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O Machete – Machado de Assis

Postado às 14:29 do dia 19/06/12

Como comentei, estive numa oficina de crítica literária na Biblioteca Pública do Paraná agora em junho. Entre as resenhas que tivemos de entregar na pré-inscrição estava uma sobre Machado de Assis. De que jeito escrever algo impactante sobre Machado em no máximo 40 linhas, que era o limite solicitado? Acabei embarcando numa overdose de contos dele até encontrar um que fosse simples o bastante para criticar. Mas quase nada em Machado é simples. A saída foi falar sem dizer muito: recurso típico de apaixonados que, diante de seus ídolos, articulam apenas o que seu nervosismo lhes permite.

Dos livros de contos que comprei para escrever a resenha solicitada, tirei da seleção feita por John Gledson o conto O Machete. É a resenha que coloco abaixo. Mas antes quero comentar que esta seleção de contos feita por Gledson é muito bacana. Está lá O Alienista, que fazia vinte anos que não lia, bem como outros menos conhecidos. John Gledson é professor inglês com inúmeras incursões pelo Brasil e por sua literatura. Já traduziu livros e contos de Machado e também a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Junto com Roberto Schwartz, imagino que forme 50% do corpo da crítica machadiana. Mas a apresentação do livro 50 Contos de Machado de Assis é leve, gostosa de ler. Aliás, como acho que deve ser a leitura de Machado. Nunca achei Machado chato, nem quando eu tinha 13 anos de idade. Por conta da oficina, reli Memórias Póstumas e Dom Casmurro e me diverti como da primeira vez, ou mais, porque agora algumas sutilezas são evidentes.

Chega de conversa. Vai aqui o comentário (não chamo de resenha) crítico a O Machete:

 

***

 

O MACHETE

de Machado de Assis

(in 50 Contos. Machado de Assis; sel. John Gledson. Cia das Letras, 2007)

Por mais bem embasada, bem escrita, bem colocada que esteja a crítica a Shakespeare em O Cânone Ocidental, é tentador ler suas quase 700 páginas (na edição de bolso pela Objetiva) com uma imagem na mente: a de Shakespeare no palco e um Harold Bloom na plateia, assistindo a tudo com um cartaz que levanta bem alto pelas mãos e onde se lê “i luv u, Will.” Ser fã é uma condição inafiançável.

Encontro-me nesta mesma condição em relação a Machado de Assis. É possível, por exemplo, pegar o conto O Machete e falar de como Machado novamente usa o silêncio de suas personagens femininas para dizer tudo; de como elas se revelam pelos olhos (“olhos negros e travessos”); ou como se vale das antíteses para explicitar o que é implícito; ou como reflete sobre a vida a partir da vulgaridade da alma humana. Embora Alfredo Bosi tenha advertido que não devamos idolatrá-lo, qual é o evangelista que se importa com tais advertências?

Se você não conseguir rir – no mínimo sorrir – quando lê Machado de Assis, você não poderá apreendê-lo. Nisso lembro um professor meu, numa aula inaugural de linguística, que queria nos passar em definitivo o espírito da coisa. Era o Sírio Possenti e ele nos disse que as provas de português, nas escolas, deveriam ser assim: conta-se uma piada; quem rir tira 10. Ele nos ensinava que, em termos de português, todos nós já nascemos sabendo tudo que se deve saber.

Muito do gosto por Machado está em apreciar suas mesuras com a língua portuguesa, em rir das metáforas nada evidentes que nos contam sobre aquilo que se tornou possível de ser falado, de maneira direta, apenas na modernidade: o sexo, o vício, o preconceito, a degradação do caráter.

Em O Machete, como não se deliciar com as alusões ao triângulo amoroso entre Carlota, a esposa, Inácio, seu esposo violoncelista, e Barbosa, o amigo tocador de machete?

 

Carlotinha propôs que os serões fossem três; mas Inácio nada concedeu além dos dois. Aquelas noites eram passadas somente em família; e o machete acabava muita vez o que o violoncelo começava.

Ou ainda aqui, quando o adultério já é insinuado pelo marido:

 

– Que tens? perguntou-lhe Carlotinha.

– Nada, respondia Inácio.

– Aposto que está pensando em alguma composição nova, disse Barbosa que dessas ocasiões estava presente.

– Talvez, respondeu Inácio; penso em fazer uma coisa inteiramente nova; um concerto para violoncelo e machete.

Talvez por isso a nossa condição de fã: você enxerga a cenografia, percebe o preparo dos atores, concorda com a visão do diretor; mas, no fundo, o que o arrebata é aquele regozijo de quando a piada se revela. No que diz respeito ao texto da vida, entender a piada é tudo o que importa. E Machado sabia contá-las como ninguém.

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

GLEDSON, John (org.) 50 contos de Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 

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