Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > contos > O visconde partido ao meio – Ítalo Calvino

< voltar

O visconde partido ao meio – Ítalo Calvino

Postado às 20:49 do dia 05/07/12

O visconde Medardo di Terralba sai de suas terras acompanhado de seu escudeiro, Curzio, para colocar sua espada a serviço da majestade, contra os turcos, numa batalha que se estende pelas terras da Boêmia. O visconde é apenas um jovem imaturo que segue viagem sem nada temer porque desconhece as mínimas coisas da vida, que vão sendo apresentadas no caminho por Curzio. Alistado, vira lugar-tenente e participa de sua primera resfrega. Primeira e última, porque a bala de um canhonaço lhe parte pela metade, exatamente na metade.

Nas terras de Terralba, os conterrâneos e alguns poucos parentes aguardam notícias suas: pai, sobrinho, ama. A chegada de Medardo surpreende a todos com alegria. Entretanto, logo percebem que o visconde não voltou inteiro, dividido ao meio. Para piorar, apenas com a metade má, que começa infernizar a vida de servos e homens livres, e também a vida do sobrinho , que é quem narra a história do tio e vive escapando às tentativas daquele de matá-lo. Num dia de chuva, eis que a metade boa do visconde retorna. Num primeiro momento, todos ficam maravilhados com tanta bondade em tão pouco homem, até que a obstinação da metade boa em fazer o bem os aprisiona em outra espécie de mal. Mas parece que uma noiva com temor de desposar seja uma metade, seja outra, e um médico que não gostava de anatomia têm a solução do problema.

Aqui está o enredo do conto. No mesmo estilo, O Cavaleiro Inexistente (1959), também de Ítalo Calvino (1923-1985), narra a aventura de um paladino sem corpo que se alista nas fileiras de Carlos Magno contra os sarracenos. O Visconde é um livro anterior (1952) e isso talvez explique alguns excessos de estilo que não se encontram n´O Cavaleiro: repetições de metáforas, um certo rebuscamento de linguagem, recursos para virar a história do avesso que poderiam ter aparecido antes. De qualquer forma, é um ótima história com a moral óbvia de que nem todo mal é inteiramente mau, nem o bem necessariamento bom.

Aqui vão os melhores trechos.

 

Reflexões da metade má

“Que se pudesse partir ao meio toda coisa inteira – disse meu tio, de bruços no rochedo, acariciando aquelas metades convulsivas do polvo –, que todos pudessem sair de sua obtusa e ignorante inteireza. Estava inteiro e para mim as coisas eram naturais e confusas, estúpidas como o ar: acreditava ver tudo e só havia casca. Se você virar a metade de você mesmo, e lhe desejo isso, jovem, há de entender coisas além da inteligência comum dos cérebros inteiros. Terá perdido a metade de você e do mundo, mas a metade que resta será mil vezes mais profunda e preciosa. E você há de querer que tudo seja partido ao meio e talhado segundo sua imagem, pois a beleza, sapiência e justiça existem só no que é composto de pedaços.” (p. 50)

– Uma das coisas divertidas na narrativa são as pistas que vão sendo deixadas por ambas as metades de Medardo avisando de sua presença. Nesse trecho, sabemos que Medardo passou pelo campo porque todos os elementos da paisagem foram divididos: flores, frutos, animais. Aí está a explicação de por que Medardo mau começa a cortar ao meio tudo que vê pela frente.

“Cada encontro de duas criaturas no mundo é uma dilaceração.” (p. 53)

– O segredo que Medardo mau aprende é que só pode haver plenitude num mundo sem pares opostos.

 

Reflexões do sobrinho

“Assim passavam os dias de Terralba, e os nossos sentimentos se tornavam incolores e obtusos, pois nos sentíamos como perdidos entre maldades e virtudes igualmente desumanas.” (p. 86)

– Gosto muito dessa frase, pois revela que o natural do ser humano é a imperfeição.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

 

CALVINO, Italo. O visconde partido ao meio. Tradução Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

COMPRE ESTE LIVRO NA AMAZON

Comentários

Assinar Newsletter