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Os melhores contos brasileiros de 1973 – vários (org. Editora Globo)

Postado às 15:15 do dia 06/07/12

Topei com o livro na Biblioteca Pública do Paraná. Primeiro tinha escolhido o Mais 30 Mulheres…, antologia de Luiz Ruffato com contos de autoras contemporâneas. Então achei que seria interessante contrapor essas autoras a contos escritos no ano em que nasci. No time escalado pela Editora Globo para 1973, nomes como Clarice Lispector, José J. Veiga, Lygia Fagundes Telles, Nelida Piñon, Rubem Fonseca e Sérgio Sant´Anna entre os mais conhecidos. Só gente graúda, portanto. Seria um belo contraponto.

A antologia da Editora Globo foi publicada em 1974 com contos que saíram no mercado editorial brasileiro um ano antes. O livro não é assinado por ninguém, foi uma legítima obra organizada por um corpo editorial anônimo – o que tem seu charme, porque fica com mais cara de cânone do que se tivesse sido escolhido por um escritor ou professor em voga na época.

Aqui vai minha resenha com algumas melhores partes.

 

do conto Uma Partida de Trem, de Clarice Lispector

– Uma velha, Dona Maria Rita Alvarenga Chagas Souza Melo, entra no trem para fazer uma viagem até a casa do filho e se senta ao lado de Angela Pralini, uma jovem de partida para a casa dos tios, que está dilacerada com o rompimento de um relacionamento amoroso. Algumas frases de cortesia são trocadas entre as passageiras e dão ensejo para que deduzam a respeito uma da outra e se comparem. Fazem uma avaliação de suas vidas até ali, com o inevitável desfecho de que Angela, a mais moça, acaba por se sentir culpada pela vida que tem pela frente e que a velha não tem mais. Prepare-se para a pungência de retratos sobre o vazio da velhice. Você lê e quer sair cortando os pulsos. As notas de frescor no conto são alguns termos em inglês, a referência a produtos e locais da época – lembretes de que, ufa, estamos bem vivos. Abaixo, uma frase deliciosa que a velha usa para constatar que há ganhos no amadurecimento:

“ – Quando eu era moça eu era muito mentirozinha. Mentia à toa.” (p. 24)

 

do conto O Almirante, de Hermilio Borba Carvalho

– Um negro de 1,90 m, catador de caranguejos, o Almirante Siri, tem um só prazer na vida: capitanear o fandango durante o Natal. Para isso ensaia o ano inteiro e precisa sair pela vizinhança passando o chapéu para conseguir patrocínio e manter impecáveis sua fantasia de almirante, a de seu contra-mestre e todos os adereços de seu grupo de danças. No litoral da cidade, atraca um navio-escola. Um industriário local, Coronel José Inácio da Luz Pereira, hesita entre convidar o Almirante do navio para conhecer sua fábrica ou aguardar que seja chamado – não sabe o que estaria mais de acordo com sua posição de homem rico, importante e poderoso daquelas cercanias. Então uma coincidência, no melhor estilo comédia de erros, coloca-o frente a frente com o Almirante Siri. O desfecho é hilário, mas inconcluso, pis não sabemos o que será feito de Siri. Abaixo a frase que prenuncia as trapalhadas do encontro entre o Coronel e Almirante Siri.

“A chegada do navio-escola coincidiu com uma ideia brilhante que espoucou no quengo do Almirante Siri.” (p. 42)

 

do conto O Arquiteto ou o Encantamento da Sexta-Feira Santa, de Ieda Inda

– O engenheiro Luís, casado, dois filhos, compra um terreno e encomenda o projeto e acompanhamento da obra à senhorita Engel, uma arquiteta jovem, bonita, que lhe ensina a enxergar a concepção do espaço – metáfora para a beleza da vida que ele tinha esquecido em anos de trabalho como provedor de família. Prepare-se para grandes planos narrativos e para uma poética do cimento e tijolo nesse conto com tom confessional de Ieda Inda que é, ela própria, arquiteta. Abaixo a fala de um pai de família que se descobre preso à vida que criou para si:

“A gente correr de uma hora para outra à beira do mar é bem um crime que exige um bom álibi. Estou roubando das pessoas horas da minha vida que a rigor elas detêm e controlam e eu preciso diariamente prestar contas.” (p. 74)

 

do conto O Colecionador de Lágrimas, de Ildeu Brandão

– Um professor de antropologia descobre uma método para colecionar lágrimas e acaba se contaminando com o sofrimento que emana delas. Abaixo coloco a descrição do método de coletá-las, que foi bem sacada pelo autor. Como ele conseguiria trazer verossimilhança ao processo? Veja só:

“Colhe a lágrima com uma pinça de pontas côncavas embebidas em muco de caracol e a deposita numa salva de prata contendo o mesmo muco, rola a lágrima em todos os sentidos com delicadíssimos movimentos até transformá-la numa lágrima à milanesa e a coloca na concavidade do granito. Passado algum tempo o muco escorre para o  fundo da concavidade e forma um berço para a lágrima, que ali fica boiando, tal como brotou do olho.” (p. 81-82)

 

do conto In Memoriam de Emanuel Valpinges, de José J. Veiga

– Um cientista brasileiro faz fama no exterior com a descoberta de um mecanismo para medir o tamanho exato do universo e, célebre, retorna ao Brasil e inventa um processo revolucionário para projetar imagens mentais na cabeça das pessoas, logo adotado pelos governos no mundo inteiro. Morreu num incêndio junto com as anotações que permitiriam que cada cidadão protegesse seu cérebro.

 

do conto A Volta do Campeão, de Luiz Vivela

– Um senhor com quase 60 anos revive seus tempos de garoto quando resolve participar dos jogos de biloca dos meninos da vizinhança. É um conto saudosista, daqueles que gostamos de ouvir da boca de nossos avós e reflete sobre a autonomia na velhice.

 

do conto  A Estrutura da Bolha de Sabão, de Lygia Fagundes Telles

– Esse é um conto que faz parte do imaginário popular. Cresci ouvindo meu pai, que é engenheiro, dizendo que tem cerrto tipo de gente que se mete a medir bolha de sabão, isto é, perde tempo com coisa sem importância. Não lembro se tinha ou não lido o conto quando menina. É a história de uma mulher que volta a rever o antigo namorado, agora acamado por uma doença. Abaixo a descrição de uma bolha de sabão que se choca contra o vidro da janela. Não sei se apenas eu, ou você também, mas me lembrei da cena em que Poliana (do livro homônimo de Elanor H. Porter) pendura o cristal na janela da mulher doente. Lembrou também?

“Ainda fechei a janela para retê-la, mas com sua superfície que refletia tudo ela avançou cega contra o vidro. Milhares de olhos e não enxergava. Deixou um círculo de espuma.” (p. 114)

 

do conto A Família, de Mafra Carbonieri

– O único filho do fazendeiro decide sair de casa depois que o pai, com 50 anos, anuncia que vai se casar com uma moça de 28 após o falecimento da primeira esposa. O filho quer ser pianista, o pai não aceita, uma das irmãs, cínica, desafia o irmão, a outra, sempre calada, pede para que ele toque suas músicas no piano. Uma história longa sobre o silêncio que os pais impõem aos filhos, metaforizada nas melodias que o filho tece ao piano. Para ler os amantes de piano. Abaixo um trecho da metáfora, em que o professor de piano avalia a competência do protagonista para criar música:

“ – Você sabe compor as melodias.

Mas não sabia ligá-las. Afinal a música tem uma sintaxe, que eu, intuitivo, ainda não divisava com clareza. Pensando suprir a falha, eu utilizava como recurso o diálogo entre a dissonância e a pausa súbita. Porém, a persistência com que essa fórmula ia sendo aplicada, empobrecia a qualidade da composição.” (p. 137)

do conto Epidólia, de Murilo Rubião

– Conto que conversa com o estilo onírico, narra o desaparecimento de uma namorada e a busca dela por parte do namorado, que desbrava personagens e paisagens que não existiam até então.

do conto Cortejo do Divino, de Nelida Piñon

– Meu conto preferido em toda a antologia, narra o amor entre um homem e uma mulher que ficaram trancados por mais de um ano num quarto, entregues à paixão carnal, nuam cidade onde isso era proibido (ou esquecido). Condenados, devem confessar às autoridades o que tanto faziam. São separados, mas nada confessam. A população por fim clama para que os soltem, para que se juntem novamente, e começa a persegui-los para ver se os amantes cederiam aos seus impulsos carnais e se amariam como antes supunham que eles se amassem. Maravilhosa metáfora de Adão e Eva, invertendo a ordem de quem cai de que tipo de paraíso. Não posso citar a melhor parte, porque é a final.

do conto Circuito Fechado, de Ricardo Ramos

– Ricardo Ramos é filho do próprio, isto mesmo, de Graciliano. Foi tão premiado quanto o pai. Neste conto, Circuito Fechado, valendo-se de experimentações com a palavra, cria uma narrativa que, de início, usa apenas substantivos e vai adensando com construções gramaticais mais completas, embora ainda enxutas. Questão de estilo, questão de herança.

 

do conto Passeio Noturno, de Rubem Fonseca

– São duas páginas e um terço, e aquele choque no final. Rubem Fonseca. Você lê e dá vontade de vomitar. Melhor não citar parte nenhuma.

do conto Notas de Manfredo Rangel, Repórter (A Respeito de Kramer), de Sérgio Sant´Anna

– O conto mais curioso do livro: uma ficção a respeito do jornalismo investigativo – ou, como talvez seja mais apropriado chamar, do jornalismo literário. Manfredo é um repórter que faz anotações sobre Kramer, um político que é pré-candidato civil à Presidência da República, no momento em que os presidentes não eram eleitos diretamente, mas referendados por um colégio eleitoral dentro do regime de ditatura militar. Leia se for um jornalista, leia se for um aficcionado por biografias. Fala sobre as questões éticas da profissão de repórter e sobre aquela coisa manjada de que não existe fato no jornalismo. Só que não espere teorias, espere um furo.

“Existe, porém, antes de tudo, a consciência (deformação?) profissional. E um bom repórter não toma partido. Um bom repórter apenas relata.” (p. 219)

do conto O Arquivo, de Victor Giudice

– Conto-absurdo em que um operário fica feliz quanto mais recebe “despromoções”. Legal que você não entende nada até mais ou menos o décimo parágrafo. Daí embarca na história.

“Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.” (p. 223)

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

 

Os Melhores Contos Brasileiros de 1973. Porto Alegre: Editora Globo, 1974

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