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A árvore-mãe – Suzanne Simard

Postado às 13:18 do dia 12/10/22

Uma leitura arrebatadora do início ao fim. A árvore-mãe é uma espécie de biografia profissional, na qual a cientista e engenheira florestal Suzanne Simard narra como descobriu a rede de fungos que reveste o solo de florestas, conectando as árvores. Seu artigo seminal, de 1997, publicado na prestigiada revista Nature, fez com que a publicação apelidasse esta rede fúngica de wood-wide-web. Suas pesquisas se tornaram tema de documentários tais como Fungos Fantásticos, Mother Trees Connect the Forest e Smarty Plants, além de lhe terem rendido participações em Ted Talks.

O livro começa com Suzanne contando sobre sua infância nas terras da família, herdadas por antepassados madeireiros, gente de fibra, desbravadora, com um conhecimento profundo e respeitoso sobre as florestas que lhes sustentavam. Trabalhando como estagiária em uma madeireira moderna, ela se via em conflito ao prescrever podas rasas e corte de espécimes centenárias enquanto se lembrava do cuidado meticuloso de seus avós na escolha de quais árvores tombariam no chão. Então, em uma de suas inspeções (com direito a encontros com ursos) em áreas reflorestadas, Suzanne se intrigou com o fato de que algumas mudas de coníferas pareciam fracas e, mais que isto, com o fato de que suas raízes não pareciam colonizadas por fungos como as da terra de sua casa de infância. Este é o ponto de partida para a pergunta que conduziu todo seu percurso profissional: qual o papel dos fungos na saúde de florestas e como as árvores se comunicam através deles?

Com a leitura do livro, além de aprendermos sobre metodologia científica de campo, também descobrimos como pesquisas que questionam dogmas em suas áreas enfrentam bem mais que dificuldades técnicas, como também políticas. Quando Suzanne aventa a hipótese de que haja cooperação entre as coníferas nas florestas do Canadá, ela estaria questionando uma ideia central da silvicultura – e também do próprio Darwinismo – de que apenas a competição conduz as formas de crescimento entre as espécies; uma ideia tão arraigada que orientava toda a regulamentação de reflorestamento da Colúmbia Britânica.

Depois que Suzanne não conseguiu renovar seu contrato de trabalho pra um nova temporada de cortes e reflorestamento na madeireira, ela arrumou um trabalho no Serviço Florestal e partir deste momento sua carreira como pesquisadora iniciou. Não apenas Suzanne desbravou um campo de pesquisas, como desbravou – enquanto mulher – a própria silvicultura. O que torna sua narrativa tão tocante é o entrelaçamento entre vida pessoal e vida profissional, entre suas memórias de infância e seus desafios de adulta. Nós acompanhamos suas descobertas profissionais como sendo ecos de suas descobertas afetivas e é impossível não pensar que a rede fúngica que ela descobriu inspirou também a forma da narrativa, entremeada de períodos de estresse, em que seus sonhos de meninice alimentaram sua coragem, e de períodos de bonança, em que suas descobertas reconfortaram memórias perdidas.

Pra completar, o livro traz fotos antigas e afetivas, de modo que conseguimos entrar na intimidade de Suzanne, o que nos aproxima do que poderia ser árido ler, a descrição das centenas de experimentos científicos que ela conduziu.

Hoje, falar da wood-wide-web é banal, como se sempre soubéssemos que as florestas são assim. Entender que isto foi descoberto há cerca de não mais de 25 anos nos traz a dimensão de quantas vidas inteiras são dedicadas a desvendar um único enigma científico num universo de enigmas. Preservar esta memória – como preservar as árvores-mães – é fundamental porque nos insere na história do planeta Terra, ao mesmo tempo que nos torna sabedores de nossa total dependência dela: é pela memória que compartilhamos que desenvolveremos respeito com nossa ancestralidade e cuidado com nossa descendência.

Abaixo selecionei algumas melhores partes pra você.

“Mas o homem faz parte da natureza, e sua guerra contra a natureza é inevitavelmente uma guerra contra si mesmo. – Rachel Carson” (p. 7)

> Este é o prefácio do livro que, na contracapa, avisa: “Este não é um livro sobre como podemos salvar as árvores. É um livro sobre como as árvores podem nos salvar. Nos 3 ou 4 dias em que o li, assisti a inúmeros vídeos de dois outros pesquisadores de florestas: Francis Hallé, que já foi tema de postagens minhas, e Ernst Zücher. Aquele é francês, biólogo e botânico, estudioso das florestas tropicais úmidas. Seu percurso profissional está em livros de sua autoria e no documentário de Luc Jaquet Il Était une Fôret; este é engenheiro florestal suíço, autor de inúmeros artigos científicos, que se dedica a mostrar como as florestas são organismos complexos e de cooperação. São dois bons nomes caso você queira se inspirar com o que eles sabem sobre as árvores.

“Mas lá estavam eles [os dados da pesquisa], me dizendo a mesma coisa, independentemente de como eu os analisava. Bétulas e abetos permutavam carbono. Comunicavam-se. As bétulas detectavam as necessidade dos abetos e se mantinham sintonizadas com eles. E não só: descobri que os abetos também devolviam algum carbono às bétulas. Como se a reciprocidade fizesse parte de sua relação cotidiana.

As árvores eram conectadas e cooperavam” (p. 195)

> Como tradutora de livros na área de aromaterapia, preciso elogiar a tradução de A árvore-mãe. Como Suzanne decidiu não usar nomes botânicos pra se referir às várias plantas que nomeia no livro – e há uma profusão de coníferas e espécies de outras famílias nomeadas -, foi um verdadeiro feito a tradução ter sido tão precisa. Meus alunos já me ouviram dizer que eu quando eu crescer quero virar conífera. Um livro que fala sobre elas – estes incríveis seres pré-históricos – é uma chance de conhecê-las ainda melhor. As pesquisas da Suzanne fizeram, por fim, que as orientações de reflorestamento incluíssem cultivo de espécies mistas no Canadá. Como Francis Hallé diz, florestas são formadas por centenas de espécies diferentes; não deveríamos chamar de florestas estas áreas de monoculturas que madeireiras plantam pensando em cortá-las daqui uma vintena de anos. As pesquisas de Suzanne deixaram isto perfeitamente claro.

“Alan sempre dizia que conseguir fazer pesquisadores trabalharem por um objetivo comum é como tentar encaminhar gatos para um mesmo lugar.” (p. 235)

> Certamente, o esforço global pela vacina contra a covid foi um exceção à constatação de Alan…

“Cheguei a uma árvore colossal, um baluarte, de galhos grossos rentes ao chão, grandes como a própria arvore. Seu tamanho e sua idade eram magníficos em comparação com as vizinhas. Parecia a mãe de todas as árvores-mães. Era o que os silvicultores chamam de ´árvore-loba´ – muito mais antiga, maior e com uma copa bem mais ampla que as demais, uma sobrevivente única de calamidades anteriores. Ela vencera séculos de incêndios aos quais outras haviam sucumbido em algum momento. Atravesseis tempestades de plântulas para chegar à orla de sua copa e peguei um cone, cortado talvez por um esquilo, com brácteas polvilhadas de esporos brancos. A vida dessa árvore, começara quando o povo Secwepemc cuidada dessa terra, muito antes de os europeus chegarem; os nativos costumavam provocar incêndios para criar habitar para animais de caça, estimular o crescimento de plantas nativas valiosas ou abrir rotas para comerciar com nações vizinhas, e eles mantiveram os combustíveis baixos, as chamas nunca tinham chegado a uma intensidade capaz de incinerar completamente aquela casca espessa. Eu tinha certeza de que, se extraísse uma amostra do cerne daquela árvore, veria anéis calejados de carvão a cada vinte anos mais ou menos, como listras de uma zebra. Eu estava maravilhada com sua resistência, seu ritmo, abarcando séculos. Era uma questão de sobrevivência, e não uma escolha, não tolerância. A luz se refletia em sua casca incandescente, e o sol caía.

Esplendorosa.” (p. 279)

> Quando li a expressão árvore-loba, pensei ser um elogio, mas Suzanne nos conta que a expressão surgiu entre os silvicultores no final dos anos 1990 pra se referir a árvores velhas e imensas que devoraram muito espaço e luz solar. Eles as matavam porque, como lobos, consomem muitos recursos da floresta.  Pesquisas com as de Suzanne mostraram que elas não consomem – elas doam recursos, mesmo depois de mortas.

“Nossas sociedades modernas pressupõem que as árvores não têm capacidades como as dos humanos. Que não têm o instinto de cuidar. Que não curam umas às outras, não se auxiliam mutuamente. Mas agora sabemos que as árvores-mães podem nutrir suas descendentes. Descobrimos que os abetos-de-douglas reconhecem seus parentes e os distinguem de outras famílias e de outras espécies. Comunicam-se e enviam carbono, o elemento fundamental da vida, não só para as micorrizas de suas parentes, mas também para outros membros da comunidade. Para ajudar a mantê-los saudáveis. Parecem se relacionar com suas descendentes, como mães que passam suas melhores receitas para as filhas. Transmitem sua energia vital, sua sabedoria, para que a vida siga em frente.” (p. 330-331)

> Caso ainda não conheça o livro A vida secreta das árvores, de Peter Wohlleben, aqui tem uma resenha. Esta relação de cuidado fica bem explícita nas pesquisas dele, que foram conduzidas numa reserva florestal da Suíça.

“Acredito que esse tipo de pensamento transformador é  que nos salvará. É a filosofia de tratar os seres do mundo, suas dádivas, como igualmente importantes para nós. Começando por reconhecer que árvores e plantas têm capacidade de agir. Elas percebem, estabelecem relações, comunicam-se – apresentam vários comportamentos. Cooperam, tomam decisões, aprendem, recordam – qualidades que normalmente atribuímos a senciência, sabedoria, inteligência. Notando que árvores, animais e até fungos – toda e qualquer espécie não humana – têm esta agentividade, podemos reconhecer que eles merecem a mesma consideração com que tratamos a nós mesmos. (…) Maltratar uma espécie é maltratar todas.” (p. 351-352)

> A última fronteira do preconceito é o especismo. Foi minha militância (curta, é verdade) no momento vegetariano que me ensinou sobre especismo. Mas foi o contato com a aromaterapia que me fez enxergar as plantas como seres. Hoje concordo muito com aquela piadinha entre novos pagãos de que na verdade as plantas nos pastoreiam.

“Nosso objetivo é contribuir para desenvolver uma filosofia emergente: a ciência da complexidade. Baseada na ideia deque ocorre colaboração além de competição – no trabalho com todas as diversas interações que compõem a floresta – , a ciência da complexidade pode transformar as práticas da silvicultura em métodos adaptativos e holísticos, distanciando-as do excesso de autoritarismo e simplismo.” (p. 363)

> O projeto Mother Tree Project de Suzanne iniciou em 2015 e segue firme. Você pode consultá-lo aqui.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2022

 

SIMARD, Suzanne. A árvore-mãe: em busca da sabedoria da floresta. Tradução: Laura Teixeira Motta. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.

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