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Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda – Howard Pyle

Postado às 13:00 do dia 02/06/14

Ah, um livro bom e honesto com histórias da Távola Redonda, sem os excessos de porrada e sangue dos volumes sobre Arthur de Bernard Cornwell, nem a bruxaria e sexo de Marion Zimmer Bradley. Um texto escorreito, limpo e neutro (se fosse possível a literatura ser neutra). Mas é que depois de tantas construções e desconstruções em torno da lenda do Rei Arthur, chega uma hora em que tudo que você quer é saber os fatos dentro das muitas fantasias: é o que fez este Howard Pyle. Se bem que fatos, tratando-se da Matéria da Bretanha, seja de uma desinformação completa: tradição oral transmitida desde os séculos V ou VI, repaginada nos séculos das Cruzadas (XI, XII e XIII) e finamente estudada a partir do XIX, o ciclo arthuriano tem mais de imaginação que de concretudes, mais de estória que de história. De qualquer modo, o trabalho de Pyle é aquele de boa estirpe: compilar, cotejar e estabelecer uma versão bacaninha.

Acrescem à história limpinha desenhos originais do autor, que fundou nos Estados Unidos, na cidade costeira de Wilmignton (Delaware), uma escola de arte por onde passaram futuros ilustradores famosos. Tendo ilustrado cerca de 3,5 mil publicações, Pyle (1853-1911) também escreveu e ilustrou As Aventuras de Robin Wood (1883), que veio a servir de base para animação dos estúdios de Walt Disney. Foi um cara prolífico.

Existem pequenas delícias neste livro: as ilustrações, claro – exceto a de Arthur, que saiu feio que dói, e velho! – ; resumos em cada capítulo; e títulos nas laterais das páginas que pontuam em que pé está a história, como se um estudante de segundo grau fosse anotando o que está lendo pra depois contar à professora. E a encadernação é capa dura. Faz o livro encarecer, mas é tão gostoso de segurar!

Bem, citarei algumas passagens famosas, aquelas de que mais gostamos nas lendas desses insígnes cavaleiros, chatas donzelas, deliciosas bruxas e tolos vilões. Espero que curta.

 

Surge Rei Arthur

“E depois do Rei Lot veio seu concunhado, o Rei Urien de Gore, e ele também tentou da mesma forma como o Rei Lot havia feito. Mas não teve melhor sorte do que o outro rei. E depois do Rei Urien veio o Rei Fion da Escócia, e depois do Rei Fion veio o Rei Mark da Cornualha, e depois do Rei Mark veio o Rei Ryence de Gales do Norte, e depois do Rei Ryence veio o Rei Leodegrande de Cameliard, e depois dele vieram todos os outros reis e duques antes mencionados, mas nenhum deles foi capaz de mover a lâmina.” (p. 62)

– É um desfile de masculinidade competidora, a própria seleção do macho-alfa.

“E Arthur disse:

– Sim, tenho uma aqui – e abriu sua capa, mostrando a Sir Kay a espada que tinha trazido.

Quando viu a espada, Sir Kay reconheceu-a imediatamente, e não sabia o que pensar ou dizer, de modo que ficou parado algum tempo, como se tivesse se transformado em pedra, quanto olhava a espada.” (p. 52)

– Inveeeeja.

“A verdade é que [Arthur] não tinha se dado conta do que tinha feito ao retirar a espada da bigorna, e nem sabia que grandes acontecimentos viriam daquele evento tão pequeno, pois assim é este mundo, que um homem às vezes prove ser digno de uma confiança tão grande como aquela, e no entanto, tenha o espírito tão humilde, que nem mesmo saiba ser digno dela. E assim foi com o jovem Arthur naquela ocasião.” (p. 53)

– Mas verdade seja dita, que humilde ela era apenas perante Deus. Facinho facinho aprendeu pôr todos os súditos no devido lugar assim que arrancou a espada da bigorna.

 

Surge Excalibur

“Também será contado como conseguiu, em decorrência dessa luta, uma certa Espada tão famosa e gloriosa que seu renome durará enquanto se tenham palavras para contar. Pois espada como essa nunca tinha sido visto no mundo antes de então, e desde então nunca mais se soube de outra como ela. Seu nome era Excalibur.” (p. 71)

– Que lasqueira! É tão frustrante que ninguém tenha conseguido tirar Excalibur do meio do lago que foi preciso inventar uma nova espada que a ofuscasse, feito conseguido pelo já citado Bernard Cornwell, que deu ao narrador de As Crônicas de Artur, Derfel, uma espada de nome lustroso: Hywelbane.

“E no meio desse lago tem às vezes emergido o que parece ser um braço de mulher, lindo e ricamente adornado com seda branca, cuja mão segura uma espada de tão incrivel esplendor e beleza que nenhum olho jamais viu nada como ela. E  nome dessa espada é Excalibur, nome dado por quem a viu por causa de seu maravilhoso brilho e beleza. Pois já aconteceu que muitos cavaleiros avistaram tal espada e tentaram obtê-la para si, mas até hoje ninguém, foi capaz de tocá-la, e muitos morreram nesta aventura.” (p. 94)

– Então você espera que Arthur quase morra ele também, mas vai ele até o braço e tira a espada que nem chupeta de bebê.

 

Surge Guinevere

“ – Misericórdia de Deus! – exclamou Lady Guinevere. – Que fato triste é esse que me contas! Agora peço-te que me leve neste instante até esse cavaleiro para que eu possa vê-lo, pois tenho no meu séquito um médico muito habilidoso, deveras experiente na cura de ferimentos de batalha.

Então Merlin entrou com a dama na cabana, e lá ela viu o Rei Arthur estendido sobre o catre. Mas ela não abia quem era.” (p. 91-92)

– No estado de quase-morte em que Arthur se encontrava, ele poderia ter visto qualquer mulher bonita que se apaixonaria na hora. Sempre lamentei que tivesse sido a chata da Guinevere.

 

Surgem feiticeiras e fadas

“Pois bem, Morgana, a Fada, era uma feiticeira muito ardilosa, e tinha um tal domínio de magia que podia conseguir o que quisesse com as coisas – fossem vivas ou mortas – através de feitiços poderosos.” (p. 183)

– Poucas mães nomeiam sua filhas Morgana.

“Pois bem, na Corte da Rainha Morgana havia uma certa donzela de uma beleza tão maravilhosa e hipnotizante que não havia outra igual a ela em todo o mundo. Essa donzela tinha quinze anos e possuía sangue real, pois era filha do Rei da Nortúmbria. Seu nome era Vivien. E Vivien era incrivelmente sábia e esperta para alguém de sua idade.” (p. 183)

– Uma psicopatazinha.

“ – Rei Arthur, tem razão, pois sou de fato uma fada. Além disso, digo-lhe que meu nome é Nymue e que sou a principal Dama do Lago de quem deve ter ouvido falar.” (p. 97)

– Estas questões de matriarcado são tão espinhosas. Quem se acha a principal, a mais bela, a mais poderosa. Tantas intriguinhas. Enfim, leia os quatro volumes de As Brumas de Avalon, da já citada Marion Z. Bradley, e você entenderá todo o riscado.

 

Surge a Távola Redonda

“ – Meu senhor Rei [falou Merlin a Arhtur], vou lhe contar uma história: nos dias de seu pai, Uther-Pendragon, mandei fazer para ele uma mesa em forma de anel, que os homens chamaram de Távola Redonda. Pois bem, em torno dessa mesa havia lugar para cinquenta homens, e esses lugares foram feitos para os cinquenta cavaleiros que fossem os mais valorosos de todo o mundo. E eram assentos do tipo que, quando aparecia um cavaleiro valoroso, seu nome surgia em letras douradas no lugar que lhe pertencia. E quando aquele cavaleiro morria, seu nome desaparecia de repente daquele lugar que ele antes havia ocupado.” (p. 158)

– Merlin, manda uma mesa dessa lá pro Congresso em Brasília. Será que acende algum nome?

“No meio da tenda ficava a Távola Redonda com lugar para exatamente cinquenta pessoas, e em cada um dos lugares havia um cálice dourado cheio de vinho perfumado e uma vasilha de ouro com pão branco fesco.” (p. 163)

– A Távola foi dote de casamento de Guinevere a Arthur. E foi o feito mais notável da existência dela.

 

Vai-se Merlin

“Segue agora então a história de como morreu Merlin, o Sábio. Nela vocês poderão ver como a própira sabedoria ilimitada de Merlin acabou sendo a causa de sua ruína.” (p. 173)

– Não gosto como sempre fazem troça de Merlin. Pyle lamentou que fosse mulherengo, Cornwel o pintou como um mero ilusionista, Marion o tornou insignificante – mas é um personagem tão querido, quase tão querido quanto Dumbledore. Aliás, sempre vi um no outro.

“ […] Quando Vivien percebeu que Merlin tinha acordado, ela riu e disse:

– Merlin, como estás?

Merlin então gemeu, dizendo:

– Vivien, tu me traíste.” (p. 196)

– Snif snif…

 

Tomando bronca

“Assim naquele dia Arthur venceu a prova da espada e assumiu seu direito de nascença à realeza. Portanto, que Deus conceda Sua graça a todos vocês, para que igualmente tenham sucesso nos seus propósitos. pois qualquer homem pode ser um rei na vida em que foi colocado desde que seja ele que retire a espada do sucesso do ferro das circunstâncias.” (p. 67)

– Tá compreendido?!

“Sim, aquele que é um verdadeiro rei entre os homens não dirá para si mesmo: ‘Olhem! Sou digno de ser coberto de louros’, mas sim ‘O que mais posso fazer para que o mundo seja um lugar melhor graças aos meus esforços?’” (p. 126)

– Aham, tá, sei.

“Pois quando um homem alcança o ápice de sua glória, então seu trabalho está cumprido e Deus o quebra como se quebra um cálice do qual se bebeu um licor perfeito, para que nenhum vinho ordinário possa conspurcá-lo. Da mesma forma, quando seu trabalho estiver feito e acabado, Deus quebrará o cálice de sua vida.” (p. 165)

– Fama e glória aos 27 anos? Tô fora.

“Mas Sir Ewaine disse:

– De jeito nenhum. Não lutarão mais. Que vergonha, Gawaine! Que vergonha envolver-te numa briga tão violenta com um cavaleiro que te encontrou de uma forma amigável e lutou de forma justa!” (p. 259)

– São essas chamadas de consciência que tanto amamos nas crônicas arthurianas.

“Também vocês, quando estiverem inteiramente casados com seu dever, serão tão dignos quanto aquele bom cavaleiro e homem, Sir Gawaine. Não é preciso que um homem use armadura para ser um verdadeiro cavaleiro, mas somente que se empenhe ao máximo, como toda paciência e humildade, em cumprir o que se espera dele.” (p. 321)

– Gente, os trovadores da Idade Média conheciama Bhagavad Gita!

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro © 2014

 

PYLE, Howard. Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda. Apresentação e notas Lênia Márcia Mongelli. Tradução Vivien Kogut Lessa de Sá. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

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