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Paris França – Gertrude Stein

Postado às 19:26 do dia 07/10/13

Era 1940 e a Europa, mal tendo enterrado os mortos de uma guerra, se via no meio de outra. Por isso o tema é uma constante neste livreto de Gertrude Stein (1874-1946), escritora norte-americana que viveu anos e anos na França e ajudou o mundo a conhecer nomes como Picasso, Braque e Matisse, além de ter servido como amiga e conselheira para Pound, Hemingway e Fitzgerald.

Iniciado pouco antes da II Guerra eclodir, Paris França deveria ter prosseguido no tom esperançoso das primeiras páginas, alguém declarando seu amor ao país que lhe acolheu, mas logo se percebe a mudança para tom mais sombrio. Graças ao estilo de Gertrude – que se vale de repetições de palavras e sentenças e de uma pontuação fluida, senão inexistente – , o relato vai apertando, as curiosidades que ela observa, com certa ironia, nos franceses, vai ficando comovente até que o óbvio se descortina: nada está como deveria estar por causa da guerra.

Penso, com alívio, que Gertrude pôde ver Paris ser desocupada pelos Aliados, mas imagino que horror não deve ter sido, para essa alma refinada, que viu o século XX nascer na capital mais alucinante do mundo, no período que, até então, mais tentou dar liberdade sexual e intelectual às mulheres, olhar de sua janela e dar de cara com Hiroshima e Nagasaki. Gertrude faleceu em 1946 e com ela todo um jeito de se dedicar à literatura.

Para leitores da Geração Perdida, recomendo este livro. Não contém os bastidores dos que frequentavam a casa de Gertrude. Nada de fofocas por aqui. No entanto, contém o coração da dona da casa, as lágrimas que ela teria deixado rolar enquanto escrevia se não fosse uma mulher tão bem humorada e inteligente. Vale muito a pena ler.

Ah, sim, uma última nota: um parabéns à tradutora Sônia Coutinho. Ela fez mágica com este trabalho.

Veja o que selecionei de bacana abaixo.

Savoir vivre

” Mas o que fazem mesmo é respetar a arte e as letras, se você é escritor tem privilégios, se é pintor tem privilégios e é agradável ter privilégios. Sempre me lembro de quando cheguei do campo à garagem onde habitualmente guardava meu carro e a garagem estava cheia mais do que cheia, era o momento do Salão do Automóvel, então perguntei eu o que eu posso fazer, bem disse o encarregado, verei e depois voltou e disse em voz baixa há um canto e nesse canto coloquei o carro de Monsieur o acadêmico e junto dele colocarei o seu os outros podem ficar do lado de fora e é inteiramente verdadeiro mesmo numa garagem um acadêmico e uma mulher de letras têm precedência até sobre milionários ou políticos, têm sim é inteiramente inacreditável mas têm […]” (p. 53-54)

– Acho que ainda hoje a França é um país onde escritores gostariam de estar. É claro que nos EUA e Inglaterra os escritores são estrelas, mas apenas na medida em que constroem rios de dinheiro com seus romances virando filmes de cinema e séries de TV. (PS: Percebeu a mágica que a tradutora fez com esse estilo lazarento de traduzir da Gertrude?! Formidável, né?)

“Uma vez escrevi e perguntei do que adianta ser menino quando se é criado para ser um homem do que adianta e do que adianta. Mas na França um menino é um homem da sua idade que ele tem e então não vem ao caso um menino crescer para se tornar um homem e do que adianta porque a cada etapa de estar vivo ele é inteiramente um homem vivo naquele tempo.” (p. 60)

– Nunca tinha percebido isso lá na França.

“Por isso é que o americano casado com uma francesa comentou minha irmã americana enfrenta maravilhosamente uma crise mas minha esposa francesa dá um jeito para que não surja uma crise.” (p. 62)

– Por isso as mulheres francesas não envelhecem: elas não têm crise de meia-idade.

“Os cães que não são úteis são um passatempo, como uma mulher certa vez me disse, temos muito prazer com os cães porque se pode mimá-los como não se pode mimar uma criança. Quando as crianças são mimadas demais, arruinamos seu futuro mas os cães podemos mimar sem pensar no futuro e isso é um grande prazer.” (p. 66) 

– Não tenho certeza se faz bem ouvir a opinião posta desse jeito.

“[…] então cada país é importante em diferentes ocasiões porque o mundo em greal precisa de uma imaginação diferente em diferentes ocasiões e então há Paris França de 1900 a 1939, onde todos tinham de ser livres.” (p. 69)

– Afinal, por que o mundo precisa dum Brasil 2014-2016?!

“E por isso a França foi tão importante no período entre 1900 e 1939, foi um período em que houve mesmo um sério esforço feito pela humanidade para ser civilizada, o mundo era redondo e realmente não deixaram nada desconhecido em cima dele e então todos decidiram ser civilizados.” (p. 71)

– Tá entendendo minha pergunta: por que o mundo precisa dum Brasil 2014-2016?!

 “Depois da guerra houve a americanização da França, automóveis que os impediam de ficar em casa, coquetéis, a preocupação de gastar dinheiro em vez de economizá-lo, porque gastar dinheiro é sempre uma preocupação para o povo francês, se podem economizar a vida é interessante, se gastam a vida é tediosa […]” (p. 84)

– Formidável.

“A relação dos franceses com Napoleão talvez seja a coisa mais curiosa neles, porque Napoleão só era latino na medida em que era soldado, não era civilizado não era lógico não era elegante. É realmente a única ocasião em sua história em que eles não foram completamente franceses […]” (p. 88) 

 – Todo mundo tem um exemplo assim na família.

“Quando um paí se acha num estado tal que as pessoas que gostam de comprar coisas não conseguem encontrar nada para comprar há alguma coisa errada.” (p. 94-95)

– Tá vendo, isso comprova que se mora décadas na França e não se passa a pensar como uma francês.

 “Os franceses gostam de chamar os animais com nomes atuais, os nomes de pessoas não mudam muito mas eles gostam de seguir a moda nos nomes dos animais.

“Sempre me agradou que os meninos franceses muitas vezes se chamam Jean-Marie, pode-se usar um nome de mulher para acompanhar o nome de homem, santifica o nome masculino acrescentar-lhe o nome de mulher, e isto é civilizado e lógico e talvez seja elegante, sempre existiu.” (p. 101) 

– E o que poderia significar o português ter criado o Maria-José?

“Seja como for acrescenta ela [Madame Chanel] pensativamente os homens gostam de guerrear. Eles são pouco razoáveis se chove demais querem guerrear qualquer coisa faz os homens guerrearem.” (p. 110)

– Qualquer mãe de filhos homens constata facilmente que isso é verdade.

“Em tempo de guerra crianças ca~es e galinhas ficam assustados ou são mais teimosos do que o habitual, ou uma coisa ou utra. E há um número maior deles mais galinhas cães e crianças do que antes. Helen Buton sabia disso. E um cão tinha mais probabilidade de matar uma galinha em tempo de guerra do que em tempo de paz.” (p. 113)

– Que ângulo pra se enxergar a coisa, meu deus!

“Realmente nunca conheci Paris dureante uma declaração de guerra. As guerras sempre acontecem em período de férias e em clima de férias, então não estamos em Paris. Paris se encontra sempre lá, pelo menos nós no campo supomos isso embora não estejamos numa ocasião dessas muito conscientes da sua existência, o início da guerra é tão absorvente onde a pessoa está, que mesmo Paris não está lá. Assim é a concentração de isolamento que é a guerra.” (p. 140)

– Sempre achei que Paris fosse a verdadeira cidade eterna.

revisto por Mayra Corrêa e Castro (r) 2013

 STEIN, Gertrude. Paris França. Tradução Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012, 2ª edição.

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