Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > autoconhecimento > Anti-frágil – Nassim Nicholas Taleb
Quando um autor diz pra que você pule partes do livro, normalmente se trata de falsa modéstia. Ele quer muito que você leia e, por isto, atiça sua curiosidade pelas avessas. Mas no caso de Taleb, as partes que ele sugere pularmos neste livro são realmente muito nada a ver pra quem, como eu, não entende patavina de matemática. Penso que seja esta mescla entre tecniquês, eruditês e toca-o-fodês que torna Anti-frágil um livro hypado, rebelde.
O conceito que dá nome ao livro se refere à capacidade que certas coisas têm de melhorar diante das adversidades. O exemplo exato é uma caixa contendo um objeto que quebra no seu trajeto pelo correio – algo frágil – contrapondo-se a outro que acaba ficando até mais forte – algo antifrágil. A antifragilidade seria, por extensão, a qualidade das coisas que duram, pois elas sobreviveram aos estressores.
Bom, esta obra é imeeensa: são mais de 600 páginas. A leitura é meio penosa em algumas partes, embora o esforço compense. Taleb deve ter intuído esta dificuldade, ainda mais pra um leitor que chega a ele pela primeira vez, tanto que colocou um glossário pra sumarizar as principais ideias nos apêndices.
E eu aqui tentei sumarizar algumas melhores partes através de citações selecionadas. Leia sem pressa; há um monte delas.
Superproteção é superfragilização
“Por certo, se a antifragilidade é o atributo de todos os sistemas naturais (e complexos) que sobreviveram, privar esses sistemas de volatilidade, aleatoriedade e estressores os danificará. Eles enfraquecerão, morrerão ou implodirão. Estamos fragilizando a economia, nossa saúde, a vida política, a educação, quase tudo… ao eliminar a aleatoriedade e a volatilidade. Assim como passar um mês na cama (de preferência, com uma edição integral de Guerra e Paz e acesso a todos os 86 episódios da série Família Soprano) resulta em atrofia muscular, sistemas complexos enfraquecem e até mesmo morrem quando são privados de estressores.” (p. 11)
> Na minha opinião, a ideia mais forte do livro é a de que um pouco de veneno faz bem. Quando terminei a leitura há um ano, eu ainda não tinha reparado que esta ideia é a mesma que explica o benefício das substâncias adaptogênicas (Taleb fala algo a respeito quando discorre sobre o conceito grego de hormese na página 46). Os adaptógenos são estressores que fazem apenas o necessário pra deixar o organismo esperto. O exemplo perfeito de adaptógeno são as vacinas. Mas atividades também podem ser suaves estressores, como o exercício físico e a restrição calórica, que machucam e forçam o corpo o suficiente pra que ele reaja e, assim, esteja mais bem preparado (adaptado) pra um estresse maior. Meu marido usa muito uma expressão pra demonstrar este conhecimento intuitivamente: poodle de apartamento. Ele diz que não devemos nos tornar poodle de apartamento, do contrário tudo que a gente faz de diferente – de comer fora a se molhar na chuva – nos deixa doentes. A extensão deste conceito pode facilmente ultrapassar a esfera física e ir pra mental e afetiva. Proteger demais de qualquer desconforto emocional pode criar pessoas que, hoje, são chamadas de “cristal”, pois tudo as quebra, ou seja, são o ápice da fragilidade emocional. Obviamente, o limite do veneno é sempre a parte mais difícil de manipular. Qualquer excesso mata em vez de fortalecer.
“Em suma, o fragilista (planejamento médico, econômico, social é aquele que faz você se envolver em políticas e ações, todas artificiais, nas quais os benefícios são pequenos e visíveis, e os efeitos colaterais, potencialmente graves e invisíveis.
“Há o fragilista médico, que intervém com veemência para negar a capacidade natural do corpo de se curar, e receita medicamentos com efeitos colaterais potencialmente muito graves; o fragilista político (o planejdor social intervencionista), que confunde a economia com uma máquina de lavar roupa que precisa de consertos constantes (feitos por ele mesmo) e a explode de vez; o fragilista psiquiátrico, que medica crianças para ‘melhorar’ a vida intelectual e emocional delas; a fragilista mãe-helicóptero; o fragilista financeiro, que faz as pessoas usarem modelos ‘de risco’ que destroem o sistema bancário (e depois os usa de novo); o fragilista militar, que desarranja sistemas complexos; o fragilista previsor, que encoraja você a correr mais riscos; e muitos outros.” (p. 17)
> Em outro momento no livro, Taleb comenta sobre como os acréscimos a sistemas complexos, em vez de retiradas, costumam fragilizá-los e propiciar o surgimento de eventos do tipo “cisne negro”, ou seja, aqueles imprevisíveis e grandes, que ferram com tudo. Acho bastante didático você entender que o acréscimo é um fator a mais que gera o caos, seja um medicamento pra colesterol – em vez de retirar o excesso de gordura e carboidratos da dieta -, seja uma isenção fiscal – em vez de deixar aquele setor da economia se provar de fato forte e gerador de riqueza de fato. Como ele diz:
“Se as grandes empresas farmacêuticas tivessem a capacidade de eliminar as estações do ano, provavelmente fariam isso – tudo em nome do lucro, é claro.” (p. 73)
> Não duvido.
“Grande parte da vida moderna é uma série de lesões por estresse crônico evitáveis.” (p. 77)
> Quando se é esportista, ainda que você não tropece, caia e quebre o fêmur, você pode ganhar microlesões ósseas (são chamadas de fraturas por estresse) apenas por repetir muito o mesmo movimento. Esta é a metáfora da citação.
“(…) evitar os pequenos erros torna mais graves os grandes erros.” (p. 101)
> De uma forma estranhamente paralela, punir grandemente pequenos erros torna os grandes inimputáveis. Deve ser um efeito da janela de Overton.
“Minha definição de modernidade é a dominação em larga escala do ambiente por parte dos seres humanos, a suavização das irregularidades do mundo e o sufocamento da volatilidade e dos estressores.
“A modernidade corresponde à sistemática extração dos seres humanos de sua ecologia carregada de aleatoriedade – física e social, até mesmo epistemológica.” (p. 127)
> “Ecologia carregada de aleatoriedade” é uma expressão muito eloquente.
“Certa vez, perguntaram ao biólogo e intelectual E. O. Wilson o que representava o maior entrave para o desenvolvimento das crianças; sua resposta foi: a mãe-helicóptero. (…) Seu argumento é que essas mães costumam reprimir a biofilia natural das crianças, seu amor pelos seres vivos. Mas o problema é mais generalizado; as mães-helicóptero tentam eliminar da vida dos filhos pequenos a tentativa e o erro, a antifragilidade, afastar as crianças do ecológico e transformá-las em nerds que funcionam sob os ditamos de mapas preexistentes da realidade (e compatíveis-com-a-mãe-helicóptero). Bons alunos, mas nerds – ou seja, essas crianças são como computadores, só que mais lentas. Além disso, elas agora estão totalmente despreparadas para lidar com a ambiguidade.” (p. 280)
> Uma das últimas vezes que briguei na escola de meus filhos foi quando uma apresentação musical com músicas de Vinícius de Moraes trouxe em um cartaz aquela famosa imagem de perfil do poeta fumando um cigarro, mas com o cigarro excluído de sua mão por photoshop. Fiquei possessa com a diretoria. Escrevi um email espumando de raiva, porque a escola, querendo ensinar valores como verdade, autenticidade, senso crítico e tolerância às crianças roubava-lhes a oportunidade de refletir sobre hábitos que hoje não são mais considerados aceitos, como fumar e, pra piorar, apagava a complexidade da vida de Vinícius. Acho muito triste que estejamos privando as crianças do contraditório quando livros são submetidos a leitores sensíveis antes de serem publicados. Nesta semana, soube que um estado nos Estados Unidos proibiu a apresentação de drag queens em eventos públicos onde possa haver crianças. É um absurdo tão sem tamanho que não tive nem palavras pra me expressar na hora. Além da transfobia óbvia, revela também uma miopia extremamente burra: será que estes legisladores não percebem quanto as crianças podem aprender vendo pessoas que superaram tantos tabus sociais pra hoje expressarem de forma livre a verdade de suas almas? E será que uma criança não se tornaria mais tolerante ao perceber que pessoas geniais fazem escolhas idiotas, como fumar? Sinceramente, não me conformo com este policiamento que, aliás, ocorre nos dois lados, na direita e na esquerda idiotizadas. Não eliminem a ambiguidade da vida, pois a ambiguidade é o que nos torna tolerantes.
Gente que não põe o seu na reta
“Estamos testemunhando a ascensão de uma nova classe de heróis às avessas, ou seja, burocratas, banqueiros, frequentadores de fóruns econômicos em Davos que são membros da AICPI (Associação Internacional de Citadores de Pessoas Importantes) e acadêmicos com poder em demasia e nenhuma desvantagem e/ou responsabilidade concreta. Eles manipulam o sistema, enquanto os cidadãos pagam o preço.
“Em nenhum outro momento da história tantas pessoas que não assumem riscos, ou seja, que não se expõem, exerceram tanto controle.” (p. 12)
> Com a prática do cancelamento, hoje temos uma certa ilusão de que as pessoas podem ser responsabilizadas pelo que fazem. Mas é uma ilusão. Cancelar patrocínios é ridículo diante do que a elite burocrática, acadêmica e política faz sem nunca sofrer as consequências de suas escolhas. Taleb tem outro livro em que explora melhor o conceito de que “arriscar a própria pele” é o antifragilizador por excelência de sistemas complexos. Eu já o resenhei por aqui e talvez você queira ir lá dar uma espiada também.
“Sem mencionar uma dose de inveja [no mundo acadêmico] que eu quase nunca encontrei no mundo dos negócios… minha experiência é que o dinheiro e as transações purificam as relações; ideias e questões abstratas como ‘reconhecimento’ e ‘crédito’ as deforma, criando uma atmosfera de rivalidade perpétua. Passei a considerar repugnantes, repulsivas e indignas de confiança as pessoas ávidas por qualificações.” (p. 25)
> Eis uma das opiniões fortes de Taleb que o tornam execrado em certos meios.
“Para progredir, a sociedade moderna deveria tratar os empreendedores falidos do mesmo modo que honramos os soldados mortos, talvez não com tanta honraria, mas usando exatamente a mesma lógica (o empreendedor ainda está vivo, embora talvez moralmente debilitado e socialmente estigmatizado, em especial se morar no Japão). Pois não existe soldado fracassado, nem vivo nem morto (a menos que tenha agido de forma covarde) – da mesma forma, não existe empresário fracassado (…)” (p. 95)
> É preciso salientar que há empresários fracassados que agiram de forma covarde, como quando surripiam o Estado e crescem graças a benesses, que mascaram a má competência da empresa em sobreviver em um mercado real.
“A história do Estado-nação é a da concentração e da ampliação de erros humanos. A modernidade começa com o monopólio estatal sobre a violência e termina com a monopólio estatal sobre a irresponsabilidade fiscal.” (p. 129)
> Curiosamente, Taleb é um severo crítico das criptomoedas.
“Ora, em vez de analisar os textos de um acadêmico para saber se ele é digno de confiança ou não, é sempre melhor levar em conta o que dizem os detratores desse acadêmico – os críticos revelarão o que há de pior nos argumentos dele.” (p. 264)
> Taleb foi otimista demais. É preciso crer que as críticas são feitas de forma intelectualmente honestas.
“A regulamentação do establishment médico oficial corresponde a preocupações de ordem econômica com relação aos [terapeutas] empíricos (…).” (p. 277)
> Ninguém nunca duvidou disso, exceto os próprios médicos, que se autoconvenceram de que a regulamentação protege seus pacientes.
“Os governos simplesmente acabam gastando mais do que nos dizem. Isso me levou a instituir uma regra de ouro para os governos: proibição total de empréstimos, equilíbrio fiscal forçado.” (p. 331)
> Se o Taleb fosse brasileiro, saberia que não regras de ouro não existem.
Complexidades
“A modernidade substituiu a ética pelo juridiquês, e, com um bom advogado, a lei pode ser fraudulentamente manipulada.” (p. 23)
> A militância está substituindo o juridiquês também. Tanto faz que a lei diga que não se trata de ato de terrorismo se o ministro do supremo vier em seu Twitter e promoter punir os terroristas.
“De alguma forma, os seres humanos não são capazes de reconhecer as situações fora dos contextos em que geralmente aprendem sobre elas.” (p. 47)
> Não é óbvio isto. Você reconhece um abuso quando o vê, mas não quando ele é direcionado contra você, por exemplo.
“No mundo complexo, a noção de ‘causa’ em si é suspeita; é quase impossível detectar ou não se é de fato definida – outra razão para deixar de lado os jornais, com seu constante fornecimento de causas para as coisas.” (p. 68)
> Considero um ponto difícil, realmente, de abandonarmos, a determinação de uma causa principal e mesmo de causas múltiplas. Enxergar aleatório implica numa boa dose de desapego.
“Complicações levam a cadeias multiplicativas de efeitos inesperados.” (p. 18)
> Achei muito simples entender esta lição: não acrescente coisas, pois complica. Tire-as, ao invés.
“Uma propriedade muito raramente discutida dos dados: eles são tóxicos quando aparecem em grande quantidade – e até mesmo em quantidades moderadas.” (p. 149)
> Pode ser raramente discutida, mas é amplamente intuída: quando tínhamos que ir ao cinema ver um filme, quase todos eram ótimos; agora de que dispomos de serviços de streaming, com dezenas de milhares de títulos, custamos a achar algo bom. Ou, por exemplo, na minha área, quando havia pouca gente falando de aromaterapia, as informações muitas vezes eram fidedignas e boas; hoje, que há uma multidão lá fora falando de óleos essenciais, é só porcaria.
“Disciplinas convincentes – e confiantes -, a exemplo da física, tendem a usar poucos dados estatísticos como respaldo, ao passo que a ciência política e a economia, que nunca produziram nada que seja digno de mota, estão atulhadas de estatísticas detalhadas e de ‘evidências’ estatísticas (e você sabe que, tão logo se remove a cortina de fumaça, as evidências não são evidências). A situação nas ciências é semelhante à dos romances policiais, em que no fim se revela que a pessoa com maior número de álibis é a culpada.” (p. 355)
> Ai, senhor, hahaha!
“Não quer dizer que uma razão seja melhor do que duas, mas que, ao invocar mais de uma razão, você está tentando convencer a si mesmo a fazer alguma coisa. Decisões óbvias (robustas a erros) exigem apenas uma única razão, não mais do que isso.” (p. 355)
> O Taleb é fogo! Só rindo.
“Um escritor com argumentos pode prejudicar mais pessoas do que qualquer criminoso em série.” (p. 443)
> Cheque a resenha de O mundo da escrita pra conhecer uma seleção de livros que impactaram civilizações.
Ajoelhou tem que rezar
“Sou obrigado a me submeter ao processo científico, simplesmente porque exijo isso dos outros, mas não mais do que isso.” (p. 24)
> Já fui muito criticada por dizer que ou a aromaterapia reza o credo da ciência ou então não se pretenda científica.
“Pois conseguimos converter a crença religiosa em credulidade por qualquer coisa capaz de se mascarar de ciência.” (p. 129)
> Acho muito melancólico quando pedimos que a ciência explique até mesmo nossa loucura.
“Assim como há uma dicotomia na lei: inocente até que se prove que é culpado, em vez de culpado até que se prove inocente, permita-me expressar minha regra da seguinte maneira: o que a Mãe Natureza faz é rigoroso até que se prove o contrário; o que os seres humanos e a ciência fazem é imperfeito até que se prove o contrário; o que os seres humanos e a ciência fazem é imperfeito até que se prove o contrário.
“Vamos acabar com esse negócio de ‘evidências’ de m**. Se você quiser falar sobre o ‘estatisticamente significativo’, nada neste planeta pode ser tão próximo do ‘estatisticamente significativo’ quanto a natureza. Isso é em deferência ao histórico de desempenho da natureza e à sua pura significância estatística, fruto de sua monumental experiência (…). Portanto, sobrepujar a natureza exige uma justificativa muitíssimo convincente de nossa parte, em vez do contrário, como se faz normalmente, e é muito difícil suplantá-la com argumentos estatísticos.” (p. 404)
> Adoro como Taleb despe a ecologia de qualquer romantismo, tornando-a uma coisa desprovida de paixões por simplesmente ser a coisa menos burra a se fazer.
“Agora, um pouco de história da medicina antiga e medieval. Tradicionalmente, a medicina costumava ser dividida em três vertentes: os racionalistas (baseados em teorias preestabelecidas, na necessidade de entendimento global de para que as coisas eram feitas), os empiristas céticos (que recusavam teorias e eram céticos com relação a alegações sobre o não observado) e os metódicos (que ensinavam uns aos outros algumas heurísticas médicas simples, desprovidas de teorias, e encontravam uma maneira ainda mais prática de ser empiristas). Embora as diferenças possam ser enfatizadas pela categorização, podemos entender essas três vertentes tradicionais não como enfoques inteiramente dogmáticos, mas sim como variáveis em seu ponto de partida, o peso das crenças anteriores: algumas começam com teorias, outras, com evidências.” (p. 407)
> Lendo este parágrafo, tive a impressão de qualquer vertente “experimental” ou “alternativa” de medicina vivencia esta categorização, até que se torne mainstream. Agora, uma observação: os empiristas céticos estariam mais propensos a identificar relações de não causalidade entre eventos que os metódicos, embora o sucesso de um método dependa de seu sucesso, o que revela uma relação de causalidade intrínseca. (Tá, eu sei que idealmente revela uma relação de causalidade; estou ciente de que métodos são transmitidos pela força política de uma corporação de especialistas, mesmo que falhos.)
Tolerância é prática
“Como membro da minoria cristão do Oriente Médio, posso atestar que o comércio, principalmente o pequeno comércio, é a porta para a tolerância – a única porta, em minha opinião, para qualquer forma de tolerância. Ganha de lavada das racionalizações e das palestras.” (p. 25)
> Todos ficamos sabendo pela mídia de pequenos comerciantes que se recusaram a atender eleitor de tal ou tal partido. Creio que sejam exceções, tanto que chegaram à mídia, que quase nunca noticia o que é ordinário.
“Há outra dimensão para a necessidade de pôr em foco as ações e evitar as palavras: a dependência do reconhecimento externo, que corrói a saúde. As pessoas são cruéis e injustas na forma como concedem reconhecimento, então é melhor ficar de fora desse jogo. Permaneça robusto ao modo como os outros tratam você.” (p. 173)
> Ah, mas que lição difícil de ser posta em prática, Taleb!
“A minha ideia do sábio estoico moderno é alguém que transforma medo em prudência, dor em informação, erros em iniciação e desejo em realização.” (p.183)
> E assim se explica porque há tão poucos deles na modernidade.
Seleção antifragilidade
“Observando o mundo de certa distância, vejo uma completa tensão entre homem e natureza – a tensão na troca compensatória de fragilidades. Vimos como a natureza deseja que ela própria, o coletivo, sobreviva – não todas as espécies -, assim como, por sua vez, cada espécie quer que seus indivíduos sejam frágeis (em especial após a reprodução), de modo que a seleção evolutiva ocorra. Vimos como essas transferência de fragilidade dos indivíduos para as espécies é necessária para a sobrevivência geral dela: as espécies são potencialmente antifrágeis, dado que o DNA é informação, mas os membros da espécie são perecíveis, portanto prontos para se sacrificar e, na realidade, projetados para fazer isso em benefício do coletivo.” (p. 92)
> Eu também acho difícil enxergar a dose do autossacrifício de que fala o Taleb nos dias atuais. Não se sinta sozinho.
“E claro que é possível fazer ciência rigorosa sem teoria. O que os cientistas chamam de fenomenologia é a observação de uma regularidade empírica, sem nenhuma teoria visível para ela. (…) Teorias são superfrágeis; elas vêm e vão, depois vêm e vão, e, em seguida, vêm e vão de novo; fenomenologias permanecem, e não posso acreditar que as pessoas não percebam que a fenomenologia é ‘robusta’ e utilizável, e as teorias, embora badaladas com o maior espalhafato, não são confiáveis para a tomada de decisões – a não ser na física.” (p. 138)
> Gostaria muito de ouvir o Taleb opinar sobre a teoria do Ammit Goswami, derivada da física quântica, de que a consciência vem antes da matéria.
“Não perceber a ocorrência de um tsunami ou não antever um evento econômico é desculpável: construir algo frágil diante deles não é.” (p. 161)
> Me parece um pouco paradoxal que o frágil seja aquilo que não contempla o aleatório e incluir o aleatório na construção de algo para que lhe sobreviva.
“Assim, exatamente da mesma forma que para um avião com alto risco de sofrer uma queda a noção de ‘velocidade’ é irrelevante, uma vez que sabemos que ele talvez não chegue a seu destino, o crescimento econômico que possui fragilidades não seve ser chamado de crescimento (algo que ainda não foi compreendido pelos governos). Com efeito, o crescimento foi bastante modesto, menos de 1% per capita, ao longo dos anos dourados da Revolução Industrial, o período que impulsionou a Europa à dominação mundial. Entretanto, por mais baixo que tenha sido, foi um crescimento robusto – ao contrário da atual e tola corrida dos Estados, que se empenham com afinco na meta de alcançar o crescimento feito motoristas jovens que gostam de correr.” (p. 188)
> Tá liberado então termos esperança com o nosso pibinho cá no Brasil? Hahaha.
“Tales, ao financiar sua própria filosofia, tornou-se o mecenas de si mesmo, talvez a posição social mais alta que alguém pode alcançar: ser ao mesmo tempo independente e intelectualmente produtivo.” (p. 205)
> Estou aqui pensando em Tales brasileiros… me vem à mente um nome. E você, consegue pensar em alguém?
“Uma ideia não sobrevive por ser melhor do que a concorrente, mas, sim, porque a pessoa que a defende sobreviveu!” (p. 249)
> Isto é tão, mas tão, mas tão verdade! O falecimento das pessoas é que oxigena as ideias.
“Somente os autodidatas são livres.” (p. 281)
> A coisa mais estúpida que existe quando se cursa uma graduação de alguma profissão regulamentada é que você não pode dizer ter se formado naquele curso a menos que pague a taxa ao respectivo conselho profissional. Assim, você pode ter cursado farmácia, graduado-se e tal; mas não poderá dizer que é farmacêutico a menos que tenha um CRF. Perder a liberdade é algo inerente assim que se pisa os pés em uma faculdade.
“Até hoje, ainda tenho o instinto de que o tesouro, o que o indivíduo precisa saber para exercer uma profissão, é, necessariamente, o que está fora do repertório comum, o mais longe possível do centro.” (p. 287)
> Eu não tenho dúvida. Estando no 2º ano de farmácia, com 49 anos de idade, me deparo com matérias que são absolutamente inúteis – fato confirmado pelas dezenas de colegas meus que, sem um diploma de farmacêutico, atendem diariamente no balcão de uma drogaria e sabem mais que o profissional registrado em conselho ao lado.
“E o passado – devidamente trabalhado, como veremos na próxima seção – é um professor muito melhor do que o presente para ensinar as propriedades do futuro.” (p. 363)
> Esta ideia se baseia na premissa do livro: é anti-frágil aquilo que sobreviveu e, se sobreviveu, tem mais chances de continuar em uso.
“E a melhor ferramenta do tablet (em especial o iPad) é que ele nos permite voltar à Babilônia e às raízes fenícias de escrever e fazer anotações em tabuletas (foi assim que a coisa toda começou).” (p. 365)
> Vou resenhar O Infinito em um Junco, da espanhola Irene Vallejo e você lerá a passagem em que ela mostra como as tabuletas estão mais vivas do nunca.
“Ora, o que é frágil? A ampla e excessiva dependência da tecnologia, a excessiva dependência do chamado método científico, em vez de heurísticas testadas e comprovadas pelo tempo.” (p. 384)
> Há um adjetivo na frase, não o ignore: excessiva.
“Qualquer coisa que exija pesados investimentos em marketing tem que ser necessariamente um produto inferior ou um produto nocivo.” (p. 466)
“E o marketing que vai além de transmitir informações é insegurança.” (p. 467)
> Verdade cristalina. Aplicável a 100% dos cursos que usam a famigerada Fórmula do Lançamento. Martin Lindstrom concordaria?
Serendipidade
“Quando alguns sistemas ficam emperrados por causa de um grande impasse, a aleatoriedade, e somente a aleatoriedade, é capaz de desbloqueá-los e libertá-los da enrascada. Aqui você pode ver que a ausência de aleatoriedade equivale à morte certa.” (p. 121)
> De onde se depreende que o excesso de controle, por estrangular o aleatório, também leva à morte.
” ‘Ao longo de um período de vinte anos examinando minuciosamente mais de 144 mil extratos de plantas, o que representa cerca de 15 mil espécies, nem um único medicamento anticancerígeno fitoterápico alcançou o status de aprovado. Esse fracasso está em um nítido contraste com a descoberta, no final da década de 1950, de um expressivo grupo de medicamentos anticancerígenos derivados de plantas, os alcaloides da vinca – uma descoberta que aconteceu por acaso, e não por meio de uma pesquisa dirigida.’ “ (p. 267)
> Taleb cita diretamente do livro Happy accidents: serendipity in modern medical breakthrough, de Morton Meyers. Talvez estejamos eliminando as chances de descobertas ao obrigar, nos programas de pesquisa, que pós-graduandos sejam obrigados a seguir ideias já testadas em vez daquelas próprias que eles trazem ainda cheios de entusiasmo da graduação.
“Com um pouco de sorte, um vírus de computador apagará todos os registros e libertará as pessoas de seus erros pregressos.” (p. 364)
> Empresas que cobram pra apagar nossos rastros na internet são a prova de que a capacidade ilimitada de armazenamento é uma prisão.
Via negativa (epistemologia subtrativa)
“Assim, o dogma central da epistemologia que defendo é o seguinte: temos muito mais consciência sobre o que está errado do que sabemos sobre o que está certo, ou, para formular de acordo com a classificação frágil/robusto, o conhecimento negativo (o que é errado, o que não funciona) é mais robusto ao erro do que o conhecimento positivo (o que é certo, o que funciona). Ou seja, o conhecimento cresce muito mais por subtração do que pelo acréscimo – dado que o que sabemos hoje pode vir a mostrar-se errado, mas o que sabemos ser errado não pode, ao fim e ao cabo, revelar-se certo, pelo menos não tão facilmente. Seu eu vejo um cisne negro (sem letras maiúsculas), posso ter quase certeza de que a afirmação ‘todos os cisnes são brancos’ está incorreta. Mas, mesmo que eu jamais tenha visto um cisne negro, nunca poderei asseverar que essa afirmação é verdadeira. Reformulando mais uma vez: já que uma pequena observação pode invalidar uma afirmação, enquanto milhões de outras nem de longe conseguirão confirmá-la, a desconfirmação é mais exata do que a confirmação.” (p. 350)
> Que o conhecimento pela via negativa (saber o que não é) seja mais robusto que pela via positiva (saber o que é) foi um conceito que achei extraordinariamente útil pra minha área, a aromaterapia e as propriedades dos óleos essenciais, pois conhecemos muito pouco pra tirar grandes conclusões. Agora, um fait-divers, pois acho isto muito engraçado: quando ouvi falar de Taleb pela primeira vez, ouvia um podcast enquanto caminhava pelo lago da Universidade Positivo aqui em Curitiba, no campus do bairro CIC. Falavam sobre os eventos do tipo Cisne Negro (agora, com maiúsculas), um tipo de evento raro e imprevisível. Há um casal de cisnes negros neste lago. Faço caminhadas regulares neste lago – os cisnes negros são companheiros diários.
“Por fim, pensa nesta versão modernizada, em uma frase de Steve Jobs: ‘As pessoas acham que foco significa dizer sim para a coisa em que você precisa focar. Mas isso não tem a ver com foco. Foco significa dizer não para as centenas de outras boas ideias que existem.” (p. 352)
> A aplicação desta simples ideia evitaria que milhões recorressem à ritalina.
“Em qualquer disciplina, os amadores são os melhores, se for possível conectar-se com eles. Ao contrário dos diletantes, os profissionais de carreira são para o conhecimento o que as prostitutas são para o amor.” (p. 382)
> Que comparação!
“Entre outras coisas, o papel a religião é domesticar a iatrogenia da abundância (…).” (p. 423)
> Acho sensacional esta frase.
“Em primeiro lugar, quanto mais complicada a regulamentação, mais propensa ela está a ser arbitrada por pessoas que têm informações privilegiadas.” (p. 478)
> Vide a Constituição brasileira e toda a complexidade infraconstitucional.
“Deve-se dar mais peso aos testemunhos e às opiniões quando apresentam o oposto de um conflito de interesses. Um farmacêutico ou um executivo das gigantes da indústria farmacêutica que defende a fome planejada e os métodos de via negativa para curar o diabetes seria mais crível do que outro que é favor da ingestão de medicamentos.” (p. 481)
> Tal pessoa está condenada à pobreza.
Vieses
“Prestamos mais atenção ao que varia e muda do que àquilo que desempenha um papel mais relevante, porém não se altera. Somos mais dependentes da água do que de celulares, porém, devido ao fato de a água não mudar e os celulares sim, estamos propensos a pensar que os celulares têm um papel maior do que realmente têm.” (p. 371)
> Isto é uma tanto quanto óbvio – justamente por este motivo, ignorado.
“Uma corporação não tem uma ética natural; ela simplesmente obedece ao balancete.” (p. 467)
> Claro que minha empresa tem um propósito e blá-blá-blá…
“Por fim, se algum dia você tiver de escolher entre a promessa de um mafioso e a de um funcionário púbico, escolha a do mafioso. Sempre. Instituições não têm senso de honra; indivíduos, sim.” (p. 469)
> Não há muito mistério no motivo de o crime suprir o que o Estado não provê em comunidades carentes…
“Permita-me, primeiro, definir o que é uma opinião fraudulenta. É simplesmente uma opinião cujos interesses pessoais costumam ser generalizados para o bem comum – em que, digamos, um cabeleireiro recomenda cortes de cabelo ‘em prol da saúde das pessoas’, ou em que um lobista da indústria armamentista alega que a posse de armas é ‘boa para os Estados Unidos’, fazendo afirmações que o beneficiam pessoalmente, mas que são mascaradas para dar impressão de que visam ao benefício do coletivo.” (p. 479)
> Via de regra, regulamentações são baseadas em opiniões fraudulentas.
Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2023
TALEB, Nassim Nicholas. Anti-frágil: coisas que se beneficiam com o caos. Tradução Renato Marques. Rio de Janeiro: Objetiva, 2020. 616 p.