Casa Máy > Aromaterapia > Consumo de ciência em aromaterapia
Volto do 10º Simpósio Brasileiro de Óleos Essenciais da Embrapa com aquela sensação nostálgica de ter conhecido terras distantes. Distantes, no caso, tanto literalmente – fui a Brasília pela primeira vez -, quanto metaforicamente: foram 3 dias imersa em pesquisas científicas na área da agricultura.
Já que o tema é o planalto central, descrevo a sensação citando Renato: o SBOE me pareceu “festa estranha, com gente esquisita”. Em outra oportunidade, já comentei como tive a mesma sensação de estranhamento num evento de vendedores de OEs: aquela gente que eu não conhecia passando óleos essenciais o tempo todo no corpo com a mesma intimidade que nós, aromaterapeutas, temos com estas substâncias.
Como assim há mais gente apaixonada por OEs além de mim?!
Visitar terras e gente estrangeira nos obriga à humildade: é inevitável você tirar o olho de seu umbigo, sair do centro de seu entorno, e se colocar na periferia do centro e do umbigo alheios. Não é a primeira vez que o alheio me ensina que a aromaterapia não é nossa (dos aromaterapeutas), mas de todos.
Uma das experiências estranhas de nos aproximarmos do centro alheio é perceber como nós, aromaterapeutas e vendedores de OEs, consumimos ciência, e como eles, os cientistas, a produzem. A ciência tem um timing diverso do timing de aromaterapeutas e vendedores de OEs. Lá, onde o tempo passa em câmera lenta, advérbios e locuções adverbiais obrigam o cientista à moderação. Eles dizem, em vez de concluir, que os resultados “provavelmente”, “possivelmente”, “talvez”, “podem indicar”, “atualmente apontam”, etc.
Já nós, que timing nos obrigamos a ter! Diante de um interagente em sofrimento, diante de um consumidor com dor, temos pouco espaço pra dúvidas e pra aguardar conclusões. Agimos. Sem advérbios.
Um dos efeitos deste treino em “timing apressado” é que passamos a consumir ciência como quem consome fatos jornalísticos: hoje a notícia científica é esta – e eu a uso pra meus próprios fins. Pouco importa se amanhã a notícia for outra.
Quando acessamos um artigo cientifico, esquecemos que ele é muito mais que seu Abstract. Esquecemos com muita facilidade que os cientistas por trás daquele “resultado modulado por advérbios de não-conclusão” escolheram um objeto de estudo bem definido, uma metodologia bem conhecida, uma discussão confrontada com o que se fez antes. Consumimos aquele artigo científico com uma leitura transversal do Abstract, com leitura nenhuma do Text, e guardamos apenas os descritores que nos interessam do Title. Assim é como consumimos ciência: sem o menor respeito por ela e por quem a produz.
Se cientistas são tão receosos de concluir peremptoriamente seus resultados e aplicá-los terapeuticamente a humanos, por que raios nós, consumidores de ciência, achamos que sabemos mais que eles e já extrapolamos os resultados inconclusivos que obtêm pra nossa própria finalidade, seja a de atender pessoas, seja a de vender OEs?
Hoje me deparei com o consumo de um artigo científico mostrando que o extrato seco do coentro (C. sativicum) diminuiu o acúmulo de chumbo em rins de roedores. É conhecida a propriedade de alimentos ricos em ácido fítico agirem como quelantes. O artigo mostrava este efeito concretamente, e pela primeira vez, mas sem apontar a(s) substância(s) responsável(veis) por tal efeito na planta.
Ato contínuo, algum vendedor de óleo essencial já recomendava que se pingasse OE de coentro em alimentos pra se evitar contaminação de metais pesados ao ingeri-los. Ato contínuo, aromaterapeutas ficaram em dúvida sobre a postagem, quando deveriam a ter ignorado completamente se conhecessem o básico sobre química de óleos essenciais e o básico sobre método cientifico.
Deu pra entender o que estou apontando?!
No meu trabalho como educadora, percebo que gastar tempo ensinando as pessoas a pensarem tem se tornado mais importante que ensiná-las sobre as propriedades terapêuticas dos óleos essenciais. Percebo que lhes apresentar a epistemologia tem sido mais urgente que lhes ensinar sobre protocolos de aromaterapia.
Voltando de Brasília e do SBOE, percebo que educadores de aromaterapia precisam, primeiramente, ensinar sobre o respeito à diferença entre as diversas áreas que estudam OEs, sobre a humildade diante do que não é nossa praia. Precisamos ensinar sobre as regras de comportamento quando visitamos terras estrangeiras.
Como aromaterapeutas e vendedores de óleos essenciais, precisamos entender algo muito simples: não dá pra viajar à terra da ciência querendo sentar na janela. Nosso bonde, podemos até dirigi-lo. Mas no bonde da ciência, convém sentar lá atrás. Pode parecer um lugar desconfortável, mas é onde teremos mais chance de observar e aprender, e até deixar “o cabelo crescer”.
Beijo de cheiro, Mayra.