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Estive em Lisboa e lembrei de você – Luiz Ruffato

Postado às 10:00 do dia 21/01/13

Em junho de 2007, Luiz Ruffato, mineiro nascido em 1961 em Cataguazes, Minas Gerais, chegava em Lisboa, Portugal, a fim de cumprir temporada de pesquisa para um livro da coleção Amores Expressos, da Companhia das Letras. A ideia da coleção foi levar 17 escritores brasileiros para vários lugares do mundo, São Paulo inclusive, de modo que voltassem contando uma história ambientada na cidade que cada um visitou. Além dos livros, o projeto ainda rendeu blogs e vídeos. A Ruffato coube conhecer a Torre de Belém.

Estive em Lisboa e lembrei de você é a história do mineiro Serginho que, decidido a parar de fumar, percebe que sua vida degringola assim que consegue: o casamento se desfaz, é mandado embora da fábrica e perde a mãe. Então, como solução mágica, cogita emigrar para Lisboa, trabalhar, juntar dinheiro, voltar ao Brasil, comprar imóveis e viver de renda. A primeira parte do livro, Como parei de fumar, mostra os fatos que desencadearam a viagem e seus preparativos; a segunda, Como voltei a fumar, narra o desembarque de Sérgio e sua adaptação a Lisboa.

O livro é pra ter dicção mineira. De fato, você abre a primeira página e já aparecem lá alguns traços do sotaque, os achismos linguísticos surpreendentes que só o Ruffato consegue obter. (Se não leu, leia Eles Eram Muitos Cavalos , ambientado em São Paulo; impossível, pela leitura, não ouvir o paulistanês das ruas e favelas saindo das páginas.) Mas o mineirês, apesar dos achados, não é tão evidente, porque não é caricato. Apenas quando assisti a entrevista do Luiz lendo um trecho do livro em mineirês é que percebi como a cadência estava lá, colada nas linhas, podendo render muito mais que apenas as expressões típicas escritas em itálico. Expressões típicas que ele também colecionou da lusofonia lisboeta, trazendo-as em negrito na segunda parte do romance, mostrando a apropriação que Serginho faz de sua nova realidade como imigrante. Sotaque, no livro, percebe-se, é assunto importante, é a metáfora escolhida para a condição de exilado que, de uma forma ou de outra, caracteriza todos os personagens com os quais Ruffato gosta de trabalhar: os excluídos do sistema, os sem-voz, os da base da pirâmide sócio-econômica.

Uma passagem no livro particularmente interessante é quando Sérgio, trabalhando como garçom, começa aprender expressões em inglês para dar conta de atender turistas. Elas são transcritas foneticamente, causando aquele espanto em nós, ex-estudantes privilegiados dos Yázigi da vida, que sabemos que o “i” tem som de “ai” e o “u” de “iu”. Quando você lê uma história do Ruffato, conforto não é algo que vem servido junto. Não importa que causo ele conte, o lembrete de quem somos será transmitido.

Abaixo colecionei alguns dos achados linguísticos mais interessantes do livro. Uai, pá!

 

 

Mineirês de escrever

“não suportando meu estado-de-nervo” (p. 15)

“logo-logo” (p. 15)

“eu, uma pessoa de-natural calmo” (p. 15)

“sempre havia tentado parar na-raça” (p. 16)

“O rapaz, bem-falante, óculos escuros” (p. 17)

“ ‘Conhece?’, respondi que de-vista” (p. 17)

“uma falação sem-fim” (p. 23)

“era doutora-advogada” (p. 24)

“entretido em jogar buraco e cacheta a-valer” (p. 28)

“tristeza danada largar amizades de-raiz” (p. 33)

“de-favor” (p. 35)

“correm à rédea-solta” (p. 72)

“a caminho da casa dos sogros pro almoço-em-família” (p. 74)

“este morre à-míngua” (p. 78)

 

 

Mineirês de falar

“Quando dei conta, rodava pelo Paraíso, bairro que não punha os pés de há muito” (p. 17)

“dizem, é o melhor uísque que existe, não sei, não estimo o paladar, comprei mais pra não desfeitar o coitado” (p. 17)

“gabava de possuir um estabelecimento por aquelas bandas” (p. 18)

“ ‘Não tem remédio melhor pra curar pifão’.” (p. 21)

“Noemi teve um troço” (p. 23)

“ ‘Ô porqueira de gente você se meteu!’” (p. 25)

“Essa palestra me poliu tanto os brios” (p. 29)

“ ‘Ó, pode ver, a laje descai pro canto direito ali, ó’” (p. 29)

“ ‘Por mim não, que depois daquela palhaçada enfiei a viola no saco.’” (p. 32)

“Neste entretanto, a tratativa da minha metade da herança” (p. 33)

“nem deu azo pra perguntar o que tinha havido” (p. 74)

 

 

Mineirês de escrever e de falar

“e serviu, preliminarmente, uma dose de cachaça,  da-roça, que engoli sem detença” (p. 19)

“ ‘Vendo minha metade procê’, e expus minha tenção de, com a quantia arrecadada, mais uma raspa-de-tacho do Fundo de Garantia” (p. 26)

 

 

Inglês do tipo “Imagine na Copa”

“e desatava o meu inglês, Rei ser, Rei mádam, Ria chípe fude, gude fude, uaine, fiche, mite, têm-quíu” (p. 58)

 

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2013

 

RUFFATO, Luiz. Estive em Lisboa e lembrei de você. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 1ª reimpressão.

 

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