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O universo autoconsciente – Amit Goswami

Postado às 21:27 do dia 29/05/24

Se eu tivesse lido este livro aos 20 anos talvez tivesse me entusiasmado; mas tenho 50 e me soou com um conto de fadas pra crianças (inclusive em alguns recursos linguísticos). Tá certo que tem uma física quântica no meio; só que, em um século em que seus conceitos estão explicados até na Khan Academy, fica difícil levar a ambição de Amit Goswami a sério: a de postular que a prima força seja a consciência. Ou seja, a tônica do livro é dizer que tudo que existe se origina da consciência e não da matéria – e que continua sendo possível fazer ciência crendo-se nisto.

A razão de eu ter lido este livro é que estou me instruído na discussão ciência x pseudociência. Então tô lendo a turma fora da casinha e a turma enclausurada na casinha. Espero, assim, poder transitar dentro e fora livremente, pois não me agrada nem estar o tempo todo fora, nem o tempo todo dentro.

Penso que a melhor opinião que eu possa dar sobre este livro seja comentar as suas melhores partes, com a observação de que é 100% possível apreciar uma parte sem necessariamente concordar com ela, tá bem? Quando leio livros, lembro do que aprendi com uma perfumista: você pode reconhecer em um perfume uma bela construção sem precisar querer usá-lo. Então, sobre este livro, reconheço seu encanto – apenas não é o que me encanta.

 

Em uma casca de noz

“(…) aparentemente, o universo não existe sem algo que lhe perceba a existência.” (p. 13)

– E, disso decorre: sem que aquilo que percebe viaje no tempo.

“A alternativa que proponho neste livro é o idealismo monístico. Esta filosofia é monística, em oposição à dualística, e é idealismo porque ideias (não confundir com ideais) e a consciência da existência das mesmas são consideradas como os elementos básico da realidade; a matéria é julgada secundária. Em outras palavras, em vez de postular que tudo (incluindo a consciência) é constituído de matéria, esta filosofia postula que tudo (incluindo a matéria) existe na consciência e é por ela manipulado.” (p. 28)

– Sempre me surpreende haver pessoas que ainda queiram propor ismos depois da segunda metade do século XX.

“O misticismo oferece prova experiencial do idealismo monista.” (p. 71)

– Bom, sempre há a possibilidade de toda experiência mística ser apenas alucinação. E se é possível criar alucinação com substâncias químicas, é possível criar experiência mística com elas. Neste caso, a prova seria de que o idealismo monista é uma experiência neuroquímica…

“O místico percebe claramente que a ignorância da unicidade transcendente é o obstáculo ao amor.” (p. 77)

– Escuto isto desde que sou pequena. Contudo, de que serve? A experiência mística, toda vez que tentou ser replicada a um conjunto de pessoas pra que “curassem o mundo pelo amor”, terminou com um guru acusado de abuso.

“Jamais encontraremos o amor se reprimirmos o fato do ódio.” (p. 264)

– Nisto concordamos, exceto que eu acho que o fato de encontrar o amor não resolverá o problema do ódio.

“Claro, nós não somos o centro geográfico, mas não é este o problema. Somos o centro do universo porque somos seu significado.” (p. 172)

– Eu nem tenho roupa pra isso.

“O erro cometido pela maioria dos profetas foi a falta de ênfase na motivação transformadora como fundamental.” (p. 313)

– Profissão em ascensão: coach de profeta. Porque, realmente, se não tivessem falhado exatamente neste ponto, eles seriam maiores ainda do que foram, certo?

 

Mais científico que a própria ciência

“Queremos ser científicos. Pensamos que estamos sendo, mas isso não acontece. Para sermos realmente científicos, temos de lembrar que a ciência sempre mudou, na medida em que descobria novas coisas.” (p. 33)

– Na crítica ao comportamento fetichizado para com a ciência, vou com Amit. Desconfio fortemente que o povo que goza ao chamar algo de pseudociência perdeu a capacidade de gozar pelos métodos convencionais.

“A integração de ciência e misticismo não tem de ser tão desconcertante assim. Afinal de contas, elas compartilham uma semelhança importante: ambas nasceram de dados empíricos interpretados à luz de princípios explanatórios teóricos. (…) Finalmente, tal como a ciência, o misticismo parece ser uma atividade universal. Nele não há paroquialismo. Este surge quando as religiões simplificam os ensinamentos místicos para torná-los mais acessíveis às massas da humanidade.” (p. 75)

– Em primeiro lugar, eu pensava que o misticismo nascia da experiência prática, mas ok. Segundo, Jung tem uma boa explicação de por que as pessoas mais racionais são as que tendem a se interessar pelo obscurantismo (e há muitos nomes pra testemunhar isto, inclusive entre prêmios Nobel de ciência). Em sua tipologia, ele diz que a função extrovertida do pensamento é impactada pela função introvertida do sentimento, revelando-se “concomitantemente” na adesão ao misticismo.

“Faça um esforço para suspender a descrença e lembre-se do que Robert Oppenheimer disse certa vez: ‘Ciência é senso incomum’.” (p. 113)

– Outra maneira de ler isto é dizer que ciência é contraintuitiva.

“O paradoxo é uma maneira muito eficaz para sacudir um intelecto paralisado.” (p. 281)

– Aqui ele está falando dos koans. Eu tenho um pouco de mau humor com koan. Já louvei o método; hoje, como tenho sérias restrições a gurus, tendo a achar que muitos que usam koans estão apenas disfarçando o fato de não terem a menor competência pra orientar pessoas (além de que alguns o fazem por sadismo mesmo).

“Nossa ciência desacreditou paulatinamente o preconceito religioso e o dogma rígido e minou a prática de rituais primitivos e a adoção de estilo de vida místicos, mas comprometeu também o que é duradouro nos ensinamentos religiosos, nos rituais e nos mitos – valores e ética. Poderemos restaurar os valores e a ética, mas livres de dogmas?” (p. 302)

– Não seria nos países escandinavos a maior proporção de ateus? Vamos ver por lá como ficou o mundo sem o dogma religioso.

 

Emergência

“Nem tudo que é desnecessário é proibido na natureza, mas não é provável que ocorra. A consciência pode parecer desnecessária a uma máquina de Turing clássica, e isso já é motivo suficiente para duvidar que essas máquinas, por mai sofisticadas que sejam, tornem-se conscientes um dia. O fato de termos consciência sugere apenas que nossos desempenhos de entrada e saída não são determinados somente pelos algoritmos dos programas da computação clássica.” (p. 41-42)

– Meus conhecimentos não me permitem discutir, nem do ponto de vista da biologia, nem do ponto de vista da filosofia, se de fato o que é desnecessário é raro; mas minha intuição, que é fortemente enviesada pra uma visão de mundo onde muita coisa ocorre ao acaso, diria que aquilo que é desnecessário seria a regra, e aquilo que é necessário tornou-se necessário pela evolução. Eu até diria que um epifenômeno como a consciência (assumindo-se que o seja, i.e., a consciência como uma propriedade emergente de um sistema orgânico complexo) evoluiu pra parecer desnecessária a fim de que servisse como fonte de sentido à vida. Mas me falta estofo pra elaborar esta intuição. (E também pouco me importa, na real.)

“A intuição de um gênio é frequentemente frutífera de maneiras inesperadas, que pouco têm a ver com os detalhes da teoria da pessoa em causa.” (p. 149)

– Um dos erros mais lastimáveis da atualidade é reduzir as pessoas ao que, em seu comportamento, é digno de ser mostrado. É porque gênios possuem porões escuros que eles nos brindam com suas obras e ideias. Todos os malditos, retire-lhes o que lhes é execrável e talvez não tivessem produzido as obras incríveis que produziram.

“O fenômeno de acesso simultâneo a palma como árvore e parte da mão é difícil de explicar acuradamente em uma descrição linear clássica do cérebro-mente, porque tal descrição é do tipo ou isto/ou aquilo. É óbvia a vantagem da descrição quântica do ‘ambos-e’.” (p. 200)

– Avisem aos linguistas que a polissemia é quântica.

“Sugiro que, no futuro, ciência e religião cumpram funções complementares – a ciência realizando o trabalho preliminar em forma objetiva do que precisará ser feito para recuperar o encantamento, e que a religião oriente a pessoa através do processo de fazê-lo.” (p. 255)

– Eu teria curiosidade de indagar como um advaita postula que tudo é um e depois divide ciência e religião… #prontofalei.

“Computadores são muito competentes no reembaralhamento de objetos dentro de contexto fornecidos pelo programador, mas não podem descobrir novos contextos. Seres humanos podem fazer isso por causa de nossa consciência não local, que nos permite saltar para fora do sistema.” (p. 265)

– Desejo que isto seja verdade. Mas se a consciência é um epifenômeno, é o grau de complexidade que determina a capacidade de saltar para fora, não?

“Nosso objetivo na meditação é reduzir nossa probabilidade, de quase 100%, de uma resposta fixa a um estímulo condicionado.” (p. 292)

– Esqueça a iluminação da consciência, senhores. Yoga citta vrtti nirodhah é para os fracos. Bom mesmo é reduzir respostas fixas.

“Pregar o que não se pratica pode ser perigoso.” (p. 311)

Nassim Nicolas Taleb concordaria com isto.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2024

 

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. [Tradução de: Ruy Jungmann]. 4a. ed. São Paulo: Goya, 2021. 368 p.

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