Casa Máy > Diário em Off - Posts > Brasil > Narrativas oniscientes
Não que interesse, falo mais pra encontrar meus pares aqui e não me sentir sozinha. Eu só me aborreço com uma coisa realmente neste embate direita x esquerda no Brasil.
Quem já leu Os Três Mosqueteiros, quem já leu Hamlet, quem já leu Ilusões Perdidas sabe que os únicos que conhecem toda a trama são os personagens principais, os diretamente envolvidos nela. E o leitor. Mas o leitor só conhece o que está por trás da trama porque o narrador oferecido é Onisciente.
O final do século XX destruiu a figura do narrador onisciente, exceto nos enredos fantásticos e amorosos, onde queremos escapar da realidade que é, fundamentalmente, caótica.
Assim que, hoje, não existe nenhuma possibilidade de lermos o que está acontecendo de um ponto de vista onisciente. Quem estiver dizendo que sabe o que está acontecendo estará dizendo do alto da dificuldade de admitir sua ignorância.
Nós não conhecemos a trama. A narrativa no século XXI – a narrativa da vida, a narrativa da economia, a narrativa da política – não é uma narrativa onisciente, ainda mais porque a absorvemos de algo intrinsecamente fragmentado, a internet.
Dos fatos, não chegaremos a conhecê-los – nós, leitores e personagens secundários. Chegaremos unicamente a sofrer seus efeitos e tentar minimamente revertê-los.
E reverteremos de acordo com nossas egoístas convicções; e, sobre convicções, sou a mais pessimista que possa haver em relação à humanidade (incluo-me obviamente dentro), pois acredito que o mais altruísta dos homens é egoísta, porque ele atende à sua própria necessidade de ser altruísta. Os efeitos deste atendimento podem ser bons, mas podem não ser quando começamos a condicionar nossa visão de mundo à obrigatoriedade de que o certo é ser altruísta. Coloque altruísta, honesto, coloque ético, coloque o que quiser. Toda vez que nos convencemos de que apenas uma visão de mundo deva existir porque ela é a certa e boa, estamos querendo ser maiores, mesquinha e humanamente, maiores e superiores à vida. E não estou aqui fazendo apologia à maldade, à falta de caráter, à imoralidade. Estou defendendo o dever – dever – de nos sabermos falhos – ou somos deuses oniscientes?
Então, só tem uma coisa que faz eu abrir a boca pra emitir opinião política: quando percebo que estamos deixando de ser razoáveis pra começar a ter razão.
Nesta narrativa caótica da política atual, prefiro, sempre, atacar alguns efeitos – porque a causa, ou as causas, não estão acessíveis pela inexistência de um narrador onisciente. E, em se tratando de efeitos, parece muito palpável que, embora haja quem tenha recebido e quem não tenha recebido propina, existem dois que confessaram pagá-la: Marcelo Odebrecht e Joesley Batista. Pra estes dois, saio da física quântica e volto pra mecânica: cadeia. Pros outros fenômenos, embora observáveis, ainda não são explicáveis – a menos, é claro, que optemos por nos assumirmos deuses, mas esta opção, não julgo pra você, julgo-a pra mim, esta opção é muita areia pro meu caminhãozinho.
Escrito por Mayra Corrêa e Castro (R) 2017
Publicado em 25/mai/17 no seu perfil do Facebook.