Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > botânica > A sexta extinção – Elizabeth Kolbert
Dificilmente lemos um livro bom, daqueles que vão nos fazer sofrer por anos, rasgando nossas mentes com suas marcas, até que por fim desistamos dele por aceitar que sempre estaremos aquém da mensagem que nos passa. A Sexta Extinção, de Elizabeth Kolbert, é um deles.
Vencedor do Pulitzer de Não-Ficção de 2015, foi escrito pela jornalista norte-americana Elizabeth Kolbert como tentativa de mostrar que nós, Homo sapiens, somos a espécie-daninha no planeta que está empurrando todas as demais para a extinção. Com o subtítulo Uma História não Natural, traz relato de inúmeras viagens da autora a locais do planeta onde a extinção acontece a olhos nus: em florestas tropicais no Brasil, Peru e Panamá, nas ilhas Funk e Eldey da Islândia, em Nápoles no Castelo Aragonese, na Grande Barreira de Corais australiana, e também em algumas cavernas pelos Estados Unidos. Num lúgubre desfile, rãs, morcegos, formigas, caramujos, condores, águias, rinocerontes, grandes felinos, sem contar milhares de plantas vão sucumbindo ao aquecimento global, à acidificação dos oceanos, à introdução de espécies exógenas em seu hábitat e ao confinamento em áreas cada vez menores.
Ao mesmo tempo assustador, é um relato eletrizante, mostrando como podemos ter descoberto possíveis causas para as grandes Cinco Extinções por que a Terra já passou (fim do período Ordoviciano, fim do Devoniano, fim do Permiano, fim do Triássico e fim do Cretáceo) sem nos darmos conta de que estejamos causando a Sexta.
De Carlos Lineu a Georges Cuvier, de Charles Lyell a Charles Darwin, chegamos a cientistas que estão, na atualidade, empenhados em estudar este fenômeno, tanto quanto minimizar seus impactos. Sem este livro de Elizabeth, não descobriríamos facilmente que há pessoas que masturbam corvos pra tentar coletar o sêmen que salvará sua espécie, que enfiam o braço no ânus de uma rinoceronte pra saber se finalmente ela engravidou do futuro e único herdeiro de sua genealogia, que entram em cavernas congeladas pra salvar morcegos contaminados por fungos, e que passam meses isolados numa ilha para filmar, de madrugada, a desova de corais.
A mensagem do livro é que iniciamos este processo meio que sem querer. Desde quando havia uma supermassa continental, denominada Pangea, até o momento atual, em que a globalização cria pontes imateriais mas com certeza existentes para o que é chamado de Nova Pangea, nunca soubemos as consequências de nossa vontade de conhecer, de ir além, de dominar e civilizar. Mas agora sabemos – e estamos diante da decisão de fazer sacrifícios pela biodiversidade de nosso planeta, ou de levar nossos planos adiante sem nos importar com o fato de que esta ambição talvez leve ao nosso fim.
Leia abaixo as melhores partes do livro:
O pior cego é aquele…
“Os dados que não se encaixavam nas premissas mais aceitas de uma disciplina seriam desconsiderados ou contornados enquanto fosse possível. Quanto mais as contradições se acumulavam, mais intricada se tornava a racionalização.” (p. 102)
O trecho fala sobre livro de Thomas Khun, A estrutura das revoluções científicas, que aborda as consequências de um experimento de percepção feito com cartas e naipes em 1949 em Harvard. Neste experimento, psicólogos mostraram que lidamos com incoerências varrendo-as pra debaixo do tapete até que alguém de fato mude o paradigma e o jeito normal de encarar as coisas. Então, se um dia você quiser explicações científicas para aquele ditado “o pior cego é aquele que não quer ver”, saiba que às vezes a gente não vê mesmo até que alguém pense fora da casinha. Mais ou menos aquela coisa de “quando você não tem respostas, mude as perguntas”.
Ainda sobre este livro, Elizabeth cita Thomas Khun: “Embora o mundo não se altere com uma mudança de paradigma, o cientista passa a trabalhar num mundo diferente depois que isso acontece”. (p. 103)
Gosto de pensar nesta frase em relação à outra que li: “Para a Natureza não existem milagres: tudo que ocorre na natureza é natural”.
Nossa marca geológica
” – A atividade humana transformou algo entre um terço e a metade da superfície terrestre do planeta.
” – A maior parte dos principais rios foi represada ou desviada.
” – As fábricas de fertilizantes produzem mais nitrogênio do que é gerado naturalmente por todos os ecossistemas terrestres.
” – A atividade pesqueira retira mais de um terço da produção primária das águas litorâneas dos oceanos.
” – Os seres humanos utilizam mais da metade do escoamento de água doce de fácil acesso.” (p. 117)
Os dados são de um artigo publicado pela revista Nature, de Paul Crutzen, prêmio Nobel de química pela descoberta das substâncias depletivas de ozônio. Parece uma pegada geológica bem imodesta, né?
” (…) o desmatamento tropical é notoriamente difícil de mensurar, mas vamos supor que as florestas estão sendo desvastadas num ritmo de 1% ao ano. (…) Se admitirmos, de maneira bem conservadora, que existem dois milhões de espécies nas florestas tropicais, isso significa que algo em torno de cinco mil espécies estão sendo extintas a cada ano. Isso nos leva a mais ou menos catorze espécies por dia, ou uma a cada cem minutos.” (p. 196)
Nunca será demais lembrar: madeira não é o que pressiona a Amazônia, mas sim pasto para gado e área para cultivar soja que alimenta gado. Pare de comer carne.
“Uma das características supreendentes do Antropoceno é a bagunça que ele causou nos princípios de distribuição geográfica. Se rodovias, desmatamentos e plantações de soja criam ilhas que antes não existiam, o comércio global e as viagens globais fazem o inverso: eles negam até mesmo às ilhas mais remotas seu distanciamento. (…) Num período de 24 horas, estima-se que dez mil espécies diferentes são deslocadas no mundo só na água dos tanques de lastro dos navios. Assim, um só navio-tanque (ou, aliás, um só avião de passageiros) pode romper com milhões de anos de separação geográfica.” (p. 208)
Sabe aquela muambinha que você traz quando viaja: ela é – tenha certeza disto – o que menos importa.
O CO2 nosso de cada dia
“Desde do início da Revolução Industrial, os seres humanos queimaram combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural – o suficiente para adicionar 365 bilhões de tonladas de carbono na atmosfera. O desmatamento contribui com mais de 180 bilhões de toneladas. A cada ano, despejamos outros cerca de nove bilhões de toneladas de carbono, uma quantidade que tem aumentado até 6% ao ano. (…) Se essa tendência continuar, em 2050 as concentrações de CO2 atingirão quinhentas partículas por milhão, mais ou menos o dobro dos níveis encontrados na era pré-industrial.” (p. 122)
Em 2050 terei 77 anos, meus filhos terão 46 e 44 anos. Seus filhos estarão indo para a escola com máscaras de oxigênio?
“Uma das muitas consequências indesejadas do Antropoceno tem sido a oda de nossa própria árvore genealógica. Após eliminarmos nossas espécies-irmãs – os homens de Neanderthal e os hominídeos de Denisova – há muitas gerações, agora estamos fazendo o mesmo com nossos primos de primeiro e segundo graus. Quando tivermos acabado, é bem possível que não haja mais nenhum representante dos primatas além de nós mesmos.” (p. 265)
Quase arrisco dizer que dizimos sistematicamente primatas porque achamos feio aquilo que não é espelho e queremos por quaisquer maneiras, em nossa arrogância, eliminar provas de que não sejamos feitos à imagem e semelhança de Deus.
Samarco em grande escala
“A acidificação dos oceanos às vezes é mencionada como a ‘gêmea igualmente má’ do aquecimento global. (…) Embora não exista um mecanismo único que explique todas as extinções em massa já registradas, as alterações químicas dos oceanos parecem ser um ótimo indicador.” (p. 129)
Oceanos realizam trocas gasosas com o ar atmosférico. Mais CO2 no ar, mais CO2 diluído no mar. Se a gente jogar um drops de Menthos nos oceanos daqui algumas décadas, explodirá. Mas não haverá internet pra isto se tornar um meme.
Latifúndio humano
“Hoje, quase 130 milhões de quilômetros quadrados de terra no planeta estão sem gelo, e essa é a base que se costuma usar para calcular os impactos causados pelos seres humanos. (…) [Os autores Erle Ellis e Navin Ramankutty] afirmam que pensar em termos de biomas definidos por clima e vegetação – savanas temperadas, p0r exemplo, ou florestas boreais – não faz mais sentido. Em vez disso, eles dividem o mundo em ‘antromas’. Existe um antroma ‘urbano’ que se estende por 1,3 milhão de quilômetros quadrados, um antroma de ´terras cultiváveis irrigadas´(2,6 milhões de quilômetros quadrados) e um antroma de ´florestas povoadas´(11,6 milhões de quilômetros quadrados. Ellis e Ramankutty calcularam a existência de dezoito ‘antromas’, que, juntos, se estendem por mais de 101 milhões de quilômetros quadrados. Com isso, restam surpreendentes 28,5 milhões de quilômetros quadrados. Essas áreas, que são praticamente desprovidas de serem humanos e incluem trechos da Amazônia, grande parte da Sibéria e do norte do Canadá, além de trechos significativos dos desertos do Saara, de Gobi e do Grande Deserto de Vitória, na Austrália, são chamadas de ´terras selvagens´. (p. 186)
Para todas as espécies deste planeta, somos nos latifundiários, eles sem-terra. Quem está disponível pro sacrifício desta reforma agrária?
“Uma das características que definem o Antropoceno é que o mundo está mudando de maneiras que obrigam as espécies a se deslocarem, e outra característica é que ele está mudando de maneiras que criam obstáculos – estradas, desmatamentos, cidades – que as impedem de se deslocar.” (p. 199)
Quando, na cidade de São Paulo, se pensou em implantar o projeto Cingapura, nos anos 1990, que substituiu favelas por edifícios, a preocupação era não deslocar os habitantes para regiões distantes de onde viviam. (Nos anos seguintes, o projeto receberia inúmeras críticas e hoje o solo sobre o qual se erguem os edifícios é uma bomba-relógio devido ao depósito de gás metano.) Com espécies animais, dificilmente fazemos a mesma pergunta, se é importante mantê-los no mesmo lugar quando crescemos em volta deles. No que se refere ao nosso especismo, lidamos com as favelas-animais simplesmente matando os favelados.
Cara-pálida
” (…) estimativas recentes sugerem que existam pelo menos dois milhões de espécies de insetos tropicais, e esse número talvez chegue a até sete milhões. Como comparação, existem cerca de dez mil espécies de pássaros em todo o mundo e apenas 5.500 espécies de mamíferos. Assim, para cada espécie com pelos e glândulas mamárias, existem, só no trópicos, pelo menos trezentas com antenas e olhos compostos.” (195)
Alguma dúvida de qual espécie é mais forte que um país inteiro no verão passado?
“Antes de os humanos entrarem em cena, ser uma criatura grande e de reprodução lenta era uma estratégia muito bem-sucedida, e os animais enormes dominavam o planeta. Então, no que foi apenas um instante geológico, essa estratégia tornou-se uma fórmula para a derrota. (…) Entretanto, a eliminação da megafauna não se limitou apenas a acabar com a megafauna. Na Austrália, isso desencadeou uma cascata ecológica que transformou a paisagem. Embora seja ótimo imaginar que houve um tempo em que o homem vivia em harmonia com a natureza, não existem evidências de que isso tenha de fato acontecido.” (p. 245)
Ponto-chave do livro, desfazer a ideia de que antes éramos melhores.
“Quando o projeto {mapeamento do DNA do Homo neanderthalensis] estiver concluído, deverá ser possível colocar o genoma humano e o genoma do Neanderthal lado a lado e identificar, com base nos pares, os pontos exatos onde eles divergem. (…) Em algum lugar de nosso DNA deve estar a mutação essencial (ou, o que é mais provável, as mutações) que nos separa – as mutações que fazem de nós essa criatura capaz de eliminar nossos parentes mais próximos e depois escavar seus ossos para tentar reagrupar seu genoma.” (p. 250)
A autora conta sobre os zoológicos congelados que hoje conservam tanto animais mortos quando amostras de DNA. Da mesma maneira que acumulamos terabytes de fotos com medo de que apagá-las signifique apagar nossas próprias vidas, estamos acumulando terabytes de informações de animais e plantas. A diferença é que as vidas deles já estão apagadas.
Homo sapiens var. peronomucho
“Se você quiser pensar na razão de os humanos serem tão perigoso para as outras espécies, imagine um caçador clandestino na África carregando seu AK-47, ou um madeireiro na Amazônia empunhando seu machado, ou, melhor ainda, pode imaginar a si mesmo com um livro nas mãos.” (p. 276-277)
Por trás de todo caçador, por trás de todo madeireiro, há homens segurando livros nas mãos.
Revisto por Mayra Corrêa e Castro (C) 2016
KOLBERT, Elizabeth. A sexta extinção: uma história não natural. Tradução de Mauro Pinheiro. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, 1ª edição.