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Então você quer ser escritor? (conto) – Miguel Sanches Neto

Postado às 21:26 do dia 08/07/12

O conto Então Você Quer Ser Escritor?, de Miguel Sanches Neto (1965), foi oferecido para análise durante a Oficina de Crítica Literária ministrada pelo professor João Cezar de Castro Rocha (UERJ) na Biblioteca Pública do Paraná em junho passado. (Entre parênteses, a qualidade das oficinas na BPP é excepcional.)

Foi meu primeiro contato com Miguel, escritor e crítico paranense que eu conhecia de nome, mas não de escrita. Para a oficina, tinha preparado um resenha de Escrevendo no Escuro, de Patrícia Melo, mulher, já que a outra resenha tinha que ser obrigatoriamente de Machado de Assis, não importa se homem, mas homem. Quis contrabalancear. Não adiantou: caímos todos com um conto masculino nas mãos; ainda mais, puxa, que conto!

A história é um escritor que ministra oficinas literárias porque está mais ou menos velho e conquistou mais ou menos notoriedade. Ele tenta transmitir aos alunos alguma coisa da nobreza que existe no ato de se dedicar à literatura, mas seus alunos não são o tipo de gente que entenda o recado. Então ele topa com o livro de uma mulher que parece ter sido sua aluna e revive o caso que teve com ela. (O livro, homônimo do conto, tem um movie trailer no You Tube, veja.)

Reescrevi a resenha abaixo três vezes, para aproveitar que João Cezar, professor dos mais generosos e pacientes, estava lá para nos corrigir. Agora preciso ler os demais contos do livro.

 

“Então você quer ser escritor?”

conto de Miguel Sanches Neto

A foto da autora na quarta capa de um livro de contos eróticos dá o impulso para o professor de “Então você quer ser escritor?” – conto homônimo da coletânea lançada em 2011 pelo escritor paranaense Miguel Sanches Neto – narrar a história de Lúcia, uma aluna pobre com quem ele teria tido um introito sexual. A recordação do episódio escancara o legado de seu ofício: vida e literatura são feitas “de equívocos e pequenas covardias.”

Não que precise ser assim. Seus heróis – a quem se compara com miopia – são icônicos pela coragem, rebeldia ou integridade: Hemingway, Bukowski e Rilke. Mas em sua vida, ele é vítima: desiludido de ensinar a jovens alunos “o caráter dionisíaco da escrita” nietzscheana, acaba se convencendo de que pelo menos para uma aluna, Lúcia, fez diferença, ensinando que “sobretudo a embriaguez de excitação sexual, a mais antiga e primordial forma de embriaguez” gerou uma escritora.

Miguel Sanches Neto, o autor real que explicitamente se confunde com o autor fictício do conto, não é o primeiro, nem será o último escritor ministrando oficinas literárias. Mas o leitor de “Então você quer ser escritor?”, se tiver feito uma primeira oficina, poderá pensar em não participar de mais nenhuma. Como acha o professor do conto, alunos “são apenas candidatos a escritor”, quando deveriam ser predestinados.

A pergunta é por que frequentá-las, por que ser escritor, afinal? O professor lista com enfado seu público: “aposentados que querem se ocupar numa fase em que tudo já aconteceu”, “poetas de todos o credos, que frequentam uma oficina de contos para conquistar alguma plateia para suas performances”, garotas de “mãos angelicais”, “unhas pintadas” e “seios quase infantis” reescrevendo “leituras do colégio”. O que lhe escapava, e tardiamente descoberto pela revelação do amor de Lúcia, é que não é o público das oficinas que está errado, mas sua recusa em assumir o papel de escritor exemplo de vida para leitores. Quando a descoberta é feita, ele lamenta: “Foi minha pior aluna e era quem mais me merecia, se é que alguém me merece. Ela me merecia de forma tão profunda que, não tendo dado a atenção devida a ela, me senti um traidor de minhas origens, um traidor da literatura.”

Entretanto, dura pouco o drama de consciência. Suas alunas podem buscar inspiração em Clarice Lispector ou Emily Dickinson – são jovens. Ele, que está “às vésperas da velhice”, não se seduz mais pelo “lado romântico ou transgressor do desejo”. Resta-lhe o lado trágico ou cômico do desejo, agir como os personagens do Dalton Trevisan, outro herói seu: procurar pelo chão a calcinha de Lúcia, um troféu para sua existência.

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

SANCHES NETO, Miguel. Então você quer ser escritor?; in: Então você quer ser Escritor?. Rio de Janeiro: Record, 2011.

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