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A tempestade – William Shakespeare

Postado às 01:07 do dia 29/09/14

Existe uma fala de Próspero nesta peça que é minha citação preferida:

“We are such stuff

As dreams are made on; and our little life

Is rounded with a sleep.”

Com esta fala o personagem desfaz o banquete para Ferdinando e Miranda, levando à conclusão seu plano de restabelecer um destino real à filha ao casá-la com o herdeiro de Nápoles.

Sempre li este trecho na tradução de Geraldo Carneiro (Relume Dumará, 1991):

“Somos dessa matéria de que os

sonhos são feitos. E a nossa vida breve é circundada pelo

sono.”

Recentemente, por conta da leitura de O Desaparecimento do Universo, de Gary R. Renard, a vontade de reler A Tempestade surgiu mais forte. Fiquei sabendo que o UCEM – Um Curso em Milagres foi escrito, no original inglês, em versos de cinco pés, isto é, em pentâmetro iâmbico – a métrica do soneto shakespeareano. Recordar essa citação e ver como ela surpreendentemente se encaixa no contexto do UCEM me deixou atônita. Aqui está a fala inteira de Próspero, agora na tradução de Bárbara Heliodora (Nova Aguilar, 2006):

Próspero [dirigindo-se a Ferdinando] – Você parece, meu filho, consternado, como se estivesse preso de algum temor. Anime-se, senhor. Nossa diversão chegou ao fim. Esses nossos atores, como lhe antecipei, eram todos espíritos e dissolveram-se no ar, em pleno ar, e, tal qual a construção infundada dessa visão, as torres, cujos topos deixam-se cobrir pelas nuvens, e os palácios, maravilhosos, e os templos, solenes, e o próprio Globo, grandioso, e também todos os que nele aqui estão e todos os que o receberem por herança se esvanecerão, nada deixará para trás um sinal, um vestígio. Nós somos esta matéria de que se fabricam os sonhos, e nossas vidas pequenas têm por acabamento o sono. Senhor, eu estou, sim, irritado. Tolere a minha fraqueza; meu velho cérebro está perturbado. Não se deixe impressionar por minha enfermidade. Se lhe agrada a ideia, retire-se para minha gruta e repouse. Vou caminhar; uma volta ou duas, ara acalmar minha mente agitada.” (Itálico meu)

E para você comparar, segue um trecho do UCEM, tradução oficial:

“5. Só depois que um profundo sono caiu sobre Adão, pôde ele vivenciar pesadelos. 6. Se uma luz subitamente se acende enquanto alguém está sonhando um sonho amedrontador, ele pode incialmente interpretar a própria luz como parte do seu sonhos e ter medo. 7. Todavia, quando acorda, a luz é percebda corretamente como a libertação do sonho, ao qual já não mais se cofere realidade. 8 Essa liberação não depende ilusões. 9. O conhecimento que ilumina não só te põe em liberdade, mas te mostra tambpem claramente que tu és livre.” (Mill Valley/EUA, 1994, 2ª edição, T-2.I.4:5-9)

Então, se for um iniciado, perceba como Shakespeare, ele próprio, já sabia do desaparecimento do universo. Não é bacana?

Agora, pra não iniciados, seguem algumas outras citações desta comédia que uns preferem classificar como romance e que eu acho que tá mais pra epifania. Se for comprar, legal seria uma edição bilíngue, pra você cortejar o original com o traduzido; do contrário, recomendo a versão de Bárbara Heliodora, que não traz o texto em inglês.

Espero que goste.

 

 

Destino de uns, sorte de outros

“Gonçalo – Este sujeito me inspira muita confiança. Não tem o menor jeito de afogado. Tem cara de quem vai morrer na forca. Que os fados tratem mesmo de enforcá-lo. Que a corda que o destino lhe reserva seja bastante forte para nos salvar.” (p. 21)

– Uma passagem famosa, em que os nobres à bordo do navio prestes a naufragar interpretam sinais na face do contramestre que revelem a boa sorte de toda a tripulação.

“Próspero – (…) Haviam preparado um barco de carcaça podre, sem instrumentos, sem vela, sem mastro. Até os ratos, por instinto, tinham-no abandonado (…)” (p. 33)

– Pense na situação de um barco em que nem ratos querem ficar… Tétrico, não?

“Fernando – É verdade. Minhas forças, como num sonho, estão acorrentadas. A perda de meu pai, a fraqueza que sinto, o naufrágio de todos os meus amigos e mesmo as ameaças deste homem, a quem me encontro submisso, nada me afligiria se, de meu cárcere, eu pudesse contemplar esta donzela uma vez por dia. Que reine a liberdde em todas as outras face da terra. Tenho espaço bastante nesta prisão.” (p. 57)

– Não tenho certeza se no século XXI algum amor teria tamanha força.

“Ariel – Como já disse, mestre, estavam eufóricos de tanto bber, e tomados de tamanha valentia que açoitavam o vento por lhes soprar no rosto e fustigavam o chão por lhes beijar os pés. (…)” (p. 129)

– Sensacional esta valentia toda!

“Próspero – Fiz ofuscar o sol do meio-dia,/ amotinei os ventos tormentosos,/ deflagrei a guerra entre o verdor do/ mar e o azul do firmamento./ Acendi o terrível trovão/ e fendi o carvalho de Júpiter/ com seus próprios raios./ Fiz tremer o promontório/ e arranquei pela raiz pinheiros e/ cedros. Ao meu comando,/ os mortos despertaram/ e, graças ao poder da minha/ arte, os túmulos se abriram/ para deixá-los sair./ Mas agora renuncio à minha/ magia. Só me falta providenciar/ uma música celestial, para/ desencantar-lhes os sentidos e assim/ executar o meu desejo. Depois/ quebrarei minha vara e a enterrarei nas/ entranhas do chão. E lançarei meu livro/ ao mar profundo, lá onde nada possa penetrar.” (p. 139)

– É uma passagem soberba, que me faz lembrar da renúncia dos sanyasins. Veja, nesta abaixo também:

“Próspero – (…) Depois hei de partir para Milão, e reservar, de cada pensamento, a terça parte meditando a minha morte.” (p. 157)

– Como Shakespeare disse: “Somos dessa matéria de que os sonhos são feitos. E a nossa vida breve é circundada pelo sono.”

 

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro © 2014

 

SHAKESPEARE, William. A tempestade. Tradução Gerlado Carneiro. Edição bilíngue. Rio de Janeiro: Relume Darumá, 1991.

(A versão que eu consultei pra esta resenha está esgotada. Se achar legal, compre a tradução de Beatriz Viegas-Faria pela L&PM Pocket, clique aqui.)

 

 

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