Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > autoconhecimento > Luz na Vida – B. K. S. Iyengar
A Luz da Ioga (Light on Yoga) não é o melhor livro de Iyengar: é o livro essencial de Iyengar Yoga. O melhor livro do mestre Iyengar, em minha opinião, é Luz na Vida. Já faz quatro anos que li este livro pela primeira vez. Então eu estava iniciando meus estudos no método Iyengar, já sendo uma professora de yoga com seis anos de experiência. Ainda assim, o método Iyengar foi uma revelação – em todos os sentidos da palavra. Para trazer as melhores partes deste livro até aqui, suspiro fundo e receio não dar conta do recado. Luz na Vida é a experiência de um professor que neste ano fará 94 anos e ainda pratica, diariamente, seu yoga. A poesia que ele teceu com seu corpo não é menos bela que a contida em suas palavras. Para prefaciar esta postagem, trago uma de suas declarações mais célebres:
“Quando eu pratico, sou um filósofo. Quando eu ensino, sou um cientista. Quando eu demonstro, sou um artista. – BKS Iyengar”
Sadhana, a práticahttps://casamay.com.br/asmelhorespartes/luz-na-vida-b-k-s-iyengar/luz-na-vida-iyengar/
“[…] por meio da prática perseverante e prolongada, qualquer pessoa pode trilhar o caminho da ioga e alcançar a meta da iluminação e da liberdade. Krishna, Buda e Jesus residem no coração de todos nós.” (p. 13)
– Esta abertura é das mais conhecidas do yoga. O mestre de Iyengar – que foi também mestre de todos os outros professores que importam no Ocidente, como Indra Devi, Desikachar e Pathabi Jois –, chamava-se Sri Krishnamacharya. Se nenhum de seus alunos se transformou num yogi teórico, o motivo foi ele. Yoga é prática – sadhana, que é a palavra em sânscrito para isso. Outro ponto que chama imediatamente atenção logo na abertura do Luz na Vida é, evidentemente, seu caráter não-religioso. Embora haja cultos que gostem de dizer que yoga é coisa do diabo ou coisa anti-cristã, não é. Yoga, parafraseando outra declaração célebre de Iyengar, é para todos.
“O que aprendi com ioga veio da própria ioga.” (p. 14)
– A gente estuda tanto e de tudo e vem Iyengar e diz isso. Pois é. Por isso ele é mestre; a gente, aprendiz.
“Sejam inspirados, mas não orgulhosos. Não mirem baixo, pois vão errar o alvo. Mirem alto – e estarão no limiar da beatitude.” (p. 15)
– É esta atitude que devemos ter com nosso sadhana, não importa com que idade tenhamos começado a praticar.
“Meu ássana é meditativo, e minha prática de pranaiama, devocional.” (p. 46)
– A dele, tá, gente. A nossa ainda é aquilo que conseguimos fazer.
“Aprender é muito difícil, mas é duas vezes mais difícil conservar o terreno conquistado.” (. 92)
– Isto me lembra dietas que nunca conseguimos manter. Mas a verdade é que eu acho que o que conquistamos com o yoga volta até que rápido assim que retomamos a prática; mais rápido do que se estivéssemos retomando qualquer outra coisa feita com o corpo, como, por exemplo, fôlego para correr. É minha opinião. Acho o yoga menos ingrato, neste ponto, que as modalidades de exercícios físicos.
“Por quê? Porque ioga é meditação.” (p. 196)
– E que fique claro!
“Não quero desenvolver no meu sistema o caráter da natureza tamásica, só isso. Você talvez queira saber por que pratico então? Pratico para que a natureza tamásica não predomine sobre minha natureza sátvica.” (p. 270)
– Tamas, Rajas e Sattva são as qualidades da natureza. Para entender melhor, sugiro que apanhe um bom livro de yoga ou de filosofia hindu.
“Para o iogue não existe aposentadoria.” (p. 276)
– Quando cheguei para meu professor Luigi Ridolfi eu já contava com alguns anos em sala de aula ensinando yoga. Eu tinha então 34 anos e estava com dúvidas sobre a validade de iniciar uma formação num novo método, o método Iyengar, que leva, em sua primeira etapa, a extensão de três anos. Eu me achava velha para isso. Então Luigi me disse: “Hoje você tem 35, 34 que seja. Quando tiver 50, será uma excelente professora.” Isto me animou, porque eu não tinha entendido, até aquela data, que yoga era para a vida toda. Desta inspiração nasceu um texto que constantemente é bem recebido em meu site e se chama “Que nem Vinho” e fala sobre a maturidade no yoga. Você pode lê-lo, se quiser.
Aquilo que buscamos
“[…] Como animais, andamos pela terra. Como portadores da essência divina, vivemos entre as estrelas. Como seres humanos, estamos presos nesse intermédio, tentando conciliar o paradoxo de trilhar nosso caminho na terra enquanto buscamos algo mais permanente e profundo.” (p. 20)
– Uma das coisas bacanas deste livro é que Iyengar fala de sua vida-vidinha, isto é, fala das preocupações que teve como todo mundo as têm: sustentar família, ficar chateado com seu mestre, querer encontrar um sentido em tudo isto.
“Assim como as plantas buscam a luz do sol, a vida busca a plenitude.” (p. 21)
“Não há como progredir rumo à liberdade suprema sem transformação.” (p. 33)
“[…] a senda que leva ao espírito se situa inteiramente nos domínios da natureza. Trata-se de explorá-la, desde o mundo das aparências, ou superfície, até o coração mais sutil da matéria viva. A espiritualidade não é um objetivo externo que devemos perseguir, mas uma parte do cerne divino em cada um de nós que devemos revelar.” (p. 47)
“Só podemos esperar realizar alguma coisa em nossa vida espiritual se primeiro prestarmos atenção no corpo físico”. (p. 52)
– Não sei como as pessoas, depois de pouco mais de 15 anos da popularização do yoga no Brasil, recebem este tipo de mensagem, se é novidade ainda ou ponto pacífico. Acho que nós devemos muito ao yoga por tornar palpável a ideia de desenvolvimento espiritual. Você acha também?
“Costumo descrever a hata-ioga como ‘ioga da vontade’.” (p. 167)
– Gosto muito desta definição.
“Contentamento é isto: ondas de pensamento menos turbulentas no lago da consciência.” (p. 181)
– Santosha, contentamento, é um conceito importante dentro do yoga.
“A isso me referia quando disse que a grande arte de viver é aprender a viver na incerteza.” (p. 243)
– Iyengar diz que o yoga ensina esta arte.
“Os valores espirituais não são o molho no prato da vida material, a ser degustado somente aos domingos. Eles são o prato principal, que nos alimenta e sustenta.” (p. 243)
– Não fui à Índia. Meu marido já e muitos amigos meus. Todos são unânimes em dizer que uma das coisas que mais impressiona por lá é que a religiosidade permeia o ar que se respira e o pó da terra em que se pisa.
Objetivo do yoga
“A ioga é o livro que contém as regras do jogo da vida.” (p. 22)
– Quando o Conselho Federal de Educação Física ficou com aquela coisa besta de querer que yoga fosse uma competência exclusiva de profissionais de educação física, yogis tiveram que ir ao Congresso Nacional para explicar que yoga não é ginástica, é filosofia de vida e, por isso, não é estudando educação física que se formarão professores de yoga.
“A ioga libera o potencial criativo da vida, e faz isso estabelecendo uma estrutura para a auto-realização, mostrando como podemos avamçar na jornada, descortinando uma visão sagrada do Supremo, da nossa origem divina e do destino final.” (p. 28)
“Sócrates advertia: conhece a ti mesmo. Conhecer a si mesmo é conhecer seu corpo, sua mente, sua Alma. A ioga, como costumo dizer, é como a música. O ritmo do corpo, a melodia da mente e a harmonia da Alma criam a sinfonia da vida.” (p. 28)
– Numa prática de Iyengar Yoga, devemos prestar atenção tanto nos poros da pele, quanto nos pensamentos.
“[…] a realização espiritual de uma pessoa se revela na maneira como ela age e interage com seus semelhantes.” (p. 39)
– Esta frase me lembrou uma que li no Facebook: “Não adianta praticar yoga e não cumprimentar o porteiro.”
“Para o iogue, o corpo é o laboratório da vida, um campo de experimentação e pesquisa permanente.” (p. 52)
– Aqui mora o perigo, é aqui que a turma confunde yoga com ginástica. Você precisa praticar yoga para entender que um yogi não entende seu corpo apenas com um amontoado físico flexível. Veja abaixo:
“[…] cada ássana deve ser realizado não como um simples exercício físico, mas como meio de entender o corpo e então integrá-lo com a respiração, a mente, a inteligência, a consciência e o centro. Dessa maneira, pode-se experimentar a verdadeira integração e alcançar a liberdade suprema.” (p. 53)
“A arte da ioga reside na acuidade da observação.” (p. 62)
– Eu acho, mesmo, que o Iyengar Yoga não é para todo mundo. (Mas concordo que o yoga é para todos!) Iyengar Yoga é para aquele tipo de pessoa que se compraz em ver, analisar, avaliar, que enxerga nos detalhes o alento da vida, que vê nas minúcias as flores do caminho.
“Não há nada no mundo que esteja livre de estresse, do nascimento à morte. Em vez de perguntar se é possível libertar-nos completamente do estresse, devemos questionar até que ponto ele é aceitável.” (p. 113)
– Acho esta perspectiva libertadora e acho que todo médico que manda um paciente fazer yoga para ser menos estressado deveria ele próprio fazer yoga. O objetivo do yoga não é nos libertarmos do estresse, mas lidarmos com o estresse na vida, aceitando-o como parte intrínseca do viver. Não, apague o que acabei de dizer: é ridículo reduzir o objeto do yoga a qualquer aspecto que seja relacionado ao estresse. Lidar com o estresse não é objeto do yoga, é uma consequência do processo yogi. Melhor assim.
“Embora a ioga comece com o culto do corpo, ela leva ao cultivo da consciência. (p. 115)
– Iyengar fala bem melhor que eu, tá vendo? É isso que eu queria ter dito acima..
“A maioria dos ocidentais tenta resolver suas dificuldades emocionais usando a compreensão intelectual. Contudo, elas só podem ser resolvidas por meio da compreensão emocional.” (p. 119)
– Será por isso que as psicoterapias corporais estão mais em voga que os métodos puramente verbais?
“Quando optamos por nos identificar com a parte de nós que está fadada a morrer, condenamo-nos à morte.” (p. 161)
– Ôxi!
“Devemos ter aspiração espiritual, não pretensão espiritual.” (p. 278)
– Às vezes topo com um preconceito muito sutil que separa os espiritualizados dos não-espiritualizados, como se a nova ordem de Aquário fosse abrir uma Arca de Noé e colocar para dentro apenas os espiritualizados. Você sente isso também? É muito sutil, mas aparece.
“Temos medo de morrer porque receamos não ter vivido. O iogue viveu.” (p. 302)
– Poderoso, né?
Alinhamento
“A realidade imaterial, embora difícl de compreender, tem a vantagem de ser eterna, sempre a mesma. Há uma consequência nisso. Tudo que é real e imutável deve nos oferecer um ponto fixo, uma orientação, como o norte absoluto da bússola. E como funciona a bússola? Pela atração entre o norte magnético e o ímã contido nela. A bússola somos nós. Podemos deduzir, portnto, que existe uma Realidade Universal em nós que nos alinha com a Realidade Universal que está em toda a parte. Não esqueça a palavra ‘alinhar’. É pelo alinhamento do corpo que descubro o alinhamento da mente, do eu e da inteligência.” (p. 36)
– Alinhamento é uma característica ame ou odeie na prática do Iyengar Yoga. Quem gosta, não consegue nunca mais praticar asana de outro jeito. Estou nesta conta. Mas o que gosto nesta citação é que Iyengar explica as razões do perfeccionismo que coloca nos alinhamentos, considerados por muitos um exagero. Eu acho muitas outras coisas que as pessoas fazem exageradas, mas o fato é que nos permitimos ser exagerados com algumas coisas e com outras não. Então, melhor que criticar, é praticar, né?
“O objetivo do Savasana é fazer soltar, do mesmo modo que, como mencionei há pouco, uma cobra solta sua pele para ressurgir lustrosa e fulgurante em suas cores novas.” (p. 286)
– Iyengar diz que savasana, a postura do cadáver – usada normalmente ao final dos asanas como uma forma de relaxamento –, é a postura mais difícil do yoga. Nós só percebemos esta dificuldade se enterdermos que savasana requer o alinhamento supremo de alma com a Alma. Ainda sobre savasana, Iyengar comenta até com certo humor sobre a dificuldade que os alunos têm de compreender esta postura e mesmo de se manterem acordados ao praticá-la (é a única postura que praticamos com os olhos fechados e, eventualmente, vendados):
“Relaxe, durma até. Somos todos humanos. Mas, no Savasana, você está à beira de um grande mistério, e, embora seja a mais difícil de todas as posturas, pelo menos temos a graça de poder deitar no chão para praticá-lo.” (p. 290)
Asanas, isto é, posturas
“O aprimoramento pessoal pelo ássana é o grande portão que conduz aos recintos internos que precisamos explorar. Em outras palavras, vamos tentar usar o ássana para esculpir a mente.” (p. 40)
– Nenhum método de yoga é apenas físico, por mais que o CREF e alguns médicos ortopedistas achem que seja.
“[…] o ássana abre todo o espectro de possibilidades da ioga.” (p. 40)
“Necessitamos de contentamento, tranquilidade, serenidade, altruísmo, qualidades que precisam ser conquistadas. É o ássana que nos ensina a fisiologia dessas virtudes.” (p. 40)
– Perceba que Iyengar diz “fisiologia dessas virtudes” e não “encontrar essas virtudes”. Faz diferença.
“É por meio do ássana que conseguimos relaxar o cérebro.” (p. 44)
– Acho que este é um ponto fulcral no Iyengar Yoga: para meditar, devemos, antes, estar relaxados; não se medita para relaxar. Se faz asana para relaxar. Daí, num estado totalmente propício, é que meditamos/concentramos. Leia abaixo um outro trecho onde Iyengar resume o sadhana:
“O ássana e o pranaiama reduzem o estresse que impregna o cérebro; com o cérebro em repouso, a tensão é liberada. Da mesma maneira, ao realizar os vários tipos de pranaiama, o corpo todo é irrigado de energia. Para praticar pranaiama, é preciso ter músculos e nervos fortes, concentração e persistência, determinação e resistência. Tudo isso se aprende com a prática do ássana. Os nervos relaxam, o cérebro se acalma, e o retesamento e a rigidez dos pulmões se desfazem. Os nervos são auxiliados a permanecer sadios. Você imediatamente alcança a unidade consigo mesmo, e isso é meditação.” (p. 44)
– Sacou?
“Não subestime o valor do ássana. Mesmo nos ássanas mais simples, podem-se experimentar os três níveis de busca: a busca externa, que dá firmeza ao corpo; a busca interna, que dá constância à inteligência; e a busca mais profunda, que traz benevolência.” (p. 54)
– Isto não é lindo? Eu fico comovida ao reler. Fico aqui me lembrando dos trocentos mil tadasanas que meu professor Luigi Ridolfi me mandou fazer; as cem mil vezes que ele corrigiu meu trikonasana; a milhão de vezes que ele olhava para os dedos dos meus pés e dizia que ainda não estava bom.
“Achamos que a inteligência e a percepção ocorrem exclusivamente no cérebro, mas a ioga ensina que eles devem permear o corpo. Cada parte do corpo deve literalmente ser tragada pela inteligência. Devemos casar a percepção do corpo com a da mente.” (p. 58)
– Aqui lembrei do meu professor Luigi dizendo: “A sua pele tem que fazer asana, Mayra.”
“A ioga nos ensina a infundir inteligência aos movimentos, transformando-os em ação.” (p. 59)
– Existe (existe ainda?) uma discussão de terminologia yogi: asanas devem ser traduzidos pela palavra postura ou posição. Para além de ser meramente uma questão semântica, está o que se entende por nos colocarmos num asana. Eu gosto de chamar de postura, porque me lembra “postura de vida”, “postura diante de alguma coisa” e me dá a ideia de dinamismo e volição – aspectos que na palavra posição parecem estar enfraquecidos. Iyengar diz:
“Ação é movimento com inteligência”. (p. 59)
– E ação é asana.
“No momento em que você deixa de sentir a pele, o ássana se torna tedioso, e o fluxo ou corrente de inteligência se perde.
[…] A inteligência do corpo é um fato, é real. A inteligência do cérebro é apenas imaginação.” (p. 60)
– Iyengar aqui quer falar sobre aquilo que já nos aconselharam: quando estiver inseguro sobre fazer assim ou assado, consulte seu corpo; se uma das opções doer, descarte-a.
“Como disse, ao praticar ioga, é o corpo que deve lhe dizer o que fazer, não o cérebro. O cérebro tem de cooperar com a mensagem que recebe do corpo.” (p. 61)
– Dando aulas de Iyengar Yoga, sempre disse aos meus alunos que a cabeça deles é que deixa primeiro de sustentar o asana.
“Se a hiperextensão vem de um ego inflado, a extensão insuficiente vem da falta de confiança. Ambas estão erradas.” (p. 65)
– Iyengar falando isso é lindo; professor falando isso é a um aluno que sofre nos asanas é hiperextensão.
“Como já disse, a pele é o cérebro do corpo; é ela que conta o que está acontecendo em todas as partes.” (p. 65)
– Uma experiência interessante que tive foi estar cursando o Teacher´s Training de Iyengar Yoga e ter sido “rolfada” a quatro mãos no mesmo período. Foi um processo doloroso, mas sensacional. Imagino que muito coisa se ressignificou, porque o Rolfing age nas fáscias e o Iyengar age na pele. Intenso.
“Embora só se possa avaliar um ássana objetivamente vendo-o de fora, é dentro que ele se sustenta.” (p. 68)
– Não é fácil ser um professor de Iyengar Yoga. A habilidade dele não está no quão bem ele faz um ássana, percebe?
“Ao executar os ássnas, nenhuma parte do corpo deve estar ociosa, nenhuma parte deve ser negligenciada.” (p. 74)
– Sabe aquela coisa de ver TV comendo e batendo papo no Facebook? No asana não rola.
“Costumo dizer que o corpo é o arco, o ássana é a flecha, e a Alma, o alvo.” (p. 96)
– Adoro estas metáforas do Iyengar.
“Uns poucos ássanas bem-feitos podem ser suficientes para levá-lo mais para dentro, em vez dos quarenta que o seu colega de classe executa, com aparente facilidade.” (p. 277)
– Fico muito triste quando percebo competição entre professores de yoga para ver quem faz o asana mas bonito, da mesma forma que lamento que a competência de um professor seja avaliada por quão bem ele faz determinados asanas.
“Espero ter derrubado o preconceito de que a hata-ioga é apenas física e não tem nada que ver com a vida espiritual.” (p. 322)
– Conseguiu, mas tem gente que é chata e não quer entender.
Dor na prática
“Se a extensão é uniforme, envolvendo todo o corpo, não há nenhuma tensão. Isso não significa que não há esforço. Há, mas esse esforço produz alegria.” (p. 66)
– Nos meus dez anos como professora de yoga, encontrei muito poucos alunos, talvez uns dez ou quinze entre as centenas a quem dei aula, que realmente não achavam gostosa a “dor” da prática.
“O ássana feito a partir do cérebro nos deixa pesados; quando feito do coração, nos deixa leves”. (p. 72)
– Por volta da página 70, Iyengar dá inúmeras instruções de como construir um asana alinhado. São instruções a respeito da pele da nuca, dos lábios, do olhar, do tronco. Se você for uma praticante que gosta de asanas, leia estas páginas. As dicas são valiosas!
“Como a dor é um elemento inevitável da prática do ássana, devemos agora lhe dedicar a merecida atenção.” (p. 78)
– Responda: quantos livros de yoga você leu que assumiu que a dor é inevitável? Iyengar Yoga é assim, na lata, mano.
“A dor é seu guru”. (p. 79)
“Já que a dor é inevitável, o ássana é o laboratório no qual descobrimos como tolerar a dor que não podemos evitar e como transformar a que podemos evitar.” (p. 79)
– Existe uma discussão muito superficial e tendenciosa se yoga machuca. Quer minha resposta franca: claro que machuca! Quer uma pergunta?: que não machuca? Você faz corrida, já se machucou? Você faz academia, ja se machucou? Você gosta de jardinagem, já se machucou? Você faz uma cirurgia, já se machucou? Você vai estender roupas no varal, já se machucou? Você vai conversar com seu amigo, já se machucou? Que diacho é esta mania de achar que nada deve machucar? Eu tenho dois filhos pequenos, eles se machucam o tempo todo. Só por que a gente cresce não deve mais se machucar? Vai crescer como?
“Não é só a ioga que causa toda essa dor; ela já existe. Está oculta. O que acontece é que simplesmente aceitamos conviver com ela, ou aprendemos a ignorá-la. É como se o seu corpo estivesse em coma.” (p. 81)
– Faz quase 10 anos que a trilogia Matrix foi lançada e ainda querendo viver na Matrix.
“O objetivo é fazer o ássana com o máximo de inteligência e amor. Para isso, devemos aprender a distinguir entre a dor ‘certa’ e a dor ‘errada’.” (p. 82)
– Parece surreal, eu sei, mas, de fato, na prática, é isso que aprendemos a discenir. De fato aprendemos, não é mentira. Na prática dos asanas, há a dor boa e a dor ruim.
Aulas de yoga
“Nas aulas de ioga, os alunos parecem sempre tão sérios e tão distantes uns dos outros… Onde está a amizade? A compaixão? A satisfação? A alegria? […]” (p. 93)
– A minha experiência me mostrou que, quando isto ocorre, é culpa é do professor. Quando comecei a usar o método Iyengar nas minhas aulas, elas se transformaram e os alunos começaram a desenvolver amizade entre si. A aula mudou, claro, mas eu tinha mudado também!
Pranayama, isto é, respiração
“O pranaiama não se realiza com o poder da vontade. É preciso seduzir, cortejar a respiração […]” (p. 41)
– Pranayama foi a disciplina que Iyengar recebeu por último de seu mestre e acho que isso moldou o que ele pensa sobre o assunto.
“A inalação é o poder criador, a retenção é o poder preservador e a exalação – se a energia é viciosa –, o destruidor.” (p. 100)
– Nós temos muita dificuldade de entender pranaiama dentro do yoga, porque tendemos a reduzir tudo a controle respiratório. O buraco é mais embaixo, percebe?
“As técnicas de respiração iogues são meditativas na origem e nos efeitos.” (p. 106)
– Tá vendo?
“Atuando no invólucro do corpo fisiológico, a respiração serve de ponte entre o corpo e a mente. […]
Você não pode contemplar a mente com os olhos.” (p. 108)
– Nunca encontrei em outro tipo de yoga a exigência tão forte de se praticar os asanas com olhos abertos. Nos pranaiamas, embora não haja a necessidade de fechá-los, fechamos. Mas no método Iyengar, nada nunca deve ser forçado quando se trata de praticar pranaiamas.
“A inspiração se move em direção à consciência periférica; a expiração se move para o coração da consciência.” (p. 110)
“A inspiração impregna de vida o corpo. A expiração sujeita essa vida à fonte da vida, Àquele que dá a vida.” (p. 111)
– Desconheço poesia mais linda feita, em prosa, com o tema respiração.
“Os seres animados nascem e vivem graças a ela [à respiração] e, quando morrem, sua respiração individual se dilui de novo na respiração cósmica.” (p. 265)
– É a velha metáfora da gota de água que dá ao mar, só que mais linda, porque:
“O prana é o veículo da inteligência cósmica.” (p. 266)
Prathyarana, Dharana e Dhyana, isto é, do recolhimento dos sentidos à meditação
“É um engano comum achar que estamos nos concentrando porque fixamos a atenção em coisas instáveis, como uma partida de futebol, um romance, as ondas do mar, a chama de uma vela […]” (p. 42)
– Toda esta coisa de concentração e meditação que confundimos tanto no ocidente é mesmo um assunto difícil, não fique preocupado se você também não entende. Um livro que aborda o assunto e do qual eu gosto muito é o Concentração e Meditação de Swami Sivananda, hoje esgotado (mas disponível nos sebos da Estante Virtual por pouco mais de 100 reais – caríssimo!). Lá, Sivananda coloca em prateleiras bem identificadas uma técnica da outra. Se você tiver interesse, acho que vale a pena pagar estes cento e poucos reais no livro usado.
“Não conseguimos olhar o pôr-do-sol e saudá-lo com olhos brandos e receptivos. Nossos olhos são minuciosos, faiscantes e aquisitivos, como se a vida fosse uma farra sem fim num supermercado.” (p. 138)
– Depois dos “olhos de ressaca”, esta é minha segunda descrição preferida de olhos.
“Você pode empurrar um piano por três lances de escada, mas não pode forçar a febril mente humana a se aquitear. A única coisa que você pode fazer é exercitá-la para estar vigilante a tudo que perturbe seu equilíbrio.” (p. 194)
– Outra metáfora que sempre lembro sobre a mente é a dos macacos acorrentados, que li pela primeira vez num livro de Sivananda. Se você tenta controlar a mente, assim que ela descobre uma brecha, sai pulando como um macaco que estava acorrentado:
“Como disse, a mente dança.” (p. 197)
“Não se pode contar regressivamente do 99 (diversidade, multiplicidade) ao zero (um sereno estado meditativo) sem passar pelo um (concentração).” (p. 229)
– Uma das capacidades de grandes mestres é explicar de um jeito simples as coisas difíceis.
“Para a ioga, a meditação coresponde à final dos jogos olímpicos. Você não pode competir se não está preparado.” (p. 231)
– A gente, discípulos apressados, tende a relativizar o tempo todo este conselho.
“O silêncio é a música do samádi.” (p. 257)
– Que frase poética. Aliás, a própria palavra samadhi, pra mim, já é poética por si só com esta sua sonoridade suave.
Outros assuntos
“A sexualidade é essencialmente a beleza dos pássaros se acasalando na primavera.” (p. 123)
– Não é uma frase lindamente divina, esta?
“Se o apetite é um presente, e a gula, um pecado, então o desperdício é um crime. Desperdiçamos alimento, energia, tempo, vida.” (p. 128)
– Este livro é tão bacana! Iyengar se diz um homem que sempre teve muito apetite e entusiasmo por tudo. Em outra parte do livro ele fala sobre não desperdiçarmos nossos talentos. É um livro com conselhos para tudo, da prática no tapetinho à vida.
“Esse é o problema com a vida longa, que a ioga identificou já há mais de dois mil anos. Quando os golpes da vida não são tão imediatos a ponto de nos servir de freio, ou quando as recompensas não são tão rápidas o bastante para servir de estímulo, tendemos a sentir e agir como crianças. Queremos gratificação instantânea.” (p. 154)
– Putz!
“Dormir mal nos faz ver tudo de maneira distorcida.” (p. 205)
– Nem me fale…
“O humor também ajuda as pessoas a sair da fragmentação para a integridade.” (p. 211)
– Hahahaha, kkkkkk, hehehehe, hihihi, huahuahuah
“A atitude correta em relação a nossa ‘posses’ é a gratidão, não a possessividade.” (p. 246)
– Isto é tão óbvio quando dito, né?
“A ética é a cola que prende a terra ao plano celestial.” (p. 304)
– Isto é uma premissa das mais importantes dentro do yoga: ética.
“Para crer em Deus, precisamos primeiro acreditar em nós.” (p. 306)
– Nas páginas finais do livro, Iyengar aborda a questão de viver com ética e o que é uma vida espiritual. Veja:
“Esse esforço de se aprimorar é o início da verdadeira religiosidade e o fim da religião como seita ou um rígido padrão de crença. Espiritualidade não é encenar o papel de sermos sagrados, mas a paixão e o anseio internos de auto-realização e a necessidade de encontrar o derradeiro propósito de existência.” (p. 307)
– Quando você vem de uma tradição muito religiosa, asserções como esta são um choque, mas a coisa toda é muito simples e natural.
“É longo o caminho entre tomar banho e encontrar Deus […]” (p. 314)
– Acho esta uma das frases geniais do livro. Iyengar está, neste capítulo, discorrendo sobre o preceito chamado saucha, que é a pureza e a limpeza entendidas em sentido estreito e amplo. Uma amiga me falou de um livro que preciso ler e que acho que fala da mesma coisa: “Depois da êxtase, lave a roupa suja.” Fala desta coisa que é lidarmos com o dia a dia da vida, apesar dos propósitos elevados.
revisto por Mayra Corrêa e Castro
IYENGAR, B. K. S.. Luz na vida: a jornada da ioga para a totalidade, a paz interior e a liberdade suprema. São Paulo: Summus, 2007.