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Não contem com o fim do livro – Jean-Claude Carrière e Umberto Eco

Postado às 18:22 do dia 06/09/12

É difícil demais conter o entusiasmo diante deste livro. Vou mencionar os ingredientes e você imagina como ficou a receita:

– 75 kg (aprox.) de Jean-Claude Carrière (1931), francês, roteirista, ator e escritor, colaborador de Luis Buñuel. Pro que nos interessa aqui, escritor de Índia, Um Olhar Amoroso e colaborador de Peter Brook na adaptação pro cinema de Mahabharata. Bibliófilo em boas condições financeiras.

– 90 kg (aprox.) de Umberto Eco (1932), italiano, escritor, ensaísta e intelectual pop-star, autor de O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault, Baudolino, O Cemitério de Praga, Como se Faz uma Tese, Semiótica e Filosofia da Linguagem e mais um sem número de obras fundamentais que você deve ter lido se já foi um universitário na área de Humanas. Bibliófilo em excelentes condições financeiras.

– 269 páginas sobre o tema “estamos assistindo ao fim do livro?”

– entrevistador ao estilo “brother”, pitadas a gosto.

Conseguiu imaginar o prato final? O gosto é mediterrâneo, de maneira que nosso estômago fique saciado, mas a apresentação é um nouvelle cuisine que lhe serviram com as mãos: você sabe que alguém se empenhou pra fazer, mas não se leva a sério a ponto de ter criado algo intocável.

Trocando em miúdos (argh!), o livro é a conversa entre os dois colecionadores de obras raras com o entrevistador Jean-Philippe de Tonnac, pouco conhecido no Brasil, mas que também é escritor, ensaísta e jornalista. Lançado em 2009 na França, quando a Amazon.fr estava para completar uma década de vendas no país e o mercado editorial francês festejava um aumento de 20% em comparação aos anos anteriores, ele deve ter sido a resposta mais bem aguardada diante da brochada que foi a crise dos subprimes naquele ano. “E agora, acabamos?”, deve ter se perguntado toda a cadeia produtiva do livro.

A resposta de Jean-Claude e Eco é NÃÃÃÃO.

O livro, como a roda, é um invento perene e que não exige aperfeiçoamentos. Nasceu obra-prima e com design definitivo. Nem os ebooks são páreo. Se um dia não tivermos mais energia elétrica, quem estará em nossas mãos provendo informação, um livro ou um ereader? Pra entender melhor a discussão – mas, principalmente, para se divertir – , leia alguns trechos que selecionei.

Bon appétit!

PS: Ao lado de cada citação, uso as siglas JCC ou UE. Referem-se à fala de, no primeiro caso, Jean-Claude Carrière, e, no segundo, de Umberto Eco.

 

Livro, design definitivo

“No século XVI, o tipógrafo veneziano Aldo Manuce terá inclusive a grande ideia de fazer o livro de bolso, muito mais fácil de transportar. Ao que eu saiba, nunca se inventou meio mais eficiente de transportar informação. Até o computador, com todos os seus gigabytes, tem que ser conectado. Não há esse problema com o livro. Repito. O livro é como a roda. Uma vez que você o inventou, não pode ir mais longe.” (UE: p. 106)

– iPad e iPod também ficam sem bateria, tá!, só pra te lembrar.

“JCC: A respeito da roda, este é um dos grandes enigmas que os especialistas das civilizações pré-colombianas têm para resolver. Como explicar que nenhuma delas tenha inventado a roda?

UE: Talvez porque a maioria dessas civilizações vivesse tão empoleirada que a roda não pudesse concorrer com a lhama.” (p. 107)

– Hahahaha!

 

Bibliofilia à brasileira

“O grande colecionador brasileiro José Mindlin me mostrou uma edição dos Miseráveis publicada e impressa no Rio, em português, em 1862, isto é, no mesmo ano da publicação do livro na França. Apenas dois meses depois de Paris! Enquanto Victor Hugo escrevia, Hetzel, seu editor, despachava o livro, capítulo após capítulo, aos editores estrangeiros. Em outras palavras, a distribuição da obra era mais ou menos a desses best sellers atualmente disponíveis em diversos países e diversas línguas simultaneamente. Às vezes é útil relativizar nossas pretensas proezas técnicas. No caso de Victor Hugo, as coisas andavam mais rápido do que nos dias de hoje.” (JCC: p. 49)

–  Também acho a história extraordinária. Mas inacreditável mesmo é saber que um filme que ainda nem estreou no cinema já está legendado no Torrent.

“A obsessão do colecionador é muitas vezes apoderar-se de um objeto raro, e não apenas conservá-lo. Conheço uma história espantosa a esse respeito. Existiam dois exemplares do livro fundador da literatura brasileira, O guarani, romance editado no Rio por volta de 1840. Um estava no museu, enquanto o outro deambulava em algum lugar. Meu amigo José Mindlin, esse grande colecionador brasileiro, fica sabendo que o livro pertence a uma pessoa, em Paris, disposta a vendê-lo. Reserva uma passagem de avião São Paulo-Paris e um quarto no Ritz para ir ao encontro do diletante da Europa Central dono do cobiçado exemplar. Os dois homens trancam-se durante três dias num quarto do Ritz para negociar. Três dias de discussões tensas. Um acordo é finalmente alcançado e o livro torna-se propriedade de Mindlin, que pega imediatamente o avião de volta. Durante o voo, ele tem todo o tempo para descobrir o exemplar recém-adquirido, um pouco desiludido por constatar que o livro em si não oferece nada de muito extraordinário, mas ele esperava por isso. Revira-o um pouco em todos os sentidos, procura o detalhe raro, depois deixa-o de lado. Ao chegar ao Brasil, esquece-o no avião.” (JCC: p. 116-117)

– Gentem, imagine! O cara esqueceu o livro no avião! A história tem um final, mas pra sabê-lo você terá que comprar o livro e ver o que Jean-Claude conta.

“Quase poderíamos dizer que o período de maior magnificência da França foi quando ela se viu privada de poesia. Quando ficou praticamente sem emoção, sem voz. (…) Às vezes me pergunto se não há no poder contemporâneo, representado por homens como Berlusconi e Sarkozy, que na menor oportunidade gabam-se de não ler, uma certa nostalgia desse tempo, quando as vozes insolentes haviam se calado, quando o poder era ignaro.” (JCC: p. 88)

– Berlusconi e Sarkozy te lembram algum outro presidente contemporâneo deles?

 

Shakespeare

“Sabe como Voltaire traduziu ‘To be or not to be, that is the question’? ‘Arrête, il faut choisir et passer à l´instant/ De la vie à la mort ou de l´être au néant’ [Pare, é preciso escolher e passar agora/ Da vida para a morte, do ser para o nada].” (JCC: p. 52)

– Quero te contar uma coisa: quando você participar de uma oficina literária e lhe disserem “economize na escrita”, você economiza, tá, mesmo se for Voltaire.

“Penso nesse blá-blá-blá sobre as obras de Shakespeare ou Molière para saber – interrogação idiota – quem as escreveu. Qual a importância disso? O verdadeiro Shakespeare se dilui na glória de Shakespeare, Shakespeare sem sua obra não seria ninguém. A obra de Shakespeare sem Shakespeare permaneceria a obra de Shakespeare.” (JCC: p. 133-134)

– Sobre essa discussão, tenho a impressão de que, dos dois livros que James Shapiro escreveu, 1599 – Um Ano na Vida de Shakespeare e Quem Escreveu Shakespeare?, apenas o primeiro é um best-seller. O público também não liga muito pra essa polêmica.

Hamlet não é uma obra-prima, é uma tragédia desorganizada que não consegue harmonizar fontes diversas. Por essa razão, tornou-se enigmática e todo mundo continua a se interrogar a seu respeito. Hamlet não é uma obra-prima por suas qualidades literárias; é porque ela resiste a nossas interpretações que se tornou uma obra-prima. Às vezes basta pronunciar palavras insensatas para passar à posteridade.” (UE: p. 136)

– Huahuahuahuahua. Não posso comentar a citação, estou me contorcendo de rir. Eu adoro Hamlet! Recentemente baixei um ebook com Hamlet traduzido em português do final do século XIX e foi hilário relê-lo, pois me pareceu ainda mais saboroso. Parece que o português do século XIX trouxe uma dicção mais solene à peça e isso acentuou seu humor negro. Hamlet é impagável!

“Os trabalhos dedicados a confirmar ou refutar a autenticidade das obras de Shakespeare são infinitas. Tenho uma boa coleção deles, pelo menos os mais célebres. O debate leva o nome “The Shakespeare-Bacon controversy”. Uma vez escrevi de brincadeira que, se todas as obras de Shakespeare tivessem sido esritas por Bacon, este último nunca teria tido tempo de escrever as suas, que por conseguinte teriam sido escritas por Shakespeare.” (UE: p. 140)

– Quando me inteirei acerca desse debate, tive a ideia de escrever uma crônica sobre a existência de J. K. Rowling, a escritora da série Harry Potter. Me pareceu que, no futuro, seria uma lástima duvidarem da existência dela. A crônica é essa: Jo Rowling Existiu. Que devo fazer agora? Imprimir a crônica, encerrar numa garrafa a vácuo e enterrar num abrigo antibombas? Depois da leitura de Não Contem com o Fim do Livro, me toquei que, se, no futuro, a única prova documental da existência dela forem alguns exemplares de seus livros e minha crônica, isso não será suficiente para atestar que ela escreveu Harry Potter. Imagine se começarem a dizer que um homem é que escreveu aquilo tudo?! 🙁

 

Balzac

“Um verdadeiro poeta desbrava seu caminho sob um temporal de insultos.(…) O próprio Flaubert dizia sobre Balzac: ‘Que homem teria sido Balzac se soubesse escrever’.” (UE: 175)

– Fiquei sabendo que o nosso Paulo Coelho guarda no cofre de um banco não sei quantos giga-bytes de críticas más a sua obra. Isso não atesta a genialidade dele. Mas seria curioso se, daqui dezenas de anos, as gerações realmente começarem a aclamá-lo e alguém, depois de consultar os arquivos, atestar: “Olhem o que diziam dele! Como as pessoas eram burras!” Hoje nos parece uma burrice o que Flaubert disse. Quem sabe se lá no século XXII não estejam chamando a nós de burros…

“Será que os adeptos da leitura dinâmica saboreiam realmente o que leem? Se você pular as longas descrições de Balzac, será que não perde exatamente o que constitui a marca profunda de sua obra? Aquilo que ele é o único a lhe proporcionar?” (JCC: p. 226)

– Perde, Jean-Claude, perde mesmo; mas os diálogos também são ótimos. Voltando à questão da leitura dinâmica, fico imaginando o que seria ler Clarice Lispector assim? O que se apreenderia?  Acho que se pularima páginas e páginas e, no final, não se conseguiria contar sequer qual era a história, não?

 

Borges

“Essa história dos rascunhos me lembra uma visita de Borges, em 1976 ou 1977. Eu tinha acabado de comprar minha casa em Paris, e ela estava em obras, numa grande desordem. Eu tinha ido buscar Borges, em seu hotel. Chegamos, atravessamos o quintal, ele estava apoiado no meu braço, já que praticamente não enxergava, subimos a escada e, sem me dar conta da minha gafe, julguei por bem me desculpar da bagunça, que ele evidentemente não podia ver. Ele me respondeu: ‘Eu compreendo. É um rascunho.’ Tudo, até uma casa em obras, o conduzia à literatura.” (JCC: p. 101)

– Jorge Luis Borges sempre tem frases ótimas, inclusive aquela famosa sobre o paraíso ser uma espécie de biblioteca.

 

Escolas literárias, cânones e filtragem de obras-primas

“Quando você se contenta em aplicar as regras, toda surpresa, todo brilho, toda inspiração se evapora. É a lição que tento passar, às vezes, aos jovens cineastas. ‘Vocês podem continuar a fazer filmes, isso é relativamente fácil, e esquecer de fazer cinema’.” (JCC: p. 81-82)

– Coitados dos parnasianos, nunca mais serão levados a sério na história do mundo. Mataram-se pra fazer poemas, e nenhuma poesia.

“Os gêneros literários e pictóricos são criados por imitação e influência.” (Umberto Eco: p. 83)

– Verdade verdadeira. Quantos Senhor dos Anéis havia antes de Tolkien? quantos Harry Potter antes de Jo Rowling? Agora se vê a multiplicação dos Tons de Cinza, a multiplicação do Guia Politicamente Incorreto, etc.

“Se um autor quiser evitar ser vítima de uma filtragem, é aconselhável que se alie, se filie a um grupo, que não fique isolado.” (JCC: p. 84)

– Conselho de gente grande: forme panelinhas. Até Curitiba tem sua panela literária. 😉

“A noção de filtragem que debatemos me faz naturalmente pensar nesses vinhos que filtramos antes de beber. Existe agora um vinho que apresenta essa qualidade de não ser ‘filtrado’. Preserva todas as suas impuerezas, que às vezes contribuem com sabores muito particulares que a filtragem, na sequência, lhe subtrai. Talvez tenhamos saboreado na escola uma literatura demasiadamente filtrada e, por esse motivo, carente de sabores impuros.” (JCC: p. 94)

– Não sabia que existiam vinhos assim. De qualquer forma, uma vez que estejamos fora da escola, é certo que vamos ler o que bem entendermos. Inclusive autoajuda.

“Em cada livro incrustam-se, ao longo do tempo, todas as interpretações que lhe demos. Não lemos Shakespeare como ele escreveu. Nosso Shakespeare então é muito mais rico que o lido em sua época. Para que uma obra-prima seja uma obra-prima, basta ser conhecida, isto é, absorver todas as interpretações que suscitou, as quais vão contribuir para fazer dela o que ela é. A obra-prima desconhecida não teve suficientes leitores ou interpretações.” (UE: 134)

– A discussão sobre o que é uma obra-prima é tão antiga, quanto chata, embora renda bastante. Uns acham que a obra-prima é dada por fatores externos ao texto, fatores de ordem sócio-política; outros, que é uma qualidade intrínseca ao texto. Mas uma coisa é certa: ninguém fica confortável com o conceito de obra-prima exceto, talvez, o autor (se não for modesto), e a editora (se for ambiciosa).

 

Ambição artística

“Eles [as culturas tradicionais antigas] tampouco têm a cultura da inovação, que é a marca do Ocidente. Portanto, há culturas em que a ambição dos ‘artistas’ é repetir fededignamente o mesmo motivo decorativo e transmitir esse saber herdado de seus pares a seus alunos. Se existem variações em sua arte, a gente não percebe.” (UE: p. 87)

– Embora a ambição seja copiar, quer-se que a cópia seja perfeita. Ambição é ambição em qualquer lugar ou época.

“Sou fascinado pelo erro, pela má-fé e pela estupidez. Sou muito flaubertiano.” (UE: p. 114)

– Umberto Eco diz: Flaubert c´est moi.

“Um aforista italiano escreveu que era impossível ser um grande poeta búlgaro. A ideia em si parece um pouco racista. Provavelmente ele queria dizer uma dessas coisas, ou ambas ao mesmo tempo (…): em primeiro lugar, ainda que esse grande poeta tenha existido, sua língua não é suficientemente conhecida e logo nunca teríamos oportunidade de atravessar seu caminho. Portanto, se ‘grande’ quer dizer famoso, é possível ser um bom poeta e não ser famoso.(…) Em segundo lugar, um país deve ter atravessado os grandes acontecimentos da história para produzir uma consciência capaz de pensar de forma universal.” (UE: p. 132)

– Brasil!, pela segunda razão, enterre, por enquanto, suas ambições de ganhar um Nobel.

 

Hábitos de leitura

“Sem esquecer que a leitura, até santo Ambrósio, era feita em voz alta. Foi ele primeiro a começar a ler sem pronunciar as palavras. O que mergulhara santo Agostinho em abismos de perplexidade. Por que em voz alta?” (UE: p. 99)

– Agostinho não está sozinho: também me pergunto, em tom perplexo, por que audiobook?

 

Bibliotecas

“Uma biblioteca não é obrigatoriamente formada por livros que lemos ou livros que um dia leremos, é fundamental esclarecer isso. São livros que podemos ler. Ou que poderíamos ler. Ainda que jamais venhamos a lê-los.” (JCC: p. 229-230)

– Você não fica realmente aliviado de ouvir isso? Todos aqueles que te criticam por comprar livros que nunca leu, pense. E aqueles objetos de decoração que você tem em casa e nunca faz nada com eles? nem senta em cima, nem acaricia, nem come, não são a mesma coisa? Pode citar esses argumentos quando vierem te encher o saco por ter voltado da livraria com 5 kg de livros novos.

“(…) um de meus amigos compara seus livros a uma pele que agasalha. Ele se sente aquecido, como que abrigado pelos livros. Protegido contra o erro, contra a incerteza e também contra a friagem. Estar cercado por todas as ideias do mundo, por todos os sentimentos, todo o conhecimento e todos os comportamentos possíveis, proporciona-lhe uma sensação de segurança e conforto. Você nunca sentirá frio no seio de sua biblioteca. Ei-lo protegido, em todo caso, contra os perigos da ignorância.” (JCC: p. 245-246)

– Achei tão lindo comparar biblioteca a uma pele que agasalha. É quase tão lindo quanto a comparação de Borges com o paraíso. Mas me lembrei do filme O Dia Depois de Amanhã (2004) em que um grupo de nova-iorquinos se abriga do congelamento da cidade dentro da biblioteca da cidade e hesita em queimar grandes clássicos para se aquecer. A cena do livro não traduziria de forma mais literal o que Jean-Claude falou sobre não sentir frio no seio de uma biblioteca.

“Convém dizer que nada é mais difícil do que arrumar uma biblioteca. É como começar a colocar um pouco de ordem no mundo. Quem se atreveria a isso?” (JCC: p. 248)

– Mais um alívio pra você: deixe que sua biblioteca permaneça o caos que sempre foi. Certamente que você se acha no meio da baderna.

“Quantos de nós já não se alimentaram do simples perfume de livros que víamos em prateleiras mas que não eram os nossos?” (UE: p. 253)

– Ah, que lindo! Posso contar minha vida até agora pelas livrarias e bibliotecas que me acolheram. E cometo o pecado da vaidade de dizer que fui a primeira assistente de biblioteca da primeira biblioteca que minha escola de ensino primário, o Instituto Maria Auxiliadora, em São José dos Campos/SP, criou. Funcionava numa sala imporvisada embaixo da escada e minha função era arrumar os livros e acompanhar as fichas de empréstimo. Guardo a carteirinha de assistente até hoje. Eu devia ter 8 ou 9 anos de idade e minha heroína era Maria Clara Machado. Em casa havia um volume com 5 peças dela que eu lia e relia. Se eu não tivesse conhecido Machado de Assis, eu teria escolhido uma carreira no teatro graças a ela.

“Agrada-me a ideia segundo a qual, para visitar o Inferno dos livros, é preciso uma autorização especial. Julga-se fácil ir ao inferno. Em absoluto. O Inferno depende de uma chave. Não entra lá quem quer.” (JCC: p. 256)

– O parágrafo se refere a uma seção da Biblioteca Nacional de Paris chamada Inferno, onde estão guardadas todas as obras pornográficas ou que ferem os bons costumes. Ela começou a ser constituída a partir do início do século XIX e ficou fechada ao público de 1969 a 1983. Em 2008 a Biblioteca organizou uma exposição para contar a história do Inferno e mostrar parte de seu acervo. Caso leia francês, neste PDF da exposição está toda essa história que lhe conto.

“Uma coleção de livros é um fenômeno masturbatório, solitário, e você raramente encontra pessoas com quem dividir sua paixão.” (UE: 261)

– Ah, eu conheço uma centena de pessoas que adoraria conhecer a biblioteca de Umberto Eco (sem duplos sentidos, please!).

 

Censura

“A censura total e definitiva é agora praticamente inconcebível. O único perigo é que a informação que circula torne-se inverificável e que sejamos todos, num dia próximo, informantes.” (p. 194)

– Eita discussãozinha que rende, essa! Mas acho que não vale a pena empreendê-la. Mesmo hoje, nesta confusão que é a internet, continuamos tendo quem filtre a informação. A filtragem apenas saiu das mãos de instituições (universidades, imprensa, por exemplo) e passou para a mão de pessoas (bloggers, em sua maior parte).

“(…) a escrita sempre foi, e permanece, um exercício perigoso.” (JCC: p. 189)

– Indeed!

 

Assuntos fora da matéria

“Sempre achei que o fundamentalismo, o radicalismo e o fanatismo religioso seriam graves, e até gravíssimos, se Deus existisse, se Deus, de uma hora para outra, tomasse o partido de seus devotos exaltados. Mas, até o presente, não se pode dizer que ele tenha se engajado nas fileiras de uns ou de outros.” (JCC: p. 153)

– Concordo com Jean-Claude e não pude deixar de rir. Mas ele sabe que a gravidade do radicalismo é quando acham que Deus, de fato, se engajou.

“A burrice é uma forma de administrar a estupidez com orgulho e assiduidade.” (UE: p. 174)

– Preciso dizer que, no livro, Eco faz uma distinção entre o imbecil, o cretino e o estúpido. Sua coleção de livros é toda ela sobre o tema da burrice humana.

“O sexo é um terremoto social.” (JCC: p. 257)

– Jean-Claude se refere ao fato de que, na literatura francesa, revolução política e sexo sempre foram parceiros.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro (C)2012

CARRIERE, Jean-Claude e ECO, Umberto. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010.

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