Casa Máy > Diário em Off - Posts > crônicas > Madame, não!
Madame era bem nascida, filha de usineiro do Nordeste. Tinha o passaporte carimbado de antes de nascer, que sua mãe, super vip, fez ultrassom 3D e colocou a foto pro consulado carimbar. Nasceu em Sergipe, mas só nasceu lá, que a mãe achava bonito a filha ter raízes. Desenraizou-se logo, com quarenta e um dias tomou a ponte-aérea São Paulo – Nova York só de ida. Quando teve idade para viajar de menor desacompanhada, pulou carnaval na casa da tia, conheceu o frevo da sacada, achava engraçado o sotaque das primas que não achavam graça nenhuma de não terem o sotaque dela. Com a idade de treze anos o pai lhe disse você é uma moça e agora deve se instruir: mandou-a pra Suíça. Aprendeu mais uma terceira língua, assim, fácil, de ficar de conversa com as amigas do colégio. A faculdade fez de Design, mas foi em Milão, quando alçou voo até Barcelona, para um estágio não remunerado sustentado pelo pai, usineiro. Agora tinha já vinte e cinco anos e quis seguir carreira própria, era muito inteligente, muito disciplinada, recebeu incentivo de todos os amigos do pai e da mãe, dos amigos dos amigos do pai e das amigas das amigas da mãe: montou uma importadora de roupas para atender a todos eles que achavam incrivel como ela se vestia. Foi a primeira que trouxe aquelas marcas bacanas para o Brasil, e então se apaixonou. O noivo, sucessor de forte grupo industrial com base em São Paulo, promissor executivo de 42 anos. O casamento movimentou as duas fortunas, os amigos dos amigos dos amigos de ambos mãe e pai, mãe e pai, e comprovou o bom gosto da herdeira do usineiro, em breve, também mãe dos herdeiros do industriário. Vendeu a loja para admiradores, dedicou-se com afinco à educação dos filhos, à decoração do novo lar, aos compromissos sociais da agenda do marido. Foi convidada a posar para revistas de moda como símbolo da nova consumidora do luxo no Brasil. Pousou, mas então não era mais madame. Era chamada, agora, de corporate wife. E quem duvide que procure nas revistas. Alcunhas fazem muita diferença na hora de vender biografias.
escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012