma expressão cara à psicoterapia.

” Não somos ansiosos porque escolhemos ser. Essa é uma mentira que aumenta a própria ansiedade. Qualquer técnica de coaching que diga o contrário é mentirosa. A ansiedade hoje brota das próprias relações sociais materiais e do horizonte que aguarda o mundo. Mais marxista do que isso, impossível.” (posição 187 Kindle)

– Ninguém escolher ser ansioso, mas isso não signifique que você não se aproveita do fato de ser ansioso quando não ser ansioso deixa de ser uma opção. Justamente por isso é que, como Pondé fala no livro, há um mercado glamourizado da ansiedade.

“A competência cognitiva e ética leva à ansiedade.” (posição 231 Kindle)

– Pondé quis dizer que a busca por essas competências levam à ansiedade. Infelizmente, mesmo numa vida sem competência cognitiva e sem ética podemos nos lançar a sermos melhores que os outros nesta ausência. Ou seja, competição é um dos fatores da ansiedade. Mas isso você já sabia.

 

Não grite senão eu “cholo”

” […] amadurecimento, recurso escasso no século XXI.” (posição 205 Kindle)

– Nunca vou me conformar das pessoas não desejarem ser adultas no sentido completo do termo.

” Um dos golpes da modernidade é gerar ansiedade justamente por gerar longevidade sem função.” (posição 465 Kindle)

“A mesma sociedade que gerou a longevidade gerou o horror ao envelhecimento.” (posição 468 Kindle)

– É pouco inteligente louvar a juventude, porque vivemos muito mais tempo velhos que jovens.

“Arriscaria dizer que a esperança do futuro esta nos mais velhos.” (posição 256 Kindle)

– Como disse antes, nunca vou me conformar de desejarem mais a juventude que a velhice.

” O jovem é um doente terminal de expectativas. Ele deve entender de coisas que não tem repertório para tal, como política, relacionamentos afetivos e sexuais, decisões morais sobre certo e errado, enfim, um conjunto de temas que apenas o repertório de experiências de vida capacita alguém para entender e decidir.” (posição 286 Kindle)

– Imagine nossa ânsia por renovação (com pessoas jovens) na política…

” Como mostra a psicóloga Jean Twenge, marcadores sociais de amadurecimento, como sair da casa dos pais, manter-se financeiramente, sustentar um relacionamento minimamente contínuo e desejar filhos, estão em baixa – todos os quatro.” (posição 352 Kindle)

– Mas Pondé adverte que isso não ocorre nas classes baixas. O que me leva a pensar se o assim chamado “voto popular” não é um voto mais maduro que o nosso, que reflete o desejo de arrumar as coisas básicas da vida, coisas com as quais os “inteligentinhos” e os “bonitinhos” não se preocupam mais. Claro que falta combinar primeiro com os políticos eleitos de honrarem esses votos.

” Uma das vantagens da maturidade é poder repousar no próprio ser que você carrega em si mesmo.” (posição 518 Kindle)

– Meu pai tinha um jeito particular de falar das vantagens da velhice: dizia que velho podia falar palavrão sem ninguém chamar atenção.

” Como diria o escritor norte-americano Bret Easton Ellis, nascido em 1964, antes o mundo era dos adultos e não das crianças. Nós nos virávamos e eles não enchiam o saco.” (posição 535 Kindle)

– Sou desta época, mas eu era criança. Cresci sabendo que tem coisas que os adultos não faziam por crianças, como ir brigar com a mãe daquele pentelho que ficava me xingando de gorda baleia saco de areia embaixo da minha janela! Outra coisa que adulto não fazia era ir na escola quando tirávamos nota vermelha. Aliás, nenhum professor tinha problema em canetear com vermelho nossos erros numa prova. Não sou traumatizada por nenhum desses exemplos. Pondé chama a forma como pais e escolas educam crianças de “pedagogia da fragilidade”. O que me lembra uma resposta que JK Rowling (autora de Harry Potter) deu a um jornalista quando indagada se seus livros não eram muito fortes pra crianças, já que fala de órfãos, assassinatos e tortura. Ela respondeu que esconder certos assuntos difíceis de crianças não as tornariam mais fortes.

” A pergunta que a cultura da ansiedade logo se fará é: por que eu não tenho o direito de ser ansioso?” (posição 826 Kindle)

– Não é um saco?! Kkk Direito você tem, só não venha colocar na minha conta!

” […] a coragem e a ousadia, duas qualidades inexistentes no ressentido.” (posição 853 Kindle)

– Propor políticas públicas com base no ressentimento só gera soluções medíocres, eu deduzo.

 

“Mercado da ansiedade”

“[…] a ansiedade é prima-irmã da possibilidade de melhorar a vida […]” (posição 210 Kindle)

– Alguma hora a gente chega à conclusão de que se é mais feliz desejando menos.

“[…] o objetivo final do coaching é deixar você ansioso fingindo que não.” (posição 215 Kindle)

– Fingimento é o objetivo de muitas coisas que aprendemos hoje em dia.

” O fato é que o jovem como conceito ou figura social definida nasce nesse momento [anos 1960] e assume o papel de sacerdote do avanço social, característica do marketing profundo da racionalidade burguesa: o jovem é o futuro dos mercados.” (posição 271 Kindle)

– Acho que você já viu aqueles exames que mostram qual sua verdadeira idade biológica, não? Se você tem 40 anos, mas o teste dá que você tem 35, felicidade; mas, se for o contrário, envergonhe-se.

” A ideia de que um período da história ou da vida individual marcará a redenção da vida é, talvez, uma das expectativas mais ancestrais na experiência humana.” (posição 312 Kindle)

– Tenho pra mim que a fase de nossas vidas em que nos perguntamos “qual é minha missão” é quando alcançamos o pico desta expectativa. Felizmente, passa. E nos contentamos com apenas trabalhar, ganhar dinheiro, criar os filhos, etc.

” A ansiedade do idoso, além da idade em si que se impõe como uma ameaça inevitável, está intimamente ligada ao exílio da função produtiva. Esse processo tender a se acirrar e, provavelmente, os milênios perderão o prazo de validade profissional ainda mais rápido que seus pais boomers ou X.” (posição 447 Kindle)

– Já contei esta história. Meu pai fundou uma empresa depois de ter alcançado os 60 anos. Em algum momento, já perto dos 80 anos, ele foi capa da Exame PME, o que configura uma espécie de coroação de sua jornada (ele morreria 4 anos depois). Nesta época, a Exame PME publicava na última página uma coluna intitulada Abaixo dos 40, onde resenhava casos de sucesso alcançados antes de se fazer 40 anos. Escrevi à redação pra sugerir que, inspirados pela história do meu pai, a revista fizesse uma seção Depois dos 60. Desnecessário contar que fui solenemente ignorada. A velhice não vende. Algum tempo depois, me lembro de passear numa livraria e ver um livro cujo título dizia algo como “milionário aos 12 anos”, “ser rico aos 12 anos”, algo assim. Ou seja, ferrou-se, né? Se você tiver que ser rico aos 12, a humanidade já era.

“A ansiedade contemporânea é fruto da melhoria das condições de vida.” (posição 207 Kindle)

– Pondé fez um episódio do Democracia na Teia com J. P. Coutinho em que discutiram sobre a pandemia ter tornado heróis pessoas que aceitam ficar dentro de casa, no próprio sofá, pra lutar contra o covid-19. Coutinho comparou isso ao tipo de heroísmo visto no filme 1917 ou em qualquer tipo de guerra. Certamente, pensarmos no tipo de ansiedade que pessoas que não podem ficar no sofá sofrem é capaz de reenquadrar nossa ansiedade – senão você é um alienado dos infernos.

” A única forma acessível à sociedade de consumo de qualquer forma que se assemelhe minimamente à superação do desejo é a gourmetização dessa superação, que reintroduz a ansiedade por sucesso, dinheiro, bens e mimetize o desapego sem realizá-lo, como ir a um retiro na Índia de business class.” (posição 701 Kindle)

– Ricos querendo vivenciar experiências de pobres pra pôr no Instagram é triste demais.

” Os produtos espirituais para o mercado da ansiedade não têm demônios, e toda espiritualidade sem ´demônios´é falsa.” (posição 741 Kindle)

– Tem um livro que resenhei há anos chamado Depois do Êxtase, Lave a Roupa Suja. Conversa bem com esta citação. Fica a sugestão de ir ler a resenha depois.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2020

(Se compartilhar, por favor, cite a fonte. É algo simpático e eu fico agradecida.)

PONDÉ, Luiz Felipe. Você é ansioso?: reflexões contra o medo. São Paulo: Planeta do Brasil, 2020.

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