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Uma carta do futuro
Por ocasião do II Simpósio Internacional de Aromaterapia e Bem Estar
São Paulo – 10 de novembro de 2017
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Olá a todos.
Este é o 2º Simpósio Internacional de Aromaterapia e Bem Estar no Brasil. Também já tivemos 2 Congressos Internacionais de Aromatologia, e 5 Workshops Internacionais de Aromaterapia no país. Neste momento, além das marcas nacionais, outras 3 marcas internacionais de óleos essenciais são vendidas por aqui, 2 de forma legalizada, e 1 de forma não-legalizada, ou seja, sem autorização da Anvisa, sem inscrição federal, nem estadual nem municipal.
Quando senti o cheiro de um óleo essencial pela primeira vez na vida – o de camomila-romana -, eu era uma jovem executiva com 27 anos de idade. Estressada com o trabalho na startup que inaugurava a Banda B de telefonia celular no Sul, me empolgava o novo Brasil que tínhamos pela frente. Mas eu também sofria com enxaquecas semanais. Depois de meses insanos de trabalho, conheci a aromaterapia – e tive uma sessão de relaxamento tão profundo que até chorei.
Passados 17 anos, o Brasil tem mais de um celular por habitante, e passamos de o gigante que acordou para o gigante atolado na própria corrupção. Está difícil continuar empolgada com o Brasil.
No entanto, os eventos internacionais que citei, o interesse de marcas estrangeiras em nosso mercado, só podem revelar uma coisa: existe uma empolgação geral em relação à aromaterapia. Estamos todos excitados com as possibilidades da aromaterapia.
E por isso eu quero, primeiro, lembrar uma data e, depois dela, propor reflexões.
Há 80 anos, um químico francês publicava aquela que seria a obra seminal da aromaterapia moderna. Estou falando do livro de René-Maurice Gattefossé, o Aromathérapie. O fato desta data não estar sendo comemorada entre nós, nos quatro cantos do planeta, é que me faz refletir: ou a importância desta obra é por mim inflacionada, ou não estamos sabendo construir a história da aromaterapia, uma que a legitimará para as gerações futuras.
É um truísmo, eu sei, que para entender o futuro devamos olhar para o passado. Mas como o passado da aromaterapia – pelo menos esta data de 80 anos – não parece muito interessante, vou levá-los a imaginar que estamos 80 anos na frente, ou seja, que estamos em 2097. Como estaria a aromaterapia em 2097?
É um exercício curioso. Vamos lá.
Em 2097, os recursos naturais estarão rigidamente controlados por governos nacionalistas dada a escassez de água. Já reconhecidos como poderosas substâncias farmacológicas, os óleos essenciais serão produzidos mediante licença ambiental e industrial, e apenas com uma receita médica você poderá comprá-los. Novos processos de patentes garantirão o lucro das empresas que os fornecem. O conhecimento anedótico e holístico sobre os óleos essenciais terá deixado de servir como parâmetro para a aromaterapia, uma vez que a tecnologia científica nos possibilitará mostrar, indubitavelmente, a ação farmacológica dos óleos essenciais. Desta forma, a variedade de óleos disponíveis e seu uso estarão restritos a poucas dezenas, já que apenas o que teve evidência científica poderá ser comercializado e prescrito. Aliás, o termo aromaterapia terá caído em desuso. Não se falará mais em aroma, nem em terapia, mas em alopatia aromática.
Em 2097, quando tentarem explicar como a aromaterapia chegou onde chegou, eles estarão olhando para nós. Nós, profissionais da aromaterapia, hoje, aqui, em 2017. Eles enxergarão os fatores que levaram ao que pode ser o nosso futuro:
Em 2097, isso é algo que poderia acontecer.
Parece pessimista? assustador?
Eu não sei quanto a vocês, mas de tudo que pode acontecer com a aromaterapia no futuro, o pior, para mim, é ela não estar mais disponível em lojas, ao alcance de nossas mãos, sem receita médica, sem burocracia. O pior seria, em 2097, que outra jovem qualquer não pudesse ela mesma comprar e inalar uma camomila-romana e isso mudasse tanto sua vida que anos depois ela poderia estar diante de uma plateia falando sobre os desafios e rumos da aromaterapia para o século XXII.
Nós, brasileiros, não temos o hábito de planejar. Muito menos o longo prazo. Mas precisamos. E precisamos porque nosso sistema de saúde está precarizado, as empresas de marketing de multinível estão entrando em nosso mercado, as redes sociais estão ensinando as pessoas usarem óleos essenciais em vez de aromaterapeutas ensinarem. E aí fora tem pessoas se curando com aromaterapia, tanto quanto se intoxicando.
Nós, brasileiros, não somos acostumados à ideia de coletividade, de organização civil. Nem mesmo a visionarmos cenários. Mas precisamos.
Para garantirmos que em 2097 a aromaterapia esteja acessível, que aromaterapeutas sejam reconhecidos, respeitados e empregados nos diversos âmbitos da saúde, que os óleos essenciais estejam disponíveis e sejam puros, produzidos de forma ética e ecológica, nós, brasileiros, profissionais de aromaterapia, temos que arregaçar as mangas e trabalhar em muitas frentes, tantas frentes que são:
Nós precisamos decidir, hoje, qual aromaterapia queremos amanhã.
Me preocupa que queiramos uma aromaterapia estrita e unicamente comprovada pelos métodos científicos da pesquisa farmacológica quando as terapias florais e a homeopatia já conseguiram tanto, com o mesmo tempo de existência, na direção de serem aceitas, e reconhecidas, e de terem criado seus próprios repertórios e métodos de diagnóstico.
Me preocupa que o fato dos óleos essenciais terem princípios ativos direcione automaticamente nossa percepção de que apenas médicos e farmacêuticos possam usá-los. É uma construção cultural achar que apenas a educação formal em medicina e farmácia capacita ao uso de substâncias ativas como os óleos essenciais. O fato de que, hoje, aromaterapeutas – em vez de médicos e farmacêuticos – sejam os que mais sabem sobre farmacologia e terapêutica dos óleos essenciais exemplifica este viés cultural.
Me preocupa que a ameaça ao paradigma que a aromaterapia implica – o da autonomia no gerenciamento da própria saúde, tratar o doente em vez de apenas a doença – não esteja em nosso radar em 2017. Porque se esta ameaça não estiver no nosso radar agora, em 2097 é que não estará mesmo.
Gattefossé escreveu, há 80 anos:
Hoje, os óleos essenciais gratificam nosso sentido do olfato. Nós os usamos “por prazer” e, involuntariamente, para nossa saúde. Agora precisamos estudar para compreendê-los melhor e fazer melhor uso deles. (…) O momento é agora. (…) Não temos ilusões, no entanto, quanto ao nível de perfeição de nossos primeiros passos. Nós e nossos colegas temos explorado um terreno quase totalmente desconhecido. Podemos cometer erros e omissões – mas isso é natural: a verdade de hoje é apenas o embrião do amanhã.
Mas devemos começar em algum lugar. *
“Devemos começar em algum lugar”, ele disse.
Eu sei que o trabalho que temos pela frente é imenso, é difícil. Como Gattefossé, também não temos ilusões. Mas, diferentemente dele, hoje compreendemos melhor as plantas, seu metabolismo secundário, sua inteligência evolutiva e suas estratégias de interação com o meio-ambiente e outros seres vivos.
As plantas produzem os melhores óleos essenciais na adversidade e na necessidade de cooperação. Por que teríamos nós – habitantes tardios do ecossistema que elas criaram -, diante das adversidades do século XXI, diante da necessidade de cooperação para enfrentá-las, por que teríamos nós o direito de recuar, um centímetro que seja, do trabalho que temos pela frente?
* (tradução livre de Gattefosse´s Aromatherapy, UK: RandomHousem 1993)
Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2017