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Mais 30 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira – Luiz Ruffato (org.)

Postado às 14:30 do dia 02/07/12

O primeiro leitor do exemplar deste livro que tenho em mãos foi o professor e crítico Wilson Martins (1921-2010). (O exemplar faz parte do acervo dele que foi doado à Biblioteca Pública do Paraná.) Sendo assim, a coisa que me veio à mente quando o abri foi uma declaração sua em entrevista ao Jornal Rascunho (abril de 2006, ed. 72), falando sobre a necessidade de um crítico literário ter cultura geral, ter que ler de tudo:

”Então, essa coisa vaga que nós chamamos de ‘cultura geral’ talvez seja a ferramenta mais importante do crítico. Ele tem que ser um leitor onívoro. Incansável. Eu leio tudo, inclusive os livros ruins, ao contrário do que pensam os autores. Eu o leio do começo ao fim, morrendo de raiva, mas leio, porque é uma questão de honestidade intelectual. Os autores descontentes sempre me insultam dizendo que não li seus livros. Eu li. Infelizmente. Sou masoquista. Li aquele livro de cabo a rabo, por isso não gostei dele e digo por que não gostei.”

Minha opinião não é nada perto da de Wilson Martins e eu gostaria muito de saber o que ele pensou sobre esta segunda coletânea de contos organizada pelo escritor Luiz Ruffato (1961) com autoras contemporâneas. No meu caso, com a maioria dos contos, eu contava as páginas para saber quantas faltavam pra terminar, enquanto, com alguns poucos, me percebi realmente envolvida. E um conto entre todos, em particular, me levou às lágrimas a 01h30 da madrugada.

Por que estou lendo autoras brasileiras contemporâneas? Questão de gênero, resquícios da militância feminista na faculdade. Recentemente, participei de um concurso de contos das Livrarias Curitiba. Não ganhei; não ganhou nenhuma mulher. Depois participei do Prêmio Off-Flip. Novamente não ganhei, mas os três primeiros lugares são de mulheres e houve até uma menção honrosa ao conto de uma colegial curitibana. Elas – nós – estamos por aí. Mas gostar do que tem sido escrito – lá são outros quinhentos.

Também ao Jornal Rascunho (abril de 2010, ed. 120), Elvira Vigna (1947), que é uma das autoras da antologia de Ruffato, disse que “homens héteros brancos de classe média têm muito pouco a dizer”. A questão é se as mulheres têm, então, o que dizer. Para muito críticos – e eles são homens –, elas não têm; não têm porque escrevem “literatura de mulherzinha”. E o que seria exatamente mulherzinha no contexto de um cenário machão de críticos?

Quando pego antologias de autoras feitas por homens – e eles fazem questão de dizer que não escolheram literatura de mulherzinha –, fico pensando que em algum outro lugar devem estar autoras que contam histórias sensacionais. Em algum lugar, autoras que também são leitoras de Jo Rowling, Stephenie Meyer, Mag Cabot, devem estar escondidas. Ou será que tudo se resume a esta maneira desembestada de escrever recordando, intermináveis fluxos psicológicos, pontuação fuida, as não-narrativas, fragmentos e flashes?

Minha principal crítica ao Mais 30 Mulheres é a falta de histórias-estórias. Enquanto Elvira não é atraída por contos de enredo, eu vou na direção oposta. Esta antologia tem quase nada de enredo – para mim, tem um monte de escrita de diário. Não sei… Se escrita de diário é o que Ruffato define como não sendo escrita de mulherzinha, e como contos de homem tampouco são – estou numa sinuca de bico: meu gosto é de mulher macho ou de macho mulher?

Vamos ao livro. Ah, sim, talvez uma coisa se deduza deste comentário literário. Não pude retirar nenhuma citação dos contos do livro. Não as há. Aquela frase lapidar que funciona mesmo fora de contexto, não pude encontrar nenhuma nos 30 contos selecionados por Ruffato. A razão que me fez querer escrever este blog – compartilhar frases e sacadas incríveis e memoráveis –, não as achei em nenhum lugar na antologia. O que isso pode significar fica pra você pensar. Pense e me conte depois. Por isso, os comentários, apenas dos contos de que gostei, vêm sem citações.

 

do conto Helga, de Dóris Fleury

– O conto é narrado em primeira pessoa por um homem, Conrado, que vê seus relacionamentos amorosos se desfazerem por causa de sua paixão maníaca por colecionar as obras de uma artista chamada Helga Weiss. Helga é uma artista incorruptível que ninguém conhece pessoalmente. Em determinado momento, inconformada que suas obras estejam quase todas nas mãos de um único colecionador, propõe comprar toda a coleção de Conrado. Ele aceita, mas com uma única condição: conhecê-la pessoalmente. Para saber se ela aceita ou não esta condição é que você deve ler o conto, que possui um final ótimo.

 

do conto O canto do Mano, de Lilian Fontes

– O conto é narrado em primeira pessoa por um homem (ai, cacilda, é o segundo conto de que gosto narrado por homem…), o amigo de Cézar, que começa a frequentar uma roda de pagode no Rio e lá conhece o puxador de samba Mano. O narrador fica cada vez mais envolvido com as rodas de pagode e com a cumplicidade de Mano, que o incentiva tanto a acompanhar o samba numa caixinha de fósforos, quanto a tomar bebidas cada vez mais fortes. O narrador não entende que amizade é aquela com Mano e para saber como ela evolui é que você deve ler o conto, que tem um final bastante empático.

 

do conto Avon, de Andréa del Fuego

– O conto trata de uma reunião entre o presidente e as consultoras de vendas de uma empresa de cosméticos comercializados no sistema porta a porta. O presidente mostra às consultoras a ineficácia dos cosméticos diante de uma mulher feia e como os homens procuram apenas as mulheres bonitas. O interessante do conto não é o desfecho da reunião, mas o discurso do presidente: Andréa escreve sem temores o que as mulheres mais temem que seja verdade a respeito do que os homens pensam sobre feias e bonitas.

 

do conto Teoria freudiana do medo, de Angela Dutra de Menezes

– O conto traz uma mulher contando a sua médica as razões que a trouxeram até o consultório pra buscar tratamento pro medo que sente da vida. Não existe propriamente um enredo; o conto é o monólogo neurótico da paciente a uma médica que insiste em aplicar teorias pra explicar o medo. O monólogo da paciente é muito engraçado, porque todos seus medos são justificados; por outro lado, seria impossível que ela tivesse passado por tantas experiências traumáticas quanto as que conta – o que nos leva a supor que a doutora tenha razão. Leia, você irá se divertir.

 

do conto Dora, de Carmen  Moreno

– Trata-se de mais um conto sobre traição dentro da antologia. O conto caminha bem até seu desfecho, que é decepcionante. O que ele traz de interessante é sua estrutura em cenas e a reconstrução do bilhete que denunciou a traição do marido à esposa. Seria a oportunidade de refletir sobre como os textos linguísticos se prestam à verdade do leitor. Mas a autora preferiu um desfecho banal.

 

do conto A frente, de Regina Rheda

– Uma eleição para prefeitura nos cafundós do Brasil coloca a vitória de uma mulher no olho da mídia mundial. A cidade, na fronteira com países latino-americanos empobrecidos, recebe o afluxo de imigrantes que acabam trabalhando em regime análogo ao de escravidão em usinas locais. Uma destas usinas pertence ao candidato derrotado. Sua filha sofre um sequestro. A autoria é reivindicada por um grupo revolucionário. Como prefeita, pai, filha e sequestradores vão lidar com o conflito é o que interessa no conto. Em tempo, é um dos raros que não fala de traição nem de amores perdidos e nem é ambientado na cidade na antologia.

 

do conto Felizes poucos, de Maria José Silveira

– Este foi o conto que me levou às lágrimas. Até então, o meu preferido na antologia tinha sido o Helga, de Dóris Fleury. Mas Felizes poucos é arrebatador pela singeleza da narrativa, singeleza tão contraditória ao tema brutal da tortura durante o Ditadura Militar no Brasil. Pra piorar (ou antes, pra melhorar), o conto traz como epígrafe um trecho de Henri V, de Shakespeare. Sempre leio Shakespeare em voz alta. Li a epígrafe desta forma e já entrei de cara no clima do conto. Depois, Maria José usa de um recurso tipográfico para escrever o clímax da narrativa que é de uma sutileza assustadora. Até agora, quando recordo esta passagem, meu coração dói e as lágrimas querem vir aos meus olhos. É, disparado, o melhor conto do livro. Muito grata, Maria José, muito grata por ter escrito este conto.

 

do conto Olivia Palito, de Veronica Stigger

– Filhos altos começam a nascer de uma população de interioramos baixinhos com cabeças enormes. De ridicularizados, passam a subjugar os baixinhos sexualmente. A narrativa tem tons fantásticos, lugar e época imprecisos, toques de sarcasmo e humor negro. Vale a pena ler por ser o inusitado dentro da antologia.

 

do conto Xadrez, de Paula Taitelbaum

– É o conto mais certinho do livro. Certinho no sentindo de que não há experimentações estilísticas, há começo, meio, fim, local determinado, personagens determinados, com nomes, idade. Fala de como uma menina de doze anos ajuda sua empregada doméstica a protagonizar uma história de amor com que ela própria tanto sonha. O conto é bastante simpático. Seu interesse vem pelo personagem da menina que ora fala por si própria, ora fala pela narradora.

 

do conto I+zil+d=inha, de Elvira Vigna

– Eu não poderia deixar de comentar o conto de Elvira Vigna tendo mencionado seu nome na introdução desta postagem. O conto é a história de Izildinha, uma nordestina que se apaixona por um macho e se vê grávida. Só isso. Não tem mais nada, desfecho algum, já que Elvira diz que não se interessa por histórias do tipo “o que aconteceu”. O interessante do conto está nas quatro primerias páginas em que Elvira se vale de parênteses para chamar atenção para os pensamentos de Izildinha, enquanto seu macho não a ouve de modo algum.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

 

RUFFATO, Luiz. (org.) Mais 30 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2005.

 

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