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A vida das árvores – Francis Hallé

Postado às 10:25 do dia 22/01/23

Este simpático e aguerrido botânico francês com 84 anos de idade têm ficado cada vez mais famoso fora do seu métier. Com uma renomada carreira em pesquisa, dedicada ao estudo das florestas equatoriais úmidas, ele agora tem uma missão: fazer que uma floresta primária renasça no lado ocidental da Europa. Trata-se da Association Francis Hallé pour la forêt primaire.

Personagem do documentário Il Était une Forêt, de Luc Jacquet, é autor de quase 20 livros, entre eles Éloge de la plante (1999), Atlas de botanique poétique (2016) – os que conheço – e este, A vida das árvores, que foi publicado na França em 2011 e agora recebe tradução no Brasil.

Trata-se de um texto a título de conferência, pequeno e poderoso, com ideias que ele continua retomando em palestras recentes, como a necessidade de se voltar a uma biologia comparada entre animais e plantas, de mesma proporção entre uma e outra, o caráter autônomo e modesto das árvores, a cegueira zoocêntrica, que faz com que caminhemos pelo mundo sem notar as plantas, ou dando-as como certas ou, ainda, ignorando que também são seres vivos.

Fiquei muito contente de saber que um título de Hallé chegou ao Brasil, da mesma forma como já temos visto obras traduzidas de outros pesquisadores dedicados a restabelecer o reino Plantae como mantenedores da Terra, a exemplo de Stefano Mancuso.

O que há de gostoso nesta leitura há também de rápido: em menos de uma hora você já terá aprendido mais sobre árvores do que lhe ensinaram na escola. O final do livro traz perguntas e respostas da plateia.

Abaixo selecionei algumas melhores partes.

 

Senhoras do tempo

“Observem que as pessoas que disseram coisas boas a seu respeito [das árvores] são bem mais numerosas. A começar por Jean Giono, com seu conto O homem que plantava árvores. Voltaire, já idoso, recolhido em Ferney, escreveu a seus amigos parisienses: ‘Não faço outra coisa senão plantar árvores; sei que estou velho demais para tirar proveito de seus frutos ou de sua sombra, mas não vejo maneira melhor de pensar no futuro’. Essa frase é maravilhosa. É preciso falar também do revolucionário Danton, de Victor Hugo, Khalil Gibran, André Gide e Francis Ponge, por quem eu tenho um carinho especial pelo fato de sermos da mesma cidade no sul da França, e que escreveu: ‘Os animais correspondem ao oral; as plantas, ao escrito’. Acho que, em poucas palavras ele captou uma ideia muito importante. Os animais podem ser muito simpáticos, divertidos e nos fazer rir, mas não podemos contar com eles, porque se locomovem e não estarão mais ali no dia seguinte. Ao passo que, com uma árvore, nós podemos contar.” (p. 9-10)

> Caso você compreenda francês, há dois vídeos sensacionais, de conversas entre Francis Hallé e o engenheiro florestal suíço Ernst Zücher, em que entendemos o que significa a perenidade e a ubiquidade das árvores: este e este. Esta ideia de que animais se referem ao oral, efêmero, e as plantas ao escrito, que dura, é linda demais. Sabendo que elas não têm senescência programada – graças a uma enzima tipo “desmetilase” que, ausente nos animais, torna irreversível a metilação de genes, como se eles fossem “apagando” com o avanço da idade) -, são o que mais próximos temos de algo imortal.

 

Modéstia

“Quero compartilhar com vocês uma razão objetiva dessa minha simpatia pelas árvores. É o extraordinário contraste entre o pouco de que necessitam e a enormidade do que realizam. De que uma árvore precisa? Coisas fáceis de encontrar, triviais: de água, de alguns minerais encontrados na água e na terra, de luz e de gás carbônico, ou CO2. Ora, este último, como vocês sabem, não só não nos faz falta, como temos cada vez mais. Dá para imaginar um ser vivo mais frugal, mais modesto em suas necessidades?” (p. 12-13)

> Quando começamos olhar mais de perto o tudo que uma árvore é capaz de fazer, realmente, fica difícil não as reverenciar. Veja que, em Éloge de la plante, Hallé ensina como as árvores são, em realidade, uma colônia de indivíduos e um aglomerado de coisas mortas e coisas vivas. Além de modestas, também são seres colaborativos. Certamente que há aquela visão, um tanto irônica, um tanto cínica – mas definitivamente cômica – de que elas nos “pastoreiam”. Hallé diz neste livreto que árvores não são seres violentos, a que um participante da plateia refuta, comentando de uma árvore cujo pólen lhe é extremamente tóxico. Também poderíamos lembrar das espécies de Ficus estranguladores. Se pastorear-nos é uma forma de colaboração maquiavélica, temos de concordar que ela também nos beneficia.

“Um poeta chamado Michel Valentim disse: ‘O homem é a conquista mais nobre da planta’. Pelo fato de passarmos a vida cuidando delas, recolhendo sementes, fazendo-as viajar, plantando-as aqui e ali, de um continente a outro, somos um dos melhores meios de dispersão que as árvores possuem.” (p. 68)

> Olhe, ainda que a intenção talvez tenha sido mostrar como as plantas se servem de nós, afastando a ideia de que apenas nós é nos servimos dela, este adjetivo “nobre” me soa especista demais. Se o melhor que as árvores encontraram pra colaborar com elas foram nós, preciso admitir que elas não previram o perigo.

 

Senhoras do espaço

“Uma árvore pode conter uma enorme quantidade de matéria, centenas de metros cúbicos de madeira que podem atingir milhares de toneladas. De onde ela vem? Todos sabem que, no início, havia apenas uma minúscula semente. Essa coisa enorme tem que sair de algum lugar. Quando faço essa pergunta aos meus contemporâneos, as pessoas respondem que a matéria da árvore sai da terra. Sinto muito, mas a resposta está errada. (…) Mas, ao contrário, a árvore é um amontoado de poluentes atmosféricos que vêm do ar. Ela retira do ar o poluente a que me refiro, o gás carbônico. Claro, também retira alguma coisa da terra, mas em torno de uma colher de café, não mais. A maior parte vem de uma depuração atmosférica; inclusive, podemos perfeitamente comparar uma árvore a uma estação de tratamento. Mais uma razão para respeitar as árvores nas cidades.” (p. 15)

> Aqui em Curitiba, eu denuncio à Secretaria do Meio-Ambiente toda poda ou corte de árvore que me pareça irregular. Não faço isto com espírito vingativo contra donos de terrenos ou construtoras. É que cortar uma árvore é diminuir a qualidade do ar e se levará décadas até que uma nova cresça no lugar (se houver um replantio, como quase nunca é o caso). Então, a derrubada de árvores têm efeitos imediatos à nossa saúde, e não apenas de longo prazo como aquecimento global, perda da biodiversidade, empobrecimento do solo, etc.

“Uma árvore se ergue com a ajuda de poluentes. Ela se comporta muito melhor que nós diante dos poluentes, é capaz até de utilizá-los. Do que as árvores têm medo? De nós. Não somos sequer o seu principal inimigo, somos o único.” (p. 61)

> Que alma miserável a do ser humano, que se torna inimigo daquelas que lhe permitem viver.

 

Cegueira vegetal

“Quero desfazer um mal-entendido. Não estamos competindo com as plantas [sobre quem é mais evoluído], pois para isso precisaríamos estar correndo na mesma direção. No entanto, tenho a impressão de que as plantas tomaram um rumo e os animais, outros, e acho que precisamos simplesmente ter a modéstia de admitir que as plantas chegaram mais longe em sua direção do que nós, na nossa.” (p. 24)

> Parece que, da mesma forma que menosprezamos a experiência das pessoas mais velhas, menosprezamos a experiência de espécies vivas mais velhas na Terra.

“Não temos nenhuma evidência de que eles [os bonsais] sofram, mas isso não significa que não sofram. Há alguns anos, no sul da China, o diretor de uma jardim botânico me perguntou se eu conhecia a planta que dança. Respondi que não, e me apresentaram uma plantinha que não tem nada de mais, mas suas filhas se mexem quando fazemos barulho na frente dela. Você tem que bater palmas e cantar; se você parar, elas param de se mexer. Eles me fizeram cantar em francês, e funcionou. Quem iria imaginar que uma planta pudesse dançar? Ninguém. Então, vamos considerar essas questão do sofrimento vegetal com humildade, como uma questão aberta. Mesmo que o bonsai não sofra, ele me transmite a ideia de sofrimento.” (p. 77)

> Plantas que aumentam sua temperatura quando detectam a presença de outros seres vivos ou pra poderem crescer acima do gelo, plantas que se movem quando tocadas, plantas que se movem com determinados sons. Quanta coisa ainda pra descobrir sobre elas! Aqui está um vídeo sobre esta planta, a Desmodium gyrans, no qual, inclusive, aparece Hallé.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2023

HALLÉ, Francis. A vida das árvores: uma pequena conferencia. Tradução de Maria Luisa de Abreu Lima Paz. São Paulo: Olhares, 2022. 68 p.

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