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O sol também se levanta – Ernest Hemingway

Postado às 15:34 do dia 20/07/14

O impacto da literatura de Hemingway (1899-1961)  é explosivo, pra ficar numa metáfora que ele usa para as touradas descritas no livro. Mas o curioso é que se percorre seu texto como quem sai de férias no verão e, de repente, BANG!, se está nocauteado.

A história deste O sol também se levanta (1926) é contada, dos bastidores, em Casados com Paris, relato ficional de Paula McLain sobre a vida de Hemingway com sua primeira esposa, Hadley, mas também em Paris é uma festa, do próprio escritor. É um ménage à trois, ou antes, à quatre – não, espere: à cinq! Brett Ashley tem 34 anos, está separada e vai novamente se casar. Vive em Paris de um café e uma festa para outra e tem amizade antiga com o narrador, Jacob Barnes (Jake), um jornalista norte-americano expatriado, ex-combatente e ferido de Guerra. Ambos não formam um casal, não poderiam; então ele é uma espécie de cupido que lhe arranja parceiros. E todos vão a Pamplona, na Espanha, participar das touradas. Lá desenrola tudo que aprendemos gostar no mito hemingwayano: boxe, touros, pescaria, bebida, charuto, mulheres, traições em 220 volts.

Parece chocante tomar um livro, hoje em dia, e ler tão abertamente sobre alcoolismo e achar tudo isso bastante glamouroso. Qualquer autor contemporâneo que fizesse uma ode ao estilo de vida como o daqueles jovens do pós-Guerra cairia no underground ou seria solenemente punido com a obscuridade. E a Geração Perdida é mainstream.

Mas o que poderia chamar mais atenção no romance é a liberdade sexual das mulheres. Em algum ponto do século XX, quando a silhueta à garçonne foi acinturada por Dior no New Look, tornamo-nos caretas de novo. E esse caretismo, embora tenha desadençado nos anos 1970, continuou. É claro que você pode ler centenas de volumes em que as mulheres bebem, e saem à noite, e gastam seu dinheiro e dormem com quem querem e fazem sexo da maneira como querem – mas em raros livros elas não serão julgadas por agirem assim, ou suas leitoras. Em O sol também se levanta, Brett é o que é – e ninguém tem nada a ver com isso. Hemingway tem várias passagens na vida em que pode ser considerado machista, mas nesta obra, se é verdade que o contexto é coisa de macho, a mulher não é.

Veja as citações que pincei. Espero que curta.

 

O caráter simples de um homem

“Desconfio de todas as pessoas francas e simples, principalmente quando suas histórias são coerentes (…)” (p. 9)

– É aquela velha máxima: muito bom pra ser verdade.

“ – Escute, querida, emprego melhor o meu dinheiro num conhaque antigo do que em qualquer outra antiguidade.” (p. 73)

– Não há dúvidas! Aliás, lá pelo final do século XIX, a burguesia masculina achava um absurdo usar perfumes, porque era um luxo que se desvanecia. (Leia Aromas, uma história cultural dos odores pra saber mais.) Como assim gastar dinheiro com algo que simplesmente se evapora no ar? (Mas certamente não tinham a mesma opinião acerca do que se dilui no estômago.) Outro dia ouvi alguém imbuído do mesmo espírito do século XIX: disse-me que não gostava de gastar seu dinheiro para ver espetáculos, porque depois que o espetáculo terminava ela não levava nada para casa. É curioso gostar de gastar o dinheiro apenas com coisas concretas em época de físicas quânticas.

“Gozar a vida consiste em saber obter com o dinheiro o mais possível. O mundo é um bom lugar para essa espécie de transações.” (p. 160)

– Não haveria melhor lugar.

“ – Não me dou bem com a atmosfera religiosa. É contrária ao meu gênero de beleza.” (p. 226)

– O caráter complexo de uma mulher. (A fala é de Brett, lady Ashley.)

“Uma garrafa de vinho é uma boa companhia.” (p. 251)

– Falou o personagem que mais bebeu vinho por página escrita da literatura.

 

Paris França

“Durante dois anos e meio, acredito que Robert nunca olhasse para outra mulher. Era passavelmente feliz. Apenas, como acontece a muitas pessoas que vivem na Europa, teria preferido viver na América.” (p. 11)

– Sim. É um sentimento que se apodera até daqueles que vivem no Brasil.

“ – Estou saturado de Paris, farto do Quartier.

“ – Então se afaste do Quartier. Ande por aí sozinho e veja o que acontece.

“ – Não me acontece nada. Já andei sozinho durante toda uma noite e nada sucedeu; apenas um guarda, de bicicleta, pediu para examinar meus documentos.

“ – Não achou a cidade bonita, à noite?

“ – Paris não me interessa.” (p. 18)

– Ó, heresia!

“ – Não. Não gosto de Paris. É cara e suja.” (p. 25)

– Não dá pra conversar com gente mau-humorada, não dá.

“Atravessando o Sena vi uma sucessão de barcaças vazias, descendo o rio. Os bateleiros tomaram o leme quando elas se aproximaram da ponte. O rio estava bonito. É sempre agradável atravessar as pontes, em Paris.” (p. 51)

– Ah, finalmente alguém de bom humor! Bem, esta história toda de pontes me faz lembrar Grenouille observando o Sena percorrer por baixo da maison de parfum de Baldini. E, depois, tudo desmoronaria. Você precisa ler O perfume.

“Você é um expatriado e do pior gênero. Nunca ouviu dizer isso? Os que deixam o seu país jamais escrevem coisa alguma que valesse a pena. Nem mesmo nos jornais.” (p. 126)

– Eis Hemingway brincando de ser Hemingway. Aliás, leia Paris França, título de Gertrude Stein que epigrafa este bloco de citações, em que ela diz que todos, pra escrever algo que preste, devem se afastar da terra natal.

“Achava estranho encontrar-me novamente na França. Era um sentimento de segurança suburbana.” (p. 250)

– E hoje, que país pareceria selvagem como os Estados Unidos nos anos 1920? O Brasil?

“Entrei a fim de jantar. Para a França, era uma grande refeição, mas após a Espanha a comida parecia distribuída com parcimônia.” (p. 250)

Mulheres francesas não engordam, Mulheres francesas não fazem plástica, Mulheres francesas não dormem sozinhas, que porra é este de lugar?!

“O garçom pareceu um pouco ofendido com a história das flores dos Pirineus e, assim, dei-lhe uma boa gorjeta. Ele ficou contente e eu me senti à vontade, num país onde é tão fácil contentar as pessoas. A gente nunca sabe se um garçom espanhol agradecerá. Tudo, na França, repousa sobre bases financeiras tão nítidas! Não existe outro país onde seja tão fácil viver. Ninguém complica as coisas; faz-se logo amizade e o garçom gostou de mim. Apreciou as minhas qualidade financeiras. Gostaria de tornar-me a ver-me. Eu jantaria ali novamente, ele ficaria contente e me chamaria para sentar a uma de suas mesas. Seria uma afeição sincera, porque repousava sobre bases sólidas. Eu estava de volta à França.” (p. 251)

– Então tá entendido? O problema nunca foi você não saber falar francês. Dê gorjetas – e os francesas falarão até mandarim!

 

Afición

“ – Ninguém vive com a intensidade que deseja, exceto os toureiros.” (p. 17)

– Mas às custas dos touros, né? Não curto. Não curto absolutamente.

 

Constatações do absinto com café

“Era aquela Brett por que eu havia chorado. E agora a via na imaginação, subindo a rua, entrando no automóvel, assim como a vira, na realidade; naturalmente, não tardei a sentir-me de novo como se estivesse no inferno. Durante o dia, nada mais fácil do que mostrar que não se dá importância, mas, à noite, é diferente.” (p. 43)

– É a lua; ela mexe com a gente de fato.

“O táxi partiu e Brett fez um aceno.

“ – Que pequena! É bonita mesmo. Quem é Michael?

“ – O homem com quem vai se casar.

“ – Ora, é sempre nesta fase que encontro as pessoas.” (p. 83-84)

– Hahaha, azarado! Mas hoje a gente diria, a um solteirão, que se ele atrai apenas mulheres que estão noivas, é porque, inconscientemente, não quer compromisso. Hoje em dia tudo é mais aborrecido mesmo. Nem azarado mais se tem a liberdade de ser.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro © 2014

 

HEMINGWAY, Ernest. O sol também se levanta. Tradução Berenice Xavier. São Paulo: Abril Cultural, 1ª edição, 1975. Coleção Os imortais da literatura universal, nº13.

 

 

* Outros livros de Hemingway e da Geração Perdida resenhados aqui:

O velho e o mar – Hemingway

O grande Gatsby – Fitzgerald

Suave é a noite – Fitzgerald

Seis contos da Era do Jazz – Fitzgerald

Paris França – Gertrude Stein

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