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Karma Yoga – Swami Vivekananda

Postado às 01:31 do dia 29/06/12

Vivekananda é normalmente considerado o introdutor do yoga no Ocidente por ter participado como delegado da Índia no Congresso das Religiões que houve em Chicago, EUA, em 1893. Ele foi discípulo de Sri Ramakrishna e fundou, em 1898, a Ramakrishna Mission para difundir a obra de seu mestre. Em 2013, seguidores dos ensinamentos de Vivekananda no mundo todo irão comemorar os 150 anos de seu nascimento (ele faleceu em 1902).

Karma Yoga é um dos textos mais conhecidos dele. Foi publicado ainda em vida (1896) e consiste em anotações de palestras que ele deu durante os meses de dezembro de 1895 e janeiro de 1896 nos Estados Unidos. O conceito de karma é central no hinduísmo. Então, surpreende que seja tão mal interpretado pelo ocidente. A popularização do yoga no Brasil a partir do início deste século contribuiu para que parte dos mal entendidos fosse desfeita, porém, alguma coisa de fatalidade, má sorte, punição e justiça divina ainda subsiste na compreensão que as pessoas têm sobre o conceito. A leitura de Karma Yoga de Vivekananda é, por essas razões, imprescindível. Servirá tanto para a exata compreensão do karma, como para entender a sua aplicação – que é bastante prática e racional – na vida.

Das leituras que fiz quando me iniciei no yoga, em 2000, Karma Yoga foi a mais frequente, embora não tenha sido o pimeiro livro a cair em minhas mãos. Creio que já li umas três vezes todas as páginas e certamente numa vintena de vezes já consultei as anotações para ilustrar um ponto ou outro aos meus alunos. Por isso, será fácil resenhá-lo: as melhores partes são como mantras que venho repetindo quando a vida insiste em ser complicada. Espero sinceramente que goste da seleção de citações abaixo.

Muito namaste pra você.

 

Karma

“A palavra karma se deriva do sânscrito kri, fazer; toda ação é karma.” (p. 11)

– Vivekananda não deixa de lado a interpretação metafísica de karma como lei de causa e efeito. Entretanto o faz apenas no final do livro, para que o aprendiz entenda que ação não é boa ou má em si; é apenas ação.

“Tudo quanto fazemos física ou mentalmente e deixa marcas em cada um de nós, é karma.” (p. 13)

– Não é impossível compreender karma sem pensar em reencarnação, mas fica um bocado difícil. Apesar que hoje, com a ideia dos campos quânticos, a dependência que temos da ideia da reencarnação para entendermos determinados conceitos tenha diminuído bastante. Mas mesmo que sua racionalidade só aceite impressões até o período intrauterino – e nada mais aquém – a ideia de que tudo que vivemos deixa traços em nós e determina nosso futuro é bastante plausível. Mesmo que seja apenas depois da concepção, tudo é karma.

“Deveis recordar que a ação não é nada mais do que a exteriorização do poder da mente, que já existia nela.” (p. 16)

– É óbvio hoje: agir e pensar são a mesma coisa. Mas não era óbvio. Precisou O Segredo virar um best-seller para a gente se familiarizar com “os estranhos poderes da mente”.

“O homem se move por vários motivos; não pode haver ação sem um motivo que a determine.” (p. 16)

– Preste atenção nisso, porque aqui está o xis da questão. Todo o livro é para mostrar que karma yoga é conhecer o segredo de agir sem motivo algum, desapegadamente.

“Em cada ação tem que haver necessariamente partes de bem e de mal; no entanto nos aconselham que atuemos sem parar. Ambos, o bem e o mal, produzirão seus resultados, seu karma.” (p. 41)

– De maneira bem enviesada, Vivekananda aconselha não agir se não puder agir pelo bem. Mas ele não escanara isso, porque no karma yoga se age, independente da ação ser boa ou má.

“A boa ação nos trará bom efeito, e a má, a sua má consequência; porém, tanto uma como a outra estão ligadas à nossa alma. A solução obtida no Gita relativamente a esta propriedade da ação, é que, se deixarmos de nos ligar à ação que praticamos, ela não produzirá nenhum efeito sobre a nossa alma. Procuremos compreender o significado desta frase: ‘não ligar-se’ à ação.” (p. 41)

– Não existe um grande livro de filosofia hindu ou yogi que não mencione a Gita. Aconselho fortemente a leitura da Bhagavad Gita; nela está tudo que importa.

“(…) o segredo da ação: ‘Que o fim e os meios se associem.’” (p. 61)

– Apenas pra que você não deixe de perceber, o ditado que Vivekanda reescreve é que os fins justificam os meios.

“Creio que já vos disse que sem desapego não pode haver yoga.” (p. 96)

– Já disse, mas não custa dizer de novo.

“Cada ação boa que praticamos sem esperar recompensa, em vez de forjar novas cadeias, romperá uma das já existentes. Casa bom pensamento que enviemos ao mundo, sem desejar recompensa alguma, será computado pelo karma e romperá um novo elo de nossa cadeia, tornando-nos mais puros.” (p. 113)

– Eu tenho uma única crítica ao livro Karma Yoga. E talvez seja injusta, porque sabemos que não foi Vivekananda que escreveu de próprio punho o livro, mas um aluno que transcreveu as anotações do que ia escutando. Minha crítica é que não ficou claro por que não é uma opção, posto que karma yoga é agir sem se ligar à ação, agir mal. Em algum momento na leitura do livro nós temos que compreender que o bem é desapegado e o mau nunca o é. Mas é um raciocínio que Vivekananda não explora no livro.

 

Felicidade e conhecimento

“O propósito do homem não é gozar, e sim conhecer.” (p. 11)

– É incompreensível à nossa sensibilidade a proposição acima. Praticantes de yoga começam a compreendê-la aos poucos, à medida que os asanas vão empurrando seus corpos para o limite da dor suportável e você começa a perceber que o gozo não é o que satisfaz, mas o que ensina.

“Ninguém pode obter coisa alguma, a não ser merecendo-a.” (p. 15)

– Mais uma vez, fica um bocado difícil acreditar na justeza deste ensinamento olhando pra vida sem a perspectiva da reencarnação. A vida não parece justa de forma alguma; no entanto, Vivekananda afirma que é. Claro, ele pode estar errado. Para estar certo, temos que acreditar que mérito na vida é o que você obtém de conhecimento espiritual.

“Cada pessoa deve esforçar-se tanto quanto possível para realizar seu próprio ideal.” (p. 27)

– No parágrafo anterior a esta citação, Vivekananda diz que não devemos criticar nenhum ideal, pois todos são válidos. Aqui vem um dado biográfico interessante: Vivekananda estava com tudo pronto pra se tornar advogado (aliás, assim como Gandhi), mas seu mestre, Sri Ramakrishna, dissuadiu-o. Tivesse ele perseguido outro ideal, não teríamos conhecido nenhum de seus ensinamentos. Muitas vezes não temos a menor competência pra identificar um ideal.

“Nosso dever é ajudar para que cada um viva melhor o seu ideal, esforçando-se ao mesmo tempo para que este ideal se aproxime o mais possível da verdade.” (p. 27)

– Acho tão bacana isso. Se, de fato, fizéssemos isso em nossos relacionamentos próximos, filhos, pais, irmãos, colegas de trabalho, quanto já não mudaríamos no mundo, hein?

“O conhecimento espiritual é o único que pode destruir nossas misérias para sempre; os demais só satisfazem as necessidades por algum tempo.” (p. 39)

– Conhecimento espiritual é algo beeem diferente de ir à igreja, de frequentar culto, de rezar, de usar ervas ou fumar maconha. Não que nenhuma destas práticas não seja válida, mas a gente pode passar uma vida inteira achando que está obtendo respostas, enquanto está apenas se intoxicando com perguntas. Conhecimento espiritual é o quanto ir à igreja, frequentar culto, rezar, usar ervas e fumar maconha está fazendo com que você, no dia a dia, aja pelo bem sem visar a quem.

“O mundo não é bom nem mau; cada homem constrói um mundo para si mesmo.” (p. 66)

– Lembra? O inferno não é um lugar, mas um estado de espírito? É isso aí.

“A vida é boa ou é má, segundo as atitudes mentais com que a observemos; por si mesma, não é nada.” (p. 66-67)

– Por si mesma, não é nada.

“O mundo é perfeito. Por perfeição entendemos aquilo que está admiravelmente adaptado a seus fins.” (p. 67)

– Qual fim? O fim de conhecer.

 

Caráter

“Se desejais conhecer o caráter de um homem, não vos detenhais em seus grandes atos. Qualquer néscio pode se converter em herói em certas circunstâncias. Observai um homem quando executa suas ações comuns e insignificantes; essas são em verdade as que revelam o seu verdadeiro caráter, ou o caráter de um grande homem. As grandes ocasiões fazem grande o mais vulgar dos homens, porém só é grande aquele cujo caráter é sempre grande, sempre igual em todos os momentos.” (p. 14)

– Esta passagem é bem livrinho de auto-ajuda, mas é tão verdadeira que não pude deixar de mencioná-la. Quantas vezes nos decepcionamos ao conhecer de perto alguém que achávamos bacana? Sobretudo, a passagem ensina que temos que ficar vigilantes sobre nossas próprias ações, porque é no dia-a-dia que esculpimos nosso ser. Certa vez li o comentário de uma aluna postado no facebook: não adianta praticar yoga e não cumprimentar o porteiro. Acho que é por aí mesmo.

“Em seus efeitos sobre o caráter,o karma é o poder maior que o homem tem que enfrentar.” (p. 14)

– Claro, porque o karma moldou e molda o quinhão de experiências por que passaremos na vida.

“Nosso primeiro dever é não nos odiarmos, pois para progredir precisamos primeiro ter fér em nós e em seguida em Deus.” (p. 23)

– Ou seja: primeiro você, depois Deus. Afinal, Deus não precisa de você pra nada.

“Há, no entanto, um conceito do dever que foi universalmente aceito, em todas as idades, seitas e países, e que está sintetizado neste aforismo sânscrito: ‘Não façais mal a nenhum ser. Não fazer mal a ninguém é virtude; fazer mal a alguém é pecado.’” (p. 53)

– Quando li a palavra pecado, fui consultar a edição em inglês pra ver se a palavra era pecado mesmo. E é: “sin”. Particularmente, acho muito estranho que Vivekananda tenha escolhido a palavra pecado (ou supostamente escolheu, porque a palavra também pode ter sido escolhida pelo aluno que fez as anotações), porque não há nada mais distante à sensibilidade hindu que cometer um pecado. Deus, para um hindu, está em toda parte e se manifesta em toda a ação. Uma ação não pode ser pecadora, dado que ela vem de Deus.

“Existe, no entanto, um mal considerável na natureza humana. É que ninguém se observa a si mesmo.” (p. 55)

– Fui só eu que lembrei de Sócrates ou você também?

“Ninguém deve ser julgado pela natureza de seus deveres, e sim pela maneira e espírito com que os executa.” (p. 56)

– Vamos lá: a natureza do dever de um político não é ser pilantra, é velar pelos cidadãos que representa. Se a gente acha que um político pilantra age apenas de acordo com o seu dever, precisamos rever profundamente nossos valores.

“O dever raras vezes é agradável; só quando o amor o impulsiona consegue evitar os atritos.” (p. 56)

– Vivekananda não é nem pessimista, nem otimista; ele é realista. Temos certas coisas pra fazer? Façamos. Devemos fazer o bem? Esforcemo-nos. Agir é nosso dever.

“Para agir com retidão, temos que abandonar primeiramente a ideia de apego.” (p. 82)

– A coisa mais difícil do mundo é o desapego.

“Só o egoísmo produz a diferença entre o bem e o mal. É coisa difícil, porém, com o tempo chegareis a compreender que nada no universo tem poder sobre vós, a menos que o permitais.” (p. 83-84)

– É muito fácil descambar deste ensinamento pra irresponsabilidade e cinismo. Claro que nada tem poder sobre nós, exceto a ilusão de que nada tem.

“A opressão que as nações poderosas exercem sobre as mais débeis, é causada por este princípio: falta de fraternidade.” (p. 54)

– Este pensamento é uma pérola. Num contexto em que não há mais nação toda-poderosa, vamos aplicar a lição a nós mesmos, a quem, via de regra, as lições devem ser aplicadas: a opressão que a raça humana exerce sobre as raças não-humanas e ao próprio planeta Terra é causada por este princípio: falta de fraternidade.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2012

(Se compartilhar ou citar, mencione a fonte. É simpático e eu agradeço.)

VIVEKANANDA, Swami. Karma Yoga, a educação da vontade. São Paulo: Editora Pensamento, 2001.

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