Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > contos > Aquela água toda – João Anzanello Carrascoza
O escritor e publicitário João Anzanello Carrascoza (1962) acaba de receber a notícia de que é finalista na categoria livros de contos/crônicas no Prêmio Portugal Telecom de Literatura de 2012. O livro indicado, Amores Mínimos (2011; veja o booktrailer), traz coletânea de textos cujo tema se repete neste Aquela Água Toda (2012): os relacionamentos familiares e amorosos, marcados pelo lirismo. Se ele ganhar, o prêmio será mais um de muitos, entre eles um Jabuti em 2007.
Aquela Água Toda é um livro lindo – a editora Cosac Naify não economizou: fez uma edição de 1,5 mil exemplares com sobrecapa e 16 páginas ilustradas pela artista Leya Mira Brander impressas em papel manteiga. Pelo recheio e pela embalagem, você será um sortudo se tiver um exemplar em mãos.
São 11 contos em que o autor tece paisagens íntimas, onde histórias são contadas, via de regra, num fôlego só, de maneira que o instante mágico da existência não se reduza pelo simples arrastar do tempo.
O que mais gosto na prosa de João são suas figuras de linguagem, um jeito terno de unir o comum ao solene que rende uma expressão alargada de sentidos e sonoridades. As partes que selecionei têm essa qualidade. Mas é preciso ler seus contos de cabo a rabo para perceber como deslizam. A roupagem de seus contos é discreta, elegante, cuidadosa e esmerada, mas o interior é quente e generoso. Leia, você vai se emocionar.
Mães
“A mãe ia de um quarto ao outro, organizava malas, Vamos, vamos, dava ordens, pedia ajuda, nem parecia responsável pela alegria que causara.” (Aquela água toda, p. 7)
– João trabalha com personagens do universo familiar e, dos contos que li, suas mães são perfeitas em suas inúmeras imperfeições.
Meninos
“O menino aceitava a fatalidade da alegria, como a tristeza quando o obrigava a se encolher – caracol em sua valva.” (Aquela água toda, p. 8)
“Quando se deu conta, cochilava no sofá, exausto pelo esforço de preparar o dia seguinte. Esforçara-se para que, antes de dormir, a manhã fosse aquela certeza, e ela seria mesmo sem a sua pobre contribuição.” (Aquela água toda, p. 8)
“Na sala de aula, à minha direita, Cristina me fitava fortemente, eu me senti constrangido, mas também bonito, queria ouvir outra vez a sua voz de sol. E, quando ela disse, ao sairmos para o intervalo, Me espera, Me espera, senti que a escuridão estava se limpando de mim e fui andando pelo pátio, sem pressa, ao lado dela.
Sentamos num banco. Quer um pedaço?, ela me ofereceu seu sanduíche, Não, obrigado. Quer um gole?, e ela, sim, com cabeça, Adoro suco de uva!, e aí conversamos umas miudezas, nós dois ainda um riozinho, só a nossa história deslizando.” (Cristina, p. 13)
– Além de mães, João trabalha muito com filhos homens. São meninos que sentem, choram, se maravilham. É uma idade, a infância, em que é permitido fazê-lo.
Famílias
“Porque era sábado, a família podia despertar mais tarde e viver umas horas de descuido. O casal não iria ao trabalho nem o filho à escola; tinham os três mais tempo para si mesmos. A semana inteira viviam a fazer o que era preciso e assim, entre atos e palavras, tocavam-se apenas como as margens de um rio toca a paisagem que seu curso delimita.” (Grandes feitos, p. 37)
– Viver passa pelo segunda à sexta-feira, mas se significa mesmo é de sábado a domingo.
Emoções
“(…) e eu no quarto, me enxugando, o Edu no beliche, lá nos seus quietos, sempre mergulhado num livro, e, de repente, ele de volta ao nosso mundo, como foi o jogo?, quantos pontos você fez?, e aí eu já me sentia bem de novo (…)” (Mundo justo, p. 45)
– Me apaixonei pela expressão “lá nos seus quietos”; e creio que, também, todos aqueles que são Edu ou têm irmãos Edu, sempre com nariz enfiado em livro.
“(…) nem imaginava que o meu coração era pequeno para aquele sentimento que não parava de entrar nele.” (Cristina, p. 13)
“Precisava dos outros para ir além de si.” (Medo, p. 33)
– Lembra do interior quente e generoso de que falei? As emoções dos personagens são sempre imensas, mas como eles são gente comum (ou gente pequena), a linguagem precisa se adequar, quase que com vergonha por ser tão pouca. Lindo demais.