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Sejamos todos feministas – Chimamanda Ngozi Adichie

Postado às 01:18 do dia 11/05/15

Você deve ter visto a palestra de Chimamanda no TED intitulada O Perigo de uma Única História. (Se não viu, veja agora.) Ela fala sobre esteriótipos e como eles são frutos de nossa visão parcial sobre tudo, de pessoas a fatos e locais. Sobretudo, ela fala que Poder é a capacidade de contar uma história que se torna a única história. Então Chimamanda, autora nigeriana (1977) do aclamado Americanah, ganhador em 2013 do National Book Critics Circle Award for Fiction, conclama todos a esta coisa feia, chata e ranzinza que é o feminismo. Sejamos todos feministas é um livrinho curto que mostra como o feminismo tem sido contado como se fosse apenas uma única história: a de mulheres que odeiam homens.

Já vimos lindos movimentos femininos racharem em dois quando alguma mulher resolve dizer que aquilo é ativismo feminista: parte não quer, na verdade rejeita com todas as forças, ser chamada de feminista. Mas feminismo é simples de definir, as pessoas que o complicam: trata-se de lutar por direitos e oportunidades iguais entre homens e mulheres. “Ah”, você diz, “mas isso já ocorre.” Ocorre mesmo?

Quando se trata de colocar em pratos limpos a obviedade de que não existem direitos nem oportunidades iguais para homens e mulheres, nem mesmo em países ocidentais desenvolvidos, sempre cito Sheryl Sandberg, COO do Facebook, autora do estupendo Faça Acontecer (já resenhado aqui) e fundadora do movimento LeanIn.org: apenas quando tivermos 50% de mulheres trabalhando e 50% de homens em casa cuidando de filhos e afazeres domésticos é que teremos de fato um mundo igualitário em gênero. Como é ululante que isso não ocorre nem mesmo nos Estados Unidos da América,  serve como cala-boca a quem acha que não devemos falar sobre feminismo.

Devemos – devemos, sim. É chato, é feio, envolve raiva, envolve inclusive questionar o sacrossanto esteriótipo da feminilidade. A feminilidade é uma história única: gostamos de usar batom, vestir saias, chorar com filmes românticos. Mesmo quando surge uma, vamos ver, atiradora de elite, uma juíza de futebol, ou uma caminhoneira – profissões onde mulheres são minorias – , o que a mídia quer enfatizar é que elas não saem de casa sem pintar as unhas e gostam de passar creme nas pernas. Então você, que é uma simples administradora num escritório, ou uma vendedora numa loja de roupas, ou uma mãe indo ao supermercado, olha pra suas próprias unhas roídas e pensa como você é uma mulher de bosta porque não tem a vaidade que elas têm.

Toda santa vez em que se sentir uma bosta porque não atende a algum padrão que você acha que deveria atender, repita em silêncio para si mesma: feminismo. E agradeça àquelas mulheres que estão com raiva de homens, por favor, agradeça-as: elas são a faceta de uma história que não pode mais ser contada de uma única forma, e estão representando a extremidade de sentimentos de mulheres que sofreram e sofrem por serem vistas apenas pelo que externam, sem que lhes seja dada a chance de que suas histórias sejam contadas por elas próprias. E quando elas virem algumas mulheres que se sentem ameaçadas quando lhes tiram a vontade de vestir sutiãs, de estarem maquiadas, lindas e de cuidarem de filhos, que elas entendam que devem ouvir esta outra faceta da história também.

O feminismo é plural – sempre foi, sempre será. Não porque o movimento se defina assim, histórica ou filosoficamente. É plural porque somos humanos: porque somos, fundamentalmente, muitas histórias.

Dê chance a ouvir todas elas. Abaixo selecionei algumas que Chimamanda conta. Espero que as ouça.

 

 

A história única da raiva

“Não faz muito tempo, escrevi um artigo sobre o que significa ser uma jovem mulher em Lagos. Um conhecido disse que havia muita raiva no texto, que eu não deveria ter me expressado com tanta raiva. Mas eu não via razão para me desculpar. É claro que eu estava com raiva. A questão de gênero, como está estabelecida hoje em dia, é uma grande injustiça. Estou com raiva. Devemos ter raiva. Ao longo da história, muitas mudanças positivas só aconteceram por causa da raiva.” (posição 96 Kindle)

– Sentir raiva é chato e nada incomoda mais a brasileiros que uma mulher enraivecida. Isso é tão pouco desejável que mulheres com raiva são histéricas, loucas, barraqueiras, grossas, dão piti, saem do salto, rodam a baiana. Gosto de pensar assim: quando alguém chega no seu extremo, é porque estava cozinhando pequenos aborrecimentos que não suportaram mais ficar sem expressão. E quando aparece um gropo social raivoso, é pela mesma razão. Se o outro – os outros – são espelhos daquilo que negamos em nós mesmos, vir à tona algo com tamanha força é apenas porque aquilo está sufocado, escondido e trancafiado dentro da gente. Tá na hora de olhar esta feiúra toda.

 

 

A história única da miss simpatia

“O que me impressiona – em relação a ela e a várias outras amigas – é o quanto essas mulheres investem em ser ‘queridas’, como foram criadas para acreditar que ser benquista é muito importante. E isso não inclui demonstrar raiva ou ser agressiva, tampouco discordar.” (posição 115 Kindle)

– Concurso de miss tem apenas dois prêmios: o de mais bonita e o de mais simpática. O prêmio de mais simpática pode servir de consolação àquela menina feinha que todas adoram, como um pedido de desculpa pela vergonha alheia (ser feia). Algo que sempre achei injusto é não haver prêmio para a mais inteligente, ou para a mais atlética, ou para a mais corajosa, ou para a mais inovadora, ou para a mais solidária. Fazer com que meninas na escola desejem ser ou bonitas ou simpáticas é mostrar que nenhum outro traço de sua personalidade pode ser tão desejável quanto estes dois. Pense em sua filha, uma garota sem atrativos físicos óbvios, introspectiva, de poucos amigos. Será que ela precisará chegar à idade adulta pra notarem o quanto ela é especial? Mas é injusto também que prêmios sejam dados a quem mais aquilo ou a quem mais isso. Bacana mesmo seria que não tivéssemos necessidade de prêmios pra que nossas qualidades fossem valorizadas. Se houvesse um único prêmio justo em toda história da humanidade, seria aquele dado a cada homem e mulher que o merece apenas por ter vivido.

 

 

A história única da masculinidade

“O modo como criamos nossos filhos homens é nocivo: nossa definição de masculindade é muito estreita. Abafamos a humanidade que existe nos meninos, enclausurando-os numa jaula  pequena e resistente. Ensinamos que eles não podem ter medo, não podem ser fracos ou se mostrar vulneráveis, precisam esconder quem realmente são – porque eles têm que ser, como se diz na Nigéria, homens duros.” (posição 130 Kindle)

– Aí, quando surge um homem diferente, chamam-no de bicha, e nunca vão além do xingamento, nem se dando ao trabalho de ver que há homens masculinos que também são medrosos e sensíveis, que há gays que são muito destemidos e desabravadores, que há mulheres gays que são muito amorosas e ternas, e que há mulheres femininas que são bastante inflexíveis e duronas. E nem vem dizendo que são exceções que confirmam a regra. Regras são histórias únicas. Em se tratanto de gente, não há regras. (Ainda bem!)

 

A história única do quem paga a conta

“No ensimo médio, quando um garoto e uma garota saem juntos, o único dinheiro de que dispõem é uma pequena mesada. Mesmo assim, espera-se que ele pague a conta, sempre, para provar sua masculinidade. (E depois nos perguntamos por que alguns roubam dinheiro dos pais…) E se tanto os meninos quanto as meninas fossem criados de modo a não mais vincular a masculinidade ao dinheiro? E se, em vez de ‘o menino tem que pagar,’ a postura fosse ‘quem tem mais paga’?” (posição 135 Kindle)

– Dizer que uma homem se casou pra ter sexo é tão machista quando dizer que a mulher se casou pra ter quem lhe pagasse as contas. Machismo é vincular relacionamentos a questões de poder, onde um se une ao outro por conta de interesses mais ou menos confessáveis. Se o feminismo por vezes parece muito machista, é porque ainda temos este tributo a pagar para entrarmos no século XXI, onde, esperamos, questões de gênero não sejam mais questões, assim como as que envolvem poder.

 

A história única dos direitos humanos

“Algumas pessoas me perguntam: ‘Por que usar a palavra “feminista”? Por que não dizer que você acredita nos direitos humanos, ou algo parecido’? Porque seria desonesto. O feminismo faz, obviamente, parte dos direitos humanos de uma forma geral – mas escolher uma expressão vaga como ‘direitos humanos’ é negar a especificidade e particularidade do problema de gênero. Seria uma maneira de fingir que as mulheres não foram excluídas ao longo dos séculos. Seria negar que a questão de gênero tem como alvo as mulheres. Que o problema não é ser humano, mas especificamente um ser humano do sexo feminino. Por séculos, os seres humanos eram divididos em dois grupos, um dos quais excluía e oprimia o outro. É no mínimo justo que a solução para esse problema esteja no reconhecimento desse fato.” (posição 216 Kindle)

– Quando alguém acha que não cabe mais lutar pelos direitos das mulheres num país como o Brasil, em que temos até uma presidente da República, pergunto: uma mulher pode andar tranquila na rua à noite, num lugar deserto, sem ter medo de ser estuprada? Se a resposta for não, então, sim, temos que defender o feminismo mesmo num país onde temos uma mulher como presidente da República.

 

A história única de ser minoria

“Uma vez eu estava falando sobre a questão de gênero e um homem me perguntou por que eu me via como uma mulher e não como um ser humano. É o tipo de pergunta que funciona para silenciar a experiência específica de uma pessoa. Lógico que sou um ser humano, mas há questões particulares que acontecem comigo no mundo porque sou mulher. Esse mesmo homem, a propósito, com frequência falava da sua experiência como homem negro. (E eu deveria ter respondido: ‘Por que você não fala das suas experiências como um homem ou um ser humano? Por que tem que ser como um homem negro?’”. (posição 235 Kindle)

– Tenho cá comigo que todos podemos nos encaixar numa minoria, basta vasculhar. Do ponto de vista confortável das relações de poder, sou uma mulher branca, ocidental, de classe média. Portanto, sou maioria opressora (zelite). Do meu ponto de vista, por ser vegetariana e criar filhos vegetarianos, sempre sou hostilizada em restaurantes, em reuniões sociais, em consultas médicas e até quando passo em frente à bancada de carnes num supermercado, espetáculo que me agride profundamente. Então, deste ponto de vista, sou minoria. A melhor maneira de você encarar o outro é sempre achando que você também pode agir ou sofrer do mesma forma. Somos únicos, sim, evidente; mas somos iguaizinhos nas possibilidades: a do ser humano falho.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2015

 

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Tradução: Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

 

 

 

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