Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > autoras > Um útero é do tamanho de um punho – Angélica Freitas
Em seu segundo livro, a poeta gaúcha de 40 anos fala sobre as condições do ser/estar mulher. Invulgares, seus poemas têm um dicção contundente e, muitas vezes, bem-humorada. Têm pegada. Lidam com assuntos banalíssimos, mas com ponto de vista franco, sem cinismos nem autocomiserações. Pega os clichês mais comuns das discussões de gênero e os traz, eu queria dizer pra uma mesa de bar, mas isso não faria justiça à qualidade da voz de Angélica Freitas – se é que não se produzem coisas ótimas em botecos.
Alguns poemas são melhores se lidos em voz alta. Eu tive a chance de ouvir dois ou três recitados por Marcelino Freire, aquele sotaque num vozeirão nordestino. Outros é pra se ler em silêncio e rir sozinha. Todo o livro é bastante inteligente, mas sem afetação. No final, é como no canto IX do poema Argentina: a mulher passa rímel nos olhos e espera secar pra vestir os óculos, cogitando se notarão os olhos maquiados. Com óculos se é menos mulher?
Leia abaixo um poema completo. Mas compre o livro; sim, compre-o. Demonstre que poesia vende e é querida desejada notada neste Brasilzão. Nem tanto por se tratar de uma poeta, mas porque o livro é bom pra caramba.
“mulher de vermelho
o que será que ela quer
essa mulher de vermelho
alguma coisa ela quer
pra ter posto esse vestido
não pode ser apenas
uma escolha casual
podia ser amarelo
verde ou talvez azul
mas ela escolheu vermelho
ela sabe o que ela quer
e ela escolheu vestido
e ela é mulher
então com base nesses fatos
eu já posso afirmar
que conheço o seu desejo
caro watson, elementar:
o que ela quer sou euzinho
sou euzinho o que ela quer
só pode ser euzinho
o que mais podia ser” (p. 31)
revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2013
FREITAS, Angélica. Um útero é do tamanho de um punho. São Paulo: Cosac Naify, 2012.