Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > contos > Caixa Preta – Jennifer Egan

< voltar

Caixa Preta – Jennifer Egan

Postado às 03:56 do dia 01/09/12

Caixa Preta é um conto criado para o Twitter. Isso não é curioso. As redes sociais têm parido muitos novos gêneros de escrita. Curioso é que ele tenha sido criado por alguém que disse “ter uma relação complicada com a  tecnologia”. Jennifer Egan (1962, Estados Unidos), sua autora, revelou numa entrevista:

“Tenho medo da tecnologia de uma forma muito simples, como o medo de não saber usar.”

Pois o medo deve ter sido um bom aliado: Caixa Preta é ótimo! Ele apareceu, pela primeira vez, no perfil de ficção da revista New Yorker (de 24/mai a 02/jun-2012) e, já traduzido para o português, foi tuitado pela editora Intrínseca de 20 a 30 de agosto, sempre das 22h às 23h, ao compasso de 1 tuíte a cada (mais ou menos) 1 minuto. Acompanhei o conto ao vivo, para ter a sensação de poder lê-lo como se Jennifer o estivesse postando de seu celular. Nada mais distante do improviso, porém, que Caixa Preta. Falante e generosa em revelar seus processos criativos, Jennifer contou que levou um ano inteiro para escrever os tuítes (são 606), iniciando a empreitada a partir de rascunhos escritos à mão (ela escreve à mão, mesmo as revisões).

A história é uma ficção-científica com clima de triller, onde uma agente anônima, chamada simplesmente de “gatinha”, está a serviço do governo norte-americano para desvendar esquemas de homens violentos e poderosos. Seu corpo serve a implantes de dispositivos de espionagem, como câmeras de voz e video, flash, disco de memória e uma espécie de GPS, através dos quais ela deve obter dados que comprometam o destino do criminoso que lhe cabe investigar (chamado de Macho Designado). O conto, como a própria autora descreveu, são “disparos mentais” da gatinha, ou seja, a narrativa do que ela estaria pensando enquanto desempenha sua missão.

Mas se o enredo não fosse suficientemente interessante, o estilo já teria dado conta de me segurar acordada aguardando o tuíte seguinte: a história é narrada em 2ª pessoa; as frases, evidentemente, são curtas e conseguem encerrar uma quantidade de informação absurda; a dicção é monótona, mas isso não é um defeito; e a ação se desenrola pela revelação do passo seguinte que a gatinha tem que tomar. Na verdade, entre todos os tuítes, li apenas 3 que não funcionaram, e a razão pode ter sido da tradução, no do original.

“Se você vai trabalhar com um gênero, precisa estar no gênero” foi outra declaração da autora, que experimentou, em seu livro mais recente, A Visita Cruel do Tempo (2012), vencedor do Pullitzer nos EUA em 2011, a escrita de um capítulo inteiro no Power Point. Este tipo de coisa é um troço bacana em Jennifer: ela tem ideias – tresloucadas, abstratas, bem americanoides em suas ambições – e as coloca, todas, brilhantemente, no papel. Fiquei fã da mulher!

Abaixo coloco os melhores tuítes do Caixa Preta (sempre evitando spoilers).

 

 

Heroísmo

“No novo heroísmo, a meta é livrar-se de gerações de autoenvolvimento.” (ler no Twitter)

“Você é uma pessoa comum executando uma missão fora do comum.” (ler no Twitter)

“No novo heroísmo, a meta é renunciar à obsessão americana de ser visto e de obter reconhecimento.” (ler no Twitter)

– Creio que a ideia mais chocante do conto não seja ele ter sido escrito no Twitter, mas ele dizer, no Twitter, que, no futuro, nossa obsessão será pelo anonimato.

 

 

Geringonças

“Um helicóptero sem luzes é uma mistura de morcego, pássaro e inseto monstruoso.” (ler no Twitter)

“Aperte entre o quarto dedo do pé direito e o mindinho (se destra), e retire o Plugue de Dados de sua Porta de Entrada Universal.” (ler no Twitter)

“Em situações de pouca luz, pode-se ativar um flash apertando-se a ponta externa de sua sobrancelha esquerda.” (ler no Twitter)

“Como gatinhas não andam com carteiras nem relógios, você não tem como transportar aparelhos de gravação.” (ler no Twitter)

“Um microfone foi implantado logo depois da primeira curva do seu canal auditivo direito.” (ler no Twitter)

– Uma espiã que tem todos os gadgets implantados no seu corpo é muito, mas muito mais interessante que o MacGyver.

 

 

Reflexões sobre a vida

“Revisitar o passado cria a ilusão de que a vida conduziu você, inevitavelmente, para o momento presente.”(ler no Twitter)

“O fato de você se sentir como se estivesse morrendo não significa que você vai morrer.” (ler no Twitter)

“Cegueira temporária aguça a apreciação do indivíduo pelo fato de não ser cego.” (ler no Twitter)

– Durante todo o tempo, a gatinha reflete sobre sua missão e não sabemos se os conselhos que recebe são a recordação de seu treinamento ou a leitura de seus arquivos. Muito, mas muito interessante.

 

 

No feminino

“Trinta e três ainda é jovem o bastante para se passar por “jovem”.” (ler no Twitter)

“Você vai refletir sobre a convicção de ambos de que o serviço teria de ser feito antes de vocês terem filhos.” (ler no Twitter)

“As preocupações de seu Macho Designado são as suas preocupações.” (ler no Twitter)

“É tecnicamente impossível para um homem ficar melhor de sunga do que de calção de banho.” (ler no Twitter)

– É impactante que a protagonista do conto seja uma “gatinha” (beauty, no original). Posso imaginar Jennifer pensando como seria uma gatinha tola como outra qualquer na verdade esconder o perfil de uma heroína e resolver escrever sobre isso! Genial! Aliás, gatinha foi uma tradução feliz. “Patricinha” não teria ficado bom; garota também não; piriguete (ó!), jamais; gatinha é perfeito pro conto. Palmas à Juliana Romeiro, a tradutora.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

 

EGAN, Jennifer. Caixa Preta. Trad. Juliana Romeiro. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.

Se quiser lê-lo de graça, acesse o perfil da Intrínseca no Twitter. (Para ler em inglês, use o PasteMagazine.com) Se preferir ler numa “tuitada” só, compre o ebook do livro.

 

Comentários

Assinar Newsletter