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Os Franceses – Ricardo Corrêa Coelho

Postado às 14:53 do dia 04/05/12

Eu amo Paris, amo Balzac, amo a França – nesta ordem. Quando estive pela primeira vez em Paris, era menina de 12 anos. Meu pai dirigia pela Champs Élysées e estávamos de costas para o Arc du Triomphe, voltando para nossa última noite num hotel que não me lembro se se chamava Cambon ou ficava na rua Cambon. Eu estava muito decepcionada porque não tinha conseguido ver o Arco iluminado – era verão e para além da novidade de ainda não estar noite às 22 horas, eu e meu irmão queríamos ver as famosas luzes de Paris. Quando então meu pai ia fazer uma curva para sairmos da avenida, eu decidi dar uma última olhada no Arco. No momento em que virei para trás o pescoço, ele se iluminou. E esta é a minha primeira memória de Paris.

Na segunda vez, fiquei na cidade mais tempo, pois tinha ido para estudar num intercâmbio de segundo grau. Me marcou o fato do Arco estar todo coberto com um pano azul  – Paris estava inteira em reformas e às vésperas da data que marcaria o início de fato da Comunidade Europeia e do Euro.

Na terceira vez, já adulta, perseguia a pé os caminhos de meus heróis literários e dos pincéis franceses, quem sabe à caça de uma emoção como aquela do Arco se acendendo para mim. Fiquei hospedada no Marais, percorri a pé ruas e ruas, fui a praças e casas que tinham inspirado seguidamente Dumas, Balzac, Monet, Degas – e nada. Nenhuma emoção mais forte. Então resolvi ir à Torre Eiffel. Anoitecia e no instante mesmo em que pisei o pé para fora do metrô e olhei para o alto, a Torre se acendeu com as luzes do novo século! Paris nunca me decepcionou!

Ler esta livro foi recordar e aprender – e em certo grau lamentar não ter tido a oportunidade de visitar Paris novamente. Mas viajei pelas páginas e tive boas recordações. Acredito que minha próxima viagem até lá será ainda mais surpreendente. Ça sera à nous deux!

 

Sabonete

“Outra invenção gaulesa para a civilização europeia foi o sabonete. Embora os sírios já tivessem inventado o sabonete séculos antes, utilizando uma mistura de óleo de oliva, soda vegetal e cinza de folhas de louro, eles o utilizavam com finalidade estritamente medicinal para desinfecção. Na Europa, os gauleses acabariam desenvolvendo o mesmo produto, misturando cinzas alcalinas com sebo de boi ou de carneiro, mas utilizando-o para higiene corporal. Essas invenção, entretanto, não foi adotada pelos romanos, que mantiveram o hábito de frequentar as termas, cuja finalidade não se restringia à higiene corporal.” (. 25)

– Estou lendo outro livro, A História Secreta de Paris – um catatau que pretendo comentar aqui no blog também –, que se dá a trabalho de explicar por que banho não era um troço a que os parisienses fossem chegados durante o longo período que levou a cidade do status de chaga europeia ao destino turístico número um no mundo. Então, enquanto não posto citações desta obra, fica aqui minha advertência: a culpa não foi dos parisienses se banho não era seu forte. Este trecho do sabonete é muito curioso. Não me lembro onde li que foi um francês da indústria de cosmético que inventou o sabonete líquido e, por isso, ganhou uma medalha de honra porque, graças a sua invenção, os franceses passaram a tomar banho mais que uma vez por mês. Não me lembro, preciso rever pra contar esta história direito; mas o cara virou herói nacional, festejado como um grande sanitarista por conta de sua invenção.

 

Banho

“No tempo de Hausmann, a água era um bem bastante escasso. Nem todos os andares dos prédios eram sevidos por água encanada, que normalmente só chegava ao segundo pavimento, onde viviam os mais ricos. […] Nesse quadro de escassez, banheiros nas residências eram então um luxo inimaginável e descabido, até porque o banho não fazia parte dos hábitos franceses. Pouquíssimas residências tinham sequer banheiras, muito menos banheiros. No final do século XIX, quando o banho começou a entrar nos hábitos bissextos das classes mais abastadas, o mais comum era a contratação dos serviços de banhistas ambulantes, ‘em geral homens fortes que carregavam banheira e água quente até um apartamento e depois desciam com tudo de novo’.” (p. 150)

– Trouxe este trecho falando sobre banho porque acho surpreendente. Vamos lá, gente, Hausmann foi o prefeito de Paris entre 1853 e 1870. Meu querido Balzac viveu numa mansarda – apartamentos pequenos nos penúltimos andares dos prédios da época –; coitado, não tomava banho, portanto. E depois podemos imaginar o comentário do populacho ao ver subir uma banheira com água quente escada acima “Hum, madame toma banho hoje!” como uma prova fidedigna de importantes encontros amorosos. Da leitura de um outro livro – A Casa da Sabedoria – fiquei sabendo que esta coisa que leva água para cima, a bomba hidráulica, foi inventada pelos árabos séculos ante sdos europeus descobirem seus bons proveitos. Para você ver que limpeza e inteligência não andavam juntos. Outro fato curioso que recordo com a leitura desta passagem, extraído do livro A História Secreta de Paris, é que a primeira greve de estudantes de  que se tem notícia na civilização foi em Paris e adivinhe por que motivo? Porque o preço do vinho tinha aumentado. E antes que você comece a rir, lembrando de seus tempos de faculdade em que bebia todas, saiba que, até o século XIX, beber água era pedir para adoecer; então o povo tinha que beber vinho mesmo, tá? Nós vivemos numa época boa, meu amigo.

 

La Révolution

“Assim como o grande escritor e poeta português Fernando Pessoa um dia escreveu ‘a minha pátria é a língua portuguesa’ para manifestar todo o seu amor e apego à sua língua materna – que o seu colega brasileiro e parnasiano Olavo Bilac iria descrever como ‘a última flor do Lácio: inculta e bela’ – , também  os franceses do século XVIII em diante, poderiam dizer que sua pátria não é o território onde se situa a França, mas os ideais iluministas que a Revolução Francesa se encrregou de espalhar pela Europa e depois pelo mundo.” (p. 53)

– Gosto desta passagem, embora ela não traga muita novidade, porque dá a dimensão da importância da Revolução no imaginário francês. O que frequentemente esquecemos é que os contemporâneos não-parisientes de 1789 detestaram a Revolução. Napoleão pegou uma carona legal nela, mas ele mesmo achava tudo aquilo uma baboseira tremenda. E se Paris fazia sucesso naquela época, parece que parte do apelo não eram os revolucionários, mas o fato deles tolerarem doses igualmente libertárias de sexo e álcool. Cadê o Narloch pra fazer um guia politicamente incorreto dos ideais revolucionários do 14 Juillet?

 

Ingleses e Franceses

“Para os franceses, os britânicos são muito ambíguos e pouco comprometidos com o fortalecimento da União Europeia.” (p. 123)

“Para os franceses, o vigor e a exemplaridade da sua cultura e de seu modo de ser estão precisamente no seu inconformismo, na sua capacidade de se indignar e resistir, no confronto acalorado de posições e ideias de onde surgiria a luz da razão, e não na aceitação e acomodação a fatos consumados. O modelo inglês seria, portanto, quase que incompatível com a própria natureza francesa.” (p. 127)

– Eu acho que toda esta discussão é uma coisa só: os franceses depuseram seu rei e conseguiram produzir apenas um Victor Hugo. Os ingleses tinham uma rainha e produziram Shakespeare; têm outra rainha de mesmo nome e agora criaram Jo Rowling. Isto deve dar uma inveja danada.

 

Inglês e Francês

“Falar bem francês, por outro lado, implica o recurso a digressões e ponderações diversas, que compõem um discurso certamente coerente, racional e cartesiano, mas que não é facilmente compreensível em poucas palavras; a elegância do discurso em inglês encontra-se na formulação de uma tese facilmente compreensível em poucas palavras; a elegância do discurso em francês, em compensação, reside na discussão das diferentes teses sobre um mesmo tema. Essa diferença fundamental na forma de se comunicar talvez esteja na origem de tanta dificuldade de entendimento entre uns e outros.” (p. 129)

– Então Hemingway chega a Paris e que mandem às favas as teses.

 

Minitel

“O uso do minitel foi tão difundido entre os franceses que retardou a sua adesão à internet. Se, em 1985, havia mais de um milhão de aparelhos de minitel em operação na França, em 2000 esse número iria chegar perto de nove milhões, servindo a cerca de 25 milhões de pessoas, o que correspondia a pouco mais de 40% da população do país.” (p. 187)

– Eu usei um minitel quando fiz meu intercâmbio por lá. Era um aparelhinho mágico, ainda mais para um garota de 14 anos de idade vindo de um país onde a linha telefônica fixa custava coisa de milhares de cruzeiros (cruzados, cruzados novos? nunca sei….) Para você captar a situação do minitel na França, basta lembrar que a banda B de telefonia celular no Brasil começou a operar por volta de 1996/1997. Em 2000 todos já podíamos votar no Big Brother através de de torpedos, e a internet, se não era popular, era bem pulsante. A França tem cada idiossincrasia!

 

Flâner

“Os franceses são, em geral, muito ativos e detestam perder tempo e ficar à toa. Mas quando se trata de fazer as refeições eles não têm nenhuma pressa.” (p. 188)

– Me desculpe, Rodrigo, eu não consigo entender metade desta frase: como assim detestam perder tempo?! Da onde vem a criação do hábito de flâner?

 

Vegetarianismo

“Se no mundo contemporâneo comer carne ou ser vegetariano é uma questão de opção alimentar de cada indivíduo, que independe da sua condição econômica, até às vésperas da Revolução Francesa esse era um divisor de classe. Desde a Antiguidade até a Idade Média, comer carne era um privilégio dos ricos.” (p. 219)

– Estou aqui recordando do “frango do Sarney”. Quem tem menos de 35 anos não vai recordar esta época, que foi gloriosa em charges no Brasil. De repente, com o Cruzado, todo mundo podia comprar frango, que era uma carne de ricos. Daí o frango sumiu das prateleiras. Hoje, frango é carne comum, para o infortúnio destas aves. Apesar de carne ser um divisor de classes na França revolucionária, o senhor imperado, seu Napoleão, mandou erguer em Paris uns três ou quatro matadouros, sabia? Turma rica cheia de apetite aquela, hein?!

 

Intelligentzia

“Entre todas as particularidades da vida politica francesa, talvez a mais marcante seja a participação e o engajamento dos seus intelectuais no debate público. […] Pensadores e filósofos são tão conhecidos da população em geral quanto jogadores de futebol, cantores populares e estrelas de cinema. “ (p. 263)

Tout à fait! O “j´accuse” de Zola é uma das primeiras coisas que aprendemos quando a Aliança Francesa quer nos ensinar sobre a grandeza de seus pensadores. No Brasil, a primeira frase que lembramos de um intelectual não é a acusação, mas o elogio: “o sertanejo é antes de tudo um forte”. São nossas preferências de temperamento, fazer o quê?

 

Louvre

“É notável que o Museu do Louvre tenha sido criado justamente no momento mais crítico da Revolução Francesa, em 1793, em pleno período do terror.” (p. 305)

– Isto é de fato surpreendente. Mais surpreendente ainda é esquecermos que os corredores do Louvre ficaram entulhados de lindas obras de arte graças à pilhagem que Napoleão trazia de cada vitória sua em outros países. Não sei se houve restituição destas obras depois, mas o Louvre, no início, foi um museu de obras roubadas. Aliás, sim, eu prefiro o Musée d´Orsay, indubitavelmente. Acho o Louvre escuro demais.

 

 

COELHO, Ricardo Corrêa. Os franceses. São Paulo: Contexto, 2007.

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