Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > crítica literária > Escândalo – Shusaku Endo
O livro sustenta o enigma até o fim. Escrito por um dos mais famosos romancistas japoneses do pós-guerra, o católico Shusaku Endo (1923-1996), Escândalo é uma obra de final de carreira, publicada em 1986 quando ele já tinha se notabilizado como escritor em seu país. Antes dessa obra, Endo havia ganhado dois importantes prêmios literários no Japão: o Atukagawa, em 1955, pelo romance Shiroi Hito (sem tradução no Brasil), e o Tanizaki, em 1966, por O Silêncio, lançado aqui em 2011 pela Editora Planeta do Brasil, considerado sua obra-prima.
São feitos de uma biografia que, contada assim, parece não ter tido solavancos, exceto os da infância, pois Endo, além da tuberculose, enfrentou a discriminação de ser minoria católica no Japão. Sua biografia é a mesma do protagonista de Escândalo, o escritor católico Suguro – respeitosamente chamado Sensei, isto é, mestre, professor –, que chega aos 65 anos com o prestígio de possuir um “grupo de dez mil leitores que compram qualquer coisa” que ele produza. Possui uma vida disciplinada, um casamento correto, está recebendo um prestigioso prêmio em Tóquio e lida com o único assunto que pode ser aflitivo em sua idade: a proximidade da morte. Suguro, tuberculoso na infância, vive com apenas um pulmão e faz exames mensais para prevenir a degeneração em cirrose do fígado.
Então acontece: a vida que construiu para si é ameaçada pelo vazamento de um escândalo – Suguro é visto frequentando pessoas e hotéis ligados ao sadomasoquismo. Um jornalista ambicioso o persegue no intuito de conseguir algo que comprove que ele tem uma vida dupla: é um respeitado escritor de temas católicos, onde o pecado se coloca como porta para a salvação, e um pervertido sexual. Alertado de que corriam boatos sobre sua reputação, Suguro, incapaz de ignorá-los, aplica-se com tenacidade a desvendá-los e fica desestabilizado com o que descobre: há um Suguro que se entrega com prazer ao sadomasoquismo.
Entretanto, até o final do romance, não podemos saber se esse Suguro é uma alucinação, um sósia ou um duplo. As três possibilidades se intercalam durante a narrativa, que segue num tom homogêneo e formal, enquanto o tema, em si, é dos menos ortodoxos. Essa tensão entre ortodoxia de linguagem e heresia de comportamento sexual segura a trama até seu ápice que, apropriadamente, ocorre numa Sexta-Feira 13, quando Cristo teria sido crucificado, e se encerra no Dia da Páscoa – um período que, para católicos, revela a suprema compaixão de Deus; e para as mulheres com quem o outro Suguro se relaciona, apenas a manifestação do sadomasoquismo latente em toda espécie humana.
Suguro, criado na fé de uma religião tão escandalosamente ritualística, icônica e extrovertida e, ao mesmo tempo, sendo fruto de uma cultura introvertida, discreta e ordenada, é a quem cabe a missão de desvendar a sombra que uma projeta na luz da outra: descobrir a sacralidade no ato sexual que parece ser o mais demoníaco de todos e o pecado de levar a vida apenas como mera busca da salvação contra a morte.
revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012
ENDO, Shusaku. Escândalo. Trad. Maria Helena Torres. Rio de Janeiro: Rocco, 1988
O livro está esgotado, mas você poderá comprar um exemplar usado em sebos. Se for de Curitiba, empreste-o na BPP.