Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > contos > Uma porta para um quarto escuro – Antonio Cestaro
O autor desta coletânea de crônicas, Antonio Cestaro (1965), é o empresário por trás da Editora Alaúde, que fundou em 2002, e hoje está consolidada como uma das principais editoras de médio porte no país. Em seu catálogo figura de tudo um pouco: os excelentes livros sobre culinária e saúde vegetariana que todos temos em casa, como Festa Vegetariana, A Cozinha Vegetariana de Astrid Pfeiffer (que, aliás, é um livro premiado) e Lugar de Médico é na Cozinha; também estão lá os fascículos de A História da Motocicleta, que vem com miniaturas de Harleys que hoje enfeitam uma prateleira do escritório de meu marido; além de livros de auto-ajuda sofisticada, como os que já resenhei para cá, o Pra Que Ter Razão Se Eu Posso Ser Feliz? e O Cérebro de Buda. Ou seja, a Alaúde cresce, meu amigo, deve estar faturando acima dos 10 milhões de reais neste ano.
Quando o dinheiro jorra, alguns luxos podem ser cometidos, como este livro, Uma Porta para um Quarto Escuro, que tem capa dura com verniz e alto-relevo, miolo em páginas pretas Eurobulk 135g, ilustrações coloridas e foi impresso pela gráfica que comprou 25% da editora em 2010, a Ipsis. Se o livro não fosse do próprio dono da Alaúde, eu teria ficado mais feliz, porque há muito escritor com milhares de fãs que não recebe o privilégio de uma edição tão caprichada por parte alguma no mercado brasileiro. Recebê-lo em mãos me deixou imediatamente desconfiada: no release que o acompanhou, nem uma menção de que o autor é o próprio dono do selo Tordesilhas-Alaúde. Por quê? Será que querem que o livro seja avaliado sem que essas informações se interponham na leitura?
Mas vamos ao livro. Ele contém 30 crônicas curtinhas. Você lê o livro em 40 minutos, se muito. As ilustrações, que foram feitas pela filha de Antonio, uma estudante de design da ESPM, são bonitinhas, mas infantis, e frequentemente destoam da temática das crônicas, que querem falar sobre a passagem do tempo. Se o traço fosse dos ilustradores do Vida Breve, acho que emprestariam mais contundência ao volume. É inevitável ler o livro desconfiando. Mas, se esse tiver sido o objetivo da obra – afinal, quem abre a porta de um quarto escuro sem receio? – palmas ao autor. De qualquer forma, o epílogo do livro é seu melhor adjetivo. Nele, o escritor diz que seus textos são “despojos das limpezas periódicas no quarto escuro da minha memória”.
Abaixo trago um trecho da crônica Na 23 de Maio, que acho que ficou bom, bem escrito, com certa ironia e uma metáfora acertada. O narrador dirigia um fusca vermelho e freou em cima de um cachorro que se pôs na frente, e os outros carros, que vinham atrás, tiveram de desviar:
“Piso no freio precário e rodopio na avenida, coração saltando pela boca ressecada da tensão. O trânsito faz movimento de cobra, um táxi desvia pela direita, passageiro praguejando pela cabeçada na coluna da porta e da calçada um xingamento gratuito, de quem não correu nenhum risco mas tem espírito participativo.” (p. 34)
E é isso.
revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012
CESTARO, Antonio. Uma porta para um quarto escuro. São Paulo: Tordesilhas, 2012.