Casa Máy > As Melhores Partes - Posts > botânica > A metamorfose das plantas – Goethe

< voltar

A metamorfose das plantas – Goethe

Postado às 09:08 do dia 17/06/19

A presente edição de A Metamorfose das Plantas, de Goethe, tem apelo justamente por ter sido traduzida por um filósofo, Fábio Mascarenhas Nolasco, da UNICAMP/SP, que utilizou o texto original, de uma edição publicada em 1981; portanto, 191 anos após seu aparecimento, em 1790. Mas esta edição entrega mais: traz 5 outros textos escritos por Goethe, que servem à guisa de prefácios e posfácios aos 123 parágrafos que formam A Metamorfose das Plantas.

Talvez seja legal eu contextualizar o interesse desta obra de Goethe dentro da Aromaterapia e dentro da Fitoterapia de um modo mais amplo. Creio que você já deva ter ouvido falar sobre a Medicina Antroposófica, criada a partir da Antroposofia de Rudolf Steiner. Pois muito bem. Ainda jovem e cursando a Academia Politécnica de Viena, em 1882 Steiner foi convidado a editar as obras científicas de Goethe. O encontro das reflexões que Steiner vinha começando a desenvolver sobre as ciências da natureza com o pensamento científico de Goethe ajudou confirmar o caminho que desejava traçar, como também o moldou. Quando, entre 1920 e 1924 Steiner lecionava a estudantes de medicina, já indicava as contribuições que sua antroposofia poderia trazer à formação médica. Não existe nenhuma casualidade, portanto, entre A Metamorfose das Plantas e a forma como a Medicina Antroposófica veio a se utilizar delas na forma de medicamentos, por exemplo. Por isso, a importância deste texto com quase 230 anos de vida.

Mas é difícil abstrair desta leitura toda a grandiosidade que Steiner viu em Goethe. Na realidade, a leitura é modorrenta na maior parte do tempo, pois se trata de um texto de morfologia botânica. Todo mundo que já se entregou à leitura de morfologia botânica sabe que apenas a leitura de um contrato jurídico pode ser tão chato. Assim, é preciso se dedicar aos 123 parágrafos lembrando sempre da razão de você os estar lendo: conhecer uma das fontes que deu origem ao arcabouço filosófico da Antroposofia.

O tradutor ajuda sobremaneira neste intento, pois tanto seu Prefácio, quanto as 165 notas de rodapé que redigiu nos levam delicadamente ao debate filosófico que ocorria à epoca de Goethe e ao que representou o maior poeta vivo da época, autor de Fausto, ter se dedicado à ciência. A leitura dos 5 textos adicionais traduzidos por Nolasco (Desculpa-se o empreendimentoIntroduz-se o propósitoPrefacia-se do conteúdoO autor compartilha a história dos seus estudos botânicos, e O experimento como mediador entre objeto e sujeito) contribui igualmente nesse sentido, e talvez deles consigamos extrair mais até da importância de Goethe que de A Metamorfose das Plantas em si.

Agora vou às melhores partes. Espero que curta.

 

Hipótese Gaia

“Quando o ser humano, convocado à observação vivaz, começa a travar uma luta com a natureza, sente em primeiro lugar um impulso gigantesco de subjugar a si os objetos. Mas não demora muito tempo até que esses o constranjam com tamanha violência a ponto de ele bem sentir quantas razões há de ter, tanto para lhes reconhecer o poder quanto para honrar-lhes a atuação.” (Desculpa-se o Empreendimento, pag. 23)

– Eu gostaria muito de ler alguém relacionando os pensamentos de Goethe ao ambientalismo e ao especismo. Se você souber de alguém que tenha se lançado a isso, me avise, por favor.

 

Como captar a Natureza

“O que está formado será logo de novo transformado; se quisermos alcançar em alguma medida uma intuição viva da Natureza, teremos de nos manter de fato tão móveis e formáveis quanto o exemplo com que ela se nos apresenta.” (Desculpa-se…, pag. 26)

– Biomimética.

 

Unidade na multiplicidade

“Nenhum vivente é um singular, mas uma pluralidade.” (Desculpa-se…, pag. 26)

– E isso foi escrito antes da teoria celular.

“Quanto mais incompleta for a criatura, mais serão essas partes iguais ou semelhantes umas às outras, e mais igualarão ao todo. Quanto mais completa se torna a criatura, mas dessemelhantes tornam-se entre si as partes. No primeiro caso, o todo é mais ou menos igual às partes, no segundo, o todo é dessemelhante em relação às partes. Quanto mais semelhantes são as partes entre si, menos estão subordinadas uma às outras. A subordinação das partes indica uma criatura mais completa.” (Desculpa-se…, pag. 26)

– Isso me faz pensar no conceito de sinergia dentro dos óleos essenciais. Quanto mais variada for a composição química de um OE, mais dependente desta variedade é sua ação e o protagonismo de moléculas é menos identificável.

 

Morfologia com propósito

“Quando consideramos o tipo vegetativo, apresenta-se prontamente a seu respeito um acima e um abaixo.” (Desculpa-se…, pag. 29)

” […] nenhuma vida poderia atuar sobre uma superfície e lá mesmo externar sua força produtora; ao contrário, toda a atividade vital demanda um invólucro que a proteja contra o rude elementos exterior. […] tudo que entra em cena para a vida, tudo o que deve atuar de maneira vivente precisa ter invólucro. E assim, também, tudo o que está direcionado para fora pertence sempre precocemente à morte, à corrupção. O córtex das árvores, a pele dos insetos, os cabelos e penas dos animais, até mesmo a epiderme dos homens são invólucros que eternamente separam, são repelentes, entregues ao decesso, detrás dos quais se formam sempre novos invólucros, sob os quais, por sua vez, mais à superfície ou mais profundamente, a vida traz à tona sua trama criadora.” (Desculpa-se…, pag. 29)

– Deduzir o sentido do movimento que determinada estrutura faz na planta, contraindo-se ou expandindo-se, indo em direção à terra ou em direção ao solo, ao interior ou o exterior é o que distingue o modo como Goethe estudou a morfologia botânica.

“Ocorreu-me o seguinte: que naquele órgão da planta que costumamos chamar de folha estaria escondido o verdadeiro Proteu, que poderia se esconder e se manifestar em todas as figurações. Sucessiva ou regressivamente a planta é sempre apenas folha, tão inseparavelmente unificada ao broto vindouro que não se pode pensar um sem o outro. Captar um tal conceito, suportá-lo, encontrá-lo na natureza é uma tarefa que nos dispõe num estado docemente penoso.” (pag. 12, trecho citado pelo tradutor de uma carta escrita por Goethe)

– O conceito que nomeia esta ideia de Goethe é, em alemão, Urpflanze, traduzido como planta-originária, ou seja, aquele modelo que pôde se transformar em todas os outros e ainda tem a capacidade de voltar a si mesmo.

“Partindo da semente até o desenvolvimento máximo da folha caulina, observamos em primeiro lugar uma extensão, em seguida vimos surgir o cálice mediante uma contração, as pétalas por uma extensão, as partes sexuais de novo por uma contração; e logo tomaremos notícia da extensão máximo no fruto e da máxima concentração na semente. Nesses seis passos a natureza completa o trabalho eterno da procriação dos vegetais mediante os dois sexos.” (A Metamorfose…, pag. 51, parágrafo 73)

– Estender e contrair, yin e yang.

” […] a natureza conclui normalmente nas flores o seu crescimento e, por assim dizer, calcula, de modo a cessar a possibilidade de ir adiante em infinitos passos singulares, a fim de alcançar mais rapidamente, pela elaboração das sementes, o objetivo.” (A Metamorfose…, pag. 60, parágrafo 106)

– Completando seu desenvolvimento nas flores, e entendendo que teria que recomeçar tudo de novo, a planta joga a toalha e diz: “Agora vou gozar a aposentadoria, queridões. Vão lá vocês, sementes, trabalhar por mim.”

“Uma planta que medra estende-se mais ou menos […] Uma planta que floresce, em contrapartida, contraiu-se em todas as suas partes, suspenderam-se, por assim dizer, o comprimento e a largura e todos os seus órgãos se desenvolveram num estado altamente concentrado, a princípio uns apegados nos outros.” (A Metamorfose…, pag. 63, parágrafo 114)

– Viajar ou parar pra ter filhos – a vida sempre lhe pede pra decidir isso.

“121. Igualmente se pode dizer do caule que ele seria uma inflorescência e frutificação estendida, assim como já havíamos predicado destes que eles seriam um caule contraído.” (A Metamorfose…, pag. 65, parágrafo 121)

– É reconfortante pensar que somos única e perenemente a mesma coisa, transformada inúmeras vezes, fôssemos plantas.

“O caráter alternante das figuras vegetais, que eu havia longamente seguido em seu curso próprio, despertava-me cada vez mais a representação: as formas vegetais ao nosso redor não seriam originariamente determinadas e fixas, a contrário, em virtude de uma teimosia obstinada, genérica e específica, compartilhariam de uma feliz mobilidade e vergadura para que pudessem submeter-se, conformar-se e se transformar em quaisquer das condições a agir sobre elas na face da Terra.” (O Autor compartilha…, pag. 81)

– Fluir, adaptar-se, submeter-se. Quem fica parado não é árvore.

 

Startups

“[…] terá sido uma grande vantagem, ao imergirmos numa disciplina científica nova, encontrá-la em estado de crise […] Éramos jovens com o jovem método, nossos começos depararam com uma nova época e fomos levados na massa dos que pelejaram tal como por um elemento que nos porta e nos conclama.” (O autor compartilha…, pag. 78)

– Acho de uma sorte incrível sermos jovens com nossa aromaterapia em meio à crise da medicina convencional.

 

90% transpiração

“Não foi, pois, mediante uma dádiva extraordinária do espírito, tampouco por uma inspiração momentânea, muito menos de maneira imediata e de uma só vez; mas foi mediante um esforço contínuo que eu enfim alcancei um resultado animador.” (O autor compartilha…, pag. 85)

– Ler que Goethe não se achava um gênio, afinal, apenas um cara esforçado te dá um certo alívio moral? kkk

 

S1 e S2

“O ser humano se contenta mais com a representação do que com a coisa, ou, antes, precisamos dizê-lo: o homem apenas se contenta com uma coisa na medida em que a representa, ela tem de adequar-se à forma do seu sentido, e ele pode elevar tanto quanto queira acima da comum a sua forma de representação, pode purificá-la o tanto quanto queira, ainda assim ela permanece comumente apenas uma forma de representação; isso significa a tentativa de reunir muitos objetos numa certa relação palpável, a qual, tomada a rigor, lhes falta reciprocamente, daí a inclinação às hipóteses, teorias, terminologias e sistemas, que não podemos subestimar porque têm de surgir necessariamente da organização de nossa essência.” (O experimento…, pag. 92)

– Penso que Goethe gostaria de ter lido Rápido e Devagar do Kahneman

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (c) 2019

 

GOETHE, Johann Wolfgang von. A metamorfose das plantas. Tradução, prefácio e notas de Fábio Mascarenhas Nolasco. São Paulo: Edipro, 2019.

 

Posts Relacionados

Comentários

Assinar Newsletter