Casa Máy > Aromaterapia > Por uma legislação para o artesanato do aroma
Um dos grandes desafios da valorização do artesanato e dos artesãos brasileiros está no artesanato do aroma. Falamos aqui de tudo que é feito com fragrâncias e possa ser usado pra aromatizar um ambiente, mas também dos biocosméticos, que usam óleos essenciais. É grande a lista do que o artesanato do aroma abrange: aromatizador de varetas, spray de ambiente, sachês, potpourris, velas perfumadas, sinergias pra se colocar em réchauds e aromatizadores elétricos, perfumes pessoais, sabonetes, shampoos, condicionadores, cremes e toda a sorte de cosméticos, além de produtos de limpeza doméstica, como sabão pra roupas, pra louça, amaciante e desinfetante.
Nestas atividades existe uma imensidão de mulheres, sobretudo, e de homens que não apenas fazem do artesanato do aroma a forma de cuidarem do que põem em sua própria pele e no meio-ambiente, mas que dele fazem também sua forma de sustento ou de complemento de renda, além de um jeito de conciliar a sempre tão difícil relação trabalho e filhos.
O mundo inteiro faz o chamado DIY – Do It Yourself (Faça Você Mesmo) do aroma usando matérias-primas entre as quais se incluem essências, óleos essenciais, óleos vegetais, ceras, soda cáustica, potassa, glicerina, álcool de cereais e água destilada pra mencionarmos apenas ingredientes comuns. Você pode fazer pra si. Você também pode vender o que faz – ninguém te proíbe disso. Mas, neste último caso, apenas se estiver disposto e tiver dinheiro pra montar um galpão industrial e atender todas as incontáveis e mesquinhas regras de regulamentação da Anvisa. Do contrário estará fora da lei.
Sim, claro, você também pode contratar uma fábrica terceirista pra produzir o artesanato que você quer vender (e então não o chamará mais de artesanato, e sim de produto industrializado). Há boa chance de que você consiga manter, em alguns produtos industrializados, sua fórmula natural, sua consciência ecológica, seu cuidado com a saúde. Mas isso matará o âmago do artesanato: sua criatividade, sua autenticidade, sua capacidade de transformar com as próprias mãos.
A coisa mais mesquinha a respeito de como o artesanato do aroma é regulamentado no Brasil pela Anvisa (sob os auspícios arrogantes da poderosa indústria farmacêutica) é considerar que estes artesãos são intelectualmente incapazes de seguir critérios e práticas básicas de segurança na manipulação de produtos, incapazes de – através de estudo e pesquisa – alcançarem formulações seguras pra pele e a saúde das pessoas. Eles consideram que este artesanato impõem mais risco à saúde que comida, que é tão perigoso quanto remédios. A legislação pra você manipular e vender comida é relativamente simples, mas a legislação pra você manipular e vender cosméticos não é. Como não se esforçam nem um pouco pra entender o que é o artesanato do aroma, o que é um biocosmético, não entendem que estes artesãos do aroma trabalham com matérias-primas, em sua maior parte, que estão nas próprias despensas e geladeiras, ignoram que muito antes – na verdade séculos antes – da indústria farmacêutica dizer como um sabão deve ou não deve ser feito, pessoas cozinhavam sabões em panelas penduradas no fogo de suas próprias lareiras.
Os artesãos do aroma não vão parar de produzir seu artesanato e nem vão parar de vendê-lo. Nenhum governo – a menos que sucumba à tirania da polícia e à violência cega da fiscalização – conseguirá impedir que um artesão compre um azeite de oliva, compre um punhado de cera de abelha, compre um punhado de ervas secas e os use pra fazer um pomada (hidratante e terapêutica, sim!) e a venda a seus conhecidos. Talvez, numa época em que as cidades eram pouco mais que lotes urbanos, isso pudesse ter acontecido – mas nunca mais acontecerá, não quando as cidades têm milhões de habitantes, milhões de smartphones, zilhões de perfis em redes sociais.
É urgente que os legisladores brasileiros acordem pra realidade do artesanato do aroma e promovam uma regulamentação factível com esta realidade. É cínico achar que artesãos do aroma não querem seguir regras, pois eles as seguem o tempo todo pra garantir um produto ecológico pro meio-ambiente e pra pele das pessoas, com um nível de consciência e ética pouco percebidos na indústria que nos empurra produtos com parabenos, ftalatos, etc.
O que artesãos do aroma apontam sobre a regulamentação existente é que não podem (friso: não podem; e não poder é diferente de não querer), não conseguem ter recursos financeiros pra segui-la. Artesanato não é indústria. Vamos lá, é simples de entender com um pouco de boa vontade: se pessoas físicas de fato pudessem seguir as mesmas regras de pessoas jurídicas, nunca precisaríamos de um recurso tributário como o MEI – Microempreendedor Individual. Pois então, estes MEIs não estão apenas sendo pintores, motoristas particulares, não estão apenas vendendo roupas, vendendo Avon: estes MEIs estão – eles querem, eles gostam, eles precisam, é sua arte! – vendendo artesanato do aroma.
Seria muito simples – contanto que exista boa vontade por parte dos legisladores, e menos ganância e arrogância por parte dos “sujeitos supostos saber” – criar um regramento pro artesanato do aroma:
– Enquadramento no MEI;
– Ateliê com a mesma complexidade (em vez de maior) que a exigida pra uma cozinha de lanchonete, por exemplo;
– Capacitação em curso (digamos, 32 horas?) de manipulação de cosméticos, e de segurança e toxidade de ingredientes;
– Padronização de rotulagem;
– Alvará de funcionamento.
Só isso.
Bom, o caminho exige mobilização, e a gente é tenaz pra isso
E pra te inspirar a trilhá-lo junto, assista à conversa que gravei com Ana Paula Dala Costa, artesã do aroma que me contou como foi terceirizar sua produção e o que o artesanato do aroma ganha e perde com as exigências de uma legislação míope.
Beijo de cheiro, Mayra.