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O pêndulo do relógio e outras histórias de Pau-d´Arco – Charles Kiefer

Postado às 18:05 do dia 11/07/12

Este livro reedita três contos que Charles Kiefer (1958), escritor e professor riograndense, autor de inúmeros livros e vencedor de três Jabutis, publicou nas décadas de 80 e 90: O Pêndulo do Relógio, de 1984; A Traíra, de 1992; e O Poncho, de 1996. Para quem já conhece os contos, o prazer desta edição talvez seja o prefácio onde Kiefer fala do gosto que lhe deu escrevê-los, todos eles ambientados na cidade fictícia de Pau D´Arco.

Quando li a primeira história, A Traíra, lembrei um livrinho da escola salesiana que a professora, muito politizada na Teologia da Libertação, nos fazia ler: Justino, o Retirante, de Odette de Barros Mott. Foi uma leitura caceteada, que eu empurrava para baixo da cama com enfado e impaciência – queria ler A Ilha Perdida, de Maria José Dupré, cheia de fantasia e aventura. Desde aqueles dias, não pude olhar para a luta de classes de forma isenta: foi o tema que me roubou o prazer da magia na infância! O sertão nunca mais me encantaria, nem João Cabral, nem Graciliano.

Só fui me encantar de novo, nos bancos escolares, quando a professora nos fez conhecer a Semana de 22. Daí foi um deslumbramento, porque a Semana também me apresentou Paris. Debandei, feliz da vida, para a literatura urbana e, de preferência, dos séculos XVIII e XIX.

Mas a vida adulta ensina que o sertão não é uma localização geográfica, mas um estado de espírito e das coisas – e que podemos encontrá-lo nas florestas amazônicas, ou nos pampas gaúchos. Reencontrei o sertão até mesmo nos salões de Lucien de Rubempré, olha só. E ele voltou a aparecer nestes três contos de Charles Kiefer.

Em A Traíra, André, neto do falecido avô João, saiu dos pampas e foi galgar a vida na cidade, mas resolve voltar à casa da tia, que também é sua madrinha, para uma pescaria junto com o irmão e o cunhado. Aqui está a descrição do percurso que André faz de volta às terras que foram do avô:

“Era a mesma estrada, estreita e empoeirada, estrada de chão batido, que serpenteava entre as lavouras de soja, mas desta vez não havia um velho e um menino. O velho era uma ossada sem carnes e uma disputa de herança; o menino, um homem espigado e desiludido.” (p. 17)

André se sente desconfortável de encarar a pescaria, a competição com o irmão e o cunhado, sempre unidos, desde a infância, para atormentá-lo. A madrinha é quem recorda que André costumava pescar muitas traíras com o avô, mas o desempenho de André vai de mal a pior. É quando ele se lembra de pedir ajuda ao espírito do avô e sai da pescaria com uma lição.

O Poncho – Charles lembra que este não lhe deu nenhum prêmio, apenas a “impagável sensação de ter escrito uma boa história” – é a narrativa de um evento passado na vida do avô de Luíza, Fernando Könning, que, mesmo após tantos anos, ainda leva o velho às lágrimas: o reencontro que ele nunca teve com a noiva de Pau D´Arco a quem tinha deixado para tomar partido na Guerra do Paraguai. É o relato comovente de um homem que percebe que perdeu o destino porque se atrasou para ele. Aqui um trecho da reflexão de Luíza, recordando, já adulta, como foi ouvir a história da boca do avô:

“Talvez quisesse perguntar-lhe por que os homens colocam tudo acima do amor, mas eu era uma guria tímida e assustada, incapaz de falar diante de uma adulto, mais ainda dele, que não gostava de ser interrompido. Depois, quando cresci, a pergunta perdeu sentido, distanciei-me dos costumes de outras mulheres, como minha mãe e minha avó, deixei Pau D´Arco com a promessa de não retornar nunca mais àquela terra maldita.” (p. 37-38)

O conto que fecha a seleção, O Pêndulo do Relógio, é, nas palavras do autor, “talvez o texto mais seco, mais econômico e mais sofrido” entre os que escreveu. Conta a história de Alfredo Müller, colono que sustenta uma esposa, duas filhas e dois filhos, todos crescidos, com o que planta de soja em sua terra. Mas o encontramos em estado de desespero desde que soube, na Cooperativa de Pau D´Arco, que suas dívidas tinham alcançado um volume impagável graças à cobrança de juros bancários. De repente, Alfredo, um homem de 48 anos que nunca tinha ficado doente, se dá conta de que não tem mais futuro e, incapaz de dividir seu presente com os familiares, percebe a solução, que é drástica. Abaixo reproduzo o trecho em que Alfredo decide matar a única porca que lhe restou e com a qual tinha esperanças de voltar à criação de suínos quando o preço da carne melhorasse:

“A porca ainda abre a boca, guinchando, e tomba. Estremece na agonia da morte e, enfim, aquitea-se. O suor empapa a camisa de Alfredo. Súbita tontura faz com que precise escorar-se, vista turva e coração opresso. Dormiu pouco e mal. Limpa a lâmina ensanguentada na calça. Dá-se conta do que fez.” (p. 90)

A questão, nos três contos, não é por que sair do sertão: motivos sobram. A questão é por que não se deixa de querer voltar. Leia o livro e descubra se faz sentido pra você.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

KIEFER, Charle. O pêndulo do relógio e outras histórias de Pau D´Arco. Barueri, SP: Manole/Amarilys, 2009.

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