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Essencial – Franz Kafka

Postado às 12:01 do dia 27/01/15

Neste ano, a novela mais famosa de Kafka (Praga, 1883-1924) completa um século: A Metamorfose, escrita em 1912, publicada em 1915 aos 29 anos de idade do autor. Em Essencial , o professor e escritor Modesto Carone reúne e comenta este texto e diversos outros por ele traduzidos, formando panorama de uma obra que já foi, não sem debate, catalogada dentro do realismo, mas sempre tida como enigmática, existencialista e política.

Se o volume traz a ausência de O processo e Carta ao Pai, possivelmente não foi por se tratar de textos menos relevantes, pelo contrário, mas por critérios comerciais. De qualquer forma, as anotações de Carone são excelentes para abrir algumas chaves já usadas na leitura de Kafka: o narrador asséptico, metáforas que mostram a ambivalência da realidade, a linguagem desapaixonada mostrando a alienação dos personagens e a inversão de papéis e expectativas.

Pareceu-me difícil copiar trechos dos contos para comentar nesta resenha. A narrativa kafkiana é de tal forma desprovida de frases opinativas e tão intrincada com a ação, que ou eu transcreveria textos longos por demais, para você captar o sentido, ou não traria nada. Por sorte, em Essencial está a seleção dos 109 Aforismos, selecionados pelo o autor e publicados postumamente. Entre eles é que selecionei alguma coisa.

Mas como a primeira frase de A Metamorfose é muito repetida, trago-a aqui:

“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.” (p. 227)

Em tempo: que este inseto seja uma barata, no alemão não é claro.

 

Vamos aos aforismos.

 

 

Não-dualismo?

“64-65*

A expulsão do paraíso, no seu principal aspecto, é eterna. É vedade também que essa expulsão é definitiva e que a vida no mundo, inevitável, mas, apesar disso, a eternidade do processo torna possível não só que continuemos no paraíso, como também que, na realidade, estamos lá de forma duradoura, não importa se aqui temos ou não conhecimnto disso.” (p. 199)

– Bem, que que eu posso dizer? Inevitavelmente pensei em Um Curso em Milagres. Inevitavelmente lembrei da máxima não-dualista: Deus É. E é verdade que todo grande escritor ilumina-se sozinho.

“74

Se o que devia ser destruído no paraíso fosse passível de destruição, então isso não era decisivo; mas se era indestrutível, então vivemos numa falsa crença.” (p. 200)

– Pensei de novo. Muito lógico.

“80

A verdade é indivisível, portanto não pode ter conhecimento de si mesma; quem quer que diga conhecê-la está se referindo a uma mentira.” (p. 201)

– Tá vendo?

“96

As alegrias desta vida não são as dela, mas o nosso medo de ascender a uma vida mais elevada; os tormentos desta vida não são os dela, mas o nosso autotormento por causa daquele medo.” (p. 204)

– Modesto Carone já deu palestra sobre Kafka na Sociedade Brasileira de Psicanálise. Então, sim, Kafka se presta maravilhosamente a especulações filosóficas. Que medo é este?

“102

Todos os sofrimentos ao nosso redor nós temos de sofrer. Temos não um corpo, mas um estilo de crescer, o que nos faz atravessar todas as dores, seja nesta ou naquela forma. (…)” (p. 205)

– É perfeito. Imaginar que somos um estilo de crescer, em vez dum corpo, é perfeito.

 

* Os números se referem ao número do aforismo citado, tal como disposto no Essencial.

 

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro © 2015

 

KAFKA, Franz. Essencial Franz Kafka. Tradução Modesto Carone. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.

 

 

 

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