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"Luz na Vida", de Iyengar – um livro que se lê como se bebe um néctar

Postado às 23:10 do dia 08/11/09

Demorei a lê-lo mais do que o normal. Precisamente, 63 dias. Mas como você deve beber o néctar: ávida ou lentamente?

“Luz na Vida – A Jornada da Ioga para a Totalidade, a Paz Interior e a Liberdade Suprema” é o nome do livro de B. K. S. Iyengar onde ele fala de sua experiência pessoal com yoga e explica por que o hatha yoga não pode ser considerado apenas uma prática física, recorrendo aos Yoga Sutra de Patanjali.

No dia 23 de agosto, eu postava citações na minha comunidade sobre o que Iyengar falava a respeito da prática dos asanas (posturas) neste livro. Eu estava embevecida com algumas qualidades que ele encontra nas posturas, e principalmente com a relação que ele faz entre meditação e asana, entre espiritualidade e corpo.

No video de Patricia Walden, Ioga para Principiantes, ela menciona que começou a fazer yoga em 1976, quando era uma hippie e queria se iluminar. Então, ela foi procurar Iyengar e este teria lhe dido uma de suas mais famosas frases: “Como podem almejar iluminação se não conhecem os dedos dos pés?!”

Para muitos, a prática de asanas com o método Iyengar é excessiva, dura, muito física e talvez sem propósito para a finalidade mais nobre do yoga, que é a meditação. Creio que esta opinião nasça da premissa de que o asana serve apenas para criarmos um corpo estável para ficar sentado na postura de meditação.

Mas Iyengar usa outra perspectiva: ele leva o asana à categoria da própria meditação. É uma mudança de abordagem e acho que você deve experimentar praticar as posturas com o método Iyengar por uns 12 ou 15 meses para percebê-la.

Neste pequeno postezinho, não vou comentar sistematicamente o livro Luz na Vida. Quero apenas compartilhar minha alegria de tê-lo lido e dizer que descobri, com a leitura, um Iyengar muito doce, muito espirituoso também, capaz de escrever singelezas como esta, a respeito de não conseguirmos ficar acordados em savasana:

” Relaxe, durma até. Somos todos humanos. Mas, no Savasana, você está à beira de uma grande mistério, e, embora seja a mais difícil de todas as posturas, pelo menos temos a graça de poder deitar no chão para praticá-lo.” (pg. 290)

Sabe, as posturas em pé em Iyengar são muito difíceis, são muito exaustivas e nunca parecem estar boas o suficiente. É por isso que ele diz que temos sorte de que a mais difícil de todas seja deitada. Um praticante de Iyengar faz mil trikonasanas e sempre descobre uma ação nova ou um vício de postura antigo. Eu já ri com alguns colegas sobre a famosa aula de tadasana que os praticantes de Iyengar recebem logo no primeiro dia, uma aula que pode durar 4 horas para ensinar apenas como se ficar em pé. Mas meu riso não é escárnio, é antes a compreensão de que 4 horas não são suficientes para se ensinar alguém a ficar em pé. Levam-se anos! Veja só:

Há 2 meses atrás, iniciei um tratamento de Reintegração Estrutural com o Método Rolf. Já falei sobre isso aqui. Pois bem. Quando minhas terapeutas me pediram para ficar em pé para fazerem a avaliação de minha postura, lasquei um tadasana para elas, orgulhosa dos meus pés abertos no chão, dos meus ombros para baixo, de minha pélvis alinhada.

Mas, lá pela 6ª sessão, deparei-me com uma deficiência postural super enraizada em minha mente: eu desconheço meu abdômen, quero dizer, desconheço como usá-lo para manter-me em pé, e o que acontece é que faço-me mais alta, sem sê-lo, à custa do tórax, perdendo o contato dos pés nos chãos e deixando de integrar à postura ereta os músculos psoas. Ok, eu sei que é muito técnico para você. Mas se eu lhe disser que depois da minha 6ª sessão de Rolf eu saí sentindo-me mais baixinha, você talvez entenda que eu literalmente cravei os pés nos chão e despertei psoas e abdominais para ficar em pé.

Voltando do Rolf para Iyengar yoga: faz dois anos que ouço, sobre minha prática, que não seguro o abdômen nas posturas em pé. Caramba, eu seguro, sei que seguro, sempre estou lá respirando alto, murchando a barriga, etc, etc. Mas as ações que eu supunha estar fazendo eram pura enganação. O alongamento dos meus flancos em tadasana não nasce da respiração, nasce do tórax e é por não dominar este passo que tenho algumas deficiências em adho mukha svanasana, por exemplo. E, quer saber: pratico tadasana há 2 anos! Agora você entende porque eu dou risada quando se quer ensinar tadasana em apenas 4 horas. Leva-se uma vida para tirá-lo de dentro! E o que pode significar, no psiquismo, alongar-se à custa de tirar os pés do chão; crescer à custa de erguer o tórax, perdendo o abdômen?

Responder estas perguntas, até mesmo as formular durante a prática dos asanas, é uma escolha pessoal. Você pode se confrontar com seus anjos e demônios durante as posturas, ou fazê-las mecanicamente, como uma prática física de alongamento e fortalecimento. Eu prefiro praticá-las como uma busca. Sempre pergunto a alguns de meus alunos que olham para baixo quando ficam em tadasana: “olhe para a frente, que risco você correria se olhasse para a frente? Cair?” Não é uma pergunta física. Pode até ser, depende de como você quer interpretá-la. Iyengar propõe interpretar o asana como aquilo que abre todo o leque de possibilidades do yoga (pg. 230). Nesta mesma página, ele continua:

“Num ássana perfeito, relizado em meditação e com uma corrente de concentração contínua, o eu assume sua forma perfeita, com uma integridade impecável. Esse é o ássana executado no nível sattva, onde a luminosidade penetra a postura por inteiro. É, portanto, um ássana meditativo também. Não digo ‘estou meditando’. Não estou. Estou praticando ássana, mas num nível em que a qualidade é meditativa. (…)”

E, mais adiante, fala:

“Costumo dizer que ioga é meditação e meditação é ioga. Meditação é a contenção dos movimentos da consciência.”

Conter os movimentos da consciência é agir tão somente no momento presente. E uma das virtudes do asana é  corrigir e limpar os movimentos da consciência, para que eles possam, depois, ser contidos. Por isso que o asana é uma porta aberta.

Bem, c´est ça.

Abra o livro, saboreie-o. É um néctar. Me escreva dizendo que reflexões ele lhe despertou. Pode ser aqui ou na comunidade Casa Máy, tanto faz. Escreva mesmo, que quero ouvi-lo.

Namaste, Mayra.

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