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A anatomia no yoga e a incrível anatomia do Iyengar Yoga

Postado às 11:22 do dia 25/10/09

Porquê ser específico com nomes e ações do corpo

Yoga não é apenas asana e pranayama  (as posturas e os respiratórios), mas também meditação, comportamento ético e conhecimento de filosofia. Entretanto, em sala de aula o negócio é bem físico: praticamos as posturas e controlamos a respiração.*

Por isso, a maior parte dos bons cursos de formação de professores de yoga ensinam anatomia aos seus alunos. Nada tão profundo quanto um estudante de medicina, ou de fisioterapia, ou de educação física. Mas um professor de yoga sabe reconhecer os principais músculos envolvidos na inspiração, na expiração, numa flexão, numa hiperextensão, o que é uma hérnia de disco, uma lesão no túnel do carpo ou uma retificação na cervical.

Existe um livro muito bacana, chamado Anatomia do Yoga, de Leslie Kaminoff, que mostra ilustrações das principais posturas do hatha yoga feitas a partir de fotos tiradas dos mais diversos ângulos. Os autores do livro colocaram praticantes sobre uma estrutura elevada de vidro e as fotos dos asanas foram tiradas de cima, debaixo e pelos lados para poderem ser mostradas por dentro. Muito interessante.

Outros dois livros, Key Muscles of Hatha Yoga e Key Poses of Hatha Yoga, vão na mesma linha do de Leslie Kaminoff. O autor destes dois, Ray Long, estudou com o mestre indiano B. K. S. Iyengar e mostra as ações dos músculos na manutenção dos vários alinhamentos da postura a partir de ilustrações tridimensionais.

Quando você começa a praticar yoga, pouco lhe interessa a anatomia do seu corpo. Você quer apenas se esticar e ficar sem dores nas costas, nos ombros e nas pernas. Mas a verdade é que é impossível praticar os asanas e os pranayamas sem conhecer minimamente a anatomia do próprio corpo e seus vários nomes.

Então, pouco a pouco, passada a estranheza de se sentar sobre os ísquios, passada a dificuldade de alinhar as cristas ilíacas, passada a bizarrice de encaixar o osso sacro, passado o desconhecimento de se alongar o osso esterno em direção do queixo, passada a surpresa de se alongar os dedos dos pés, tudo vai se incorporando à prática e você percebe seu corpo de um ponto de vista mais aprofundado. Um praticante de yoga confronta-se com seu próprio corpo, no primeiro estágio, serve-se dele, no segundo e pretende aliar-se a ele, no terceiro. Não sei se conheço outros, pois ainda navego entre os três, dependendo da postura que pratico ou do estado mental em que pratico.

Para transitar entre estes três estágios, é necessário conhecer minimamente a anatomia, como disse, mesmo que a gente seja suscetível a receios psicossomáticos quando começamos a entender como são frágeis e ao mesmo tempo resilientes os sistemas de mantêm a saúde e a integridade de nosso corpo. Se você tem dores lombares, não adiantará de nada praticar os asanas que irão melhorá-la, se não conhecer o mecanismo pelo qual conseguimos alongar a lombar. Isso envolve diversas coisas, como conhecer a importância dos pés na manutenção da estabilidade gravitacional da coluna, o papel da musculatura posterior das pernas, as ações da musculatura abdominal. Você vai precisar entender que o pé se estabiliza em três arcos, que a musculatura isquiotibial é encurtada ou que são encurtadas as pseoas menor e maior. Terá que ser assim se você quiser incorporar os benefícios e o conhecimento do yoga em seu dia-a-dia. Senão, você deixará de ter dores nas costas durante a aula, para voltar a sentir dores assim que se sentar no banco para calçar os sapatos.

Quando conhecemos minimamente como músculos, ossos, tendões e ligamentos funcionam, podemos  nos aliar ao movimento e à permanência que a postura ou o respiratório exigem. Como exemplo, basta que você entenda que a coluna se mantém em pé porque distribui o peso ao longo de suas curvas “pra frente” e “pra trás” que você descobre que nenhuma postura precisa ser feita na raça, sobre a força dos músculos ou sobre a congênita hiperflexibilidade de determinadas articulações. Toda postura pode – e deveria – ser feita na base da inteligência, ainda que usá-la requeira um esforço considerável de toda a estrutura óssea-muscular do corpo.

Então, em utthita parsvakonasana, é possível deixar o joelho direito aquém da linha do calcanhar, à frente ou em linha. Os pés podem ficar afastados aquém do alinhamento dos punhos, além ou em linha. A base do pé direito pode estar bem distribuída, má distribuída consciente ou inconscientemente. O joelho direito pode vir para frente do dedão do pé, para trás ou em linha. Os dedos dos pés podem estar igualmente apoiados, desigualmente apoiados, de propósito ou inconscientemente. E isto para ficarmos apenas no âmbito dos pés da postura.

Estes detalhes todos são relativos à técnica das posturas no Iyengar Yoga, que, eu penso, levou a anatomia a um nível de especificidade, dentro do yoga, bem alto e, ainda assim, diferente do nível altamente especializado da anatomia usada para uma cirurgia ortopédica ou para a prática de um tratamento fisioterapêutico.  Afinal, é yoga, não é medicina.

O incrível vocabulário da anatomia em Iyengar Yoga prima pela precisão, como todo o método em si. Biomecânica e cinesiologia são disciplinas que levam nossa prática, no Iyengar Yoga, daquele primeiro nível mencionado acima ao segundo e ao terceiro. Entretanto, como estamos no âmbito de uma disciplina espiritual, ao invés de médica, o método Iyengar Yoga conseguiu, mesmo com toda a preciosidade de detalhes, ser acessível ao praticante, porque trouxe a anatomia a termos simples e que fazem sentido depois de serem exemplificados.

Assim, você pode, como eu, estranhar a primeira vez que pedem para você girar a virilha externa. “Diacho”, você reflete, “minha virilha só dói dentro. Que que é virilha externa?” Mas, desde que um professor venha e lhe mostre do que se trata, ah, tudo fica claro e a partir dali, mesmo que você não consiga, você saberá interpretar o comando de girar a virilha externa, irá transmiti-lo ao seu cérebro e, dia mais, dia menos, seu cérebro vai criar uma comunicação sináptica para realizá-lo.

Mesma coisa com a tal da axila peitoral. Este termo não existe nem na anatomia básica, nem na aprofundada. Mas é um termo usado nas práticas do Iyengar Yoga e começa a fazer todo o sentido quanto o professor vem ao seu lado, lhe mostra o que você está fazendo com sua mão que não lhe permite alongar a axila peitoral e, a partir dali, você descobre uma nova região do seu corpo e começa a usá-la para a manutenção da abertura peitoral e da sustentação do sirsasana.

Em meu nosso último encontro no curso de Formação de Professores de Iyengar Yoga, perguntei ao Luigi se Iyengar teria descoberto todas as ações de uma postura sozinho ou se foram seus alunos, professores sêniores, que formaram, junto com ele, todo este corpo de conhecimento a partir de pistas iniciais. Não foram eles, foi ele mesmo. Incrível.

Experencio que a precisão de sua técnica, os ajustes, o uso de um vocabulário anatômico apurado não dificulta a prática do yoga com o método Iyengar. Pelo contrário, ajuda o leigo e o professor, o jovem e o maduro, o flexível e o rígido, o tamasico e o rajasico igualmente a adentrar no corpo e descobri-lo como a mais agradável experiência que se possa ter.

E quando você recebe o comando de empurrar as coxas posteriores para trás em adho mukha svanasana, você não fica pensando “que eu vim fazer aqui?”, mas pensa “por que desconheço minhas coxas posteriores e por que não consigo acessá-las?”. A única dificuldade com a prática deste método, é que talvez você não queira ir até lá, mas ele o levará de uma forma ou de outra se continuar praticando.

Namaste, Mayra.

 

* Ok, você um praticante veterano de yoga e pode não concordar 100% com esta afirmação. A razão de eu afirmá-lo é porque, no senso comum, quando dizemos que algo é físico, queremos dizer que algo é feito com o corpo e não com a mente. Assim, há trabalhos físicos, como levantar tijolos em uma construção, e trabalhos mentais, como criar uma campanha de publicidade;  há jogos físicos, como vôlei, futebol, e há jogos mentais, como o xadrez ou WAR. Com tudo que damos de exemplos, esta divisão entre físico e mental não sobrevive muito a uma reflexão apurada, seja porque é ilusória a divisão entre mente e corpo, seja porque – considerando-se que, embora ilusória ela seja prática -, um peão-de-obra vai lhe dizer que precisa usar muito a mente para não criar um muro torto e um enxadrista lhe dirá que precisa ter muita resistência física para suportar tanto stress mental.

Talvez uma leitura que você julgue interessante sobre estes meandros entre mente, corpo e espiritualidade seja o livro de Alexander Lowen, chamado A Espirutalidade do Corpo.  O Luz na Vida do próprio Iyengar também é um livro lindíssimo para se compreender como sua prática “física” de yoga o levou para o caminho da comunhão com o Divino.

Além disso, sempre me vem à mente o alerta que abre o livro de Geeta Iyengar (filha do Iyengar), entitulado Yoga, a Gem for Women: “We are missing the gold if we do asanas as a physical practice only.” (traduzindo, “Perdemos ouro se fizermos os asanas apenas como uma prática física.”).

 DICAS DE SITE:

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