Uma história nojenta.

Postado às 03:09 do dia 19/02/12

Quando Felipe-Augusto abriu uma das janelas de seu palácio novinho em folha – o Louvre –, o que ele sentiu não lhe agradou. Não lhe agradou nem um pouco: Paris fedia. Por causa desta cheirada, resolveu que a cidade receberia esgotos e que matadouros e peixarias deveriam ser realocados para um local mais afastado – Les Halles. Imagina-se também que ele deva ter proibido a abertura daquela janela por tempo indeterminado.

Pelos idos dos séculos XII e XIII, monarcas precisavam de medidas de fôlego para controlar coisas horripilantes como peste bubônica, cólera, difteria. Não devia ser fácil incutir aos franceses bons hábitos de higiene – jogar seus excrementos em qualquer outro lugar que não a rua, por exemplo – se todos imaginavam que lavar as mãos e tomar banho é que os matavam.

Nunca foi mentira que em Paris a gente comum não se banhava: eles não tinham acesso à água. Enquanto do outro lado do mediterrâneo os árabes já tinham inventado bombas d´água, o parisiense que quisesse tomar banho deveria ter dinheiro suficiente ou para morar no andar térreo ou para fazer subir e descer uma banheira cheia por alguns lances de escada até seu quarto.

Já a gente incomum, se não tomava banho, é porque tinha suas predileções. Napoleão rende uma história bem famosa de que, voltando a Paris, mandava dizer a sua Josefina que não tomasse banho. De certa forma, parece sensato que seu desterro tenha sido numa ilha.

À parte as preferências de Napoleão, foi por causa da maioria, desde Felipe, sentir muito nojo do fedor na cidade que boas coisas se desenvolveram por lá, a exemplo do primeiro sabonete líquido e de toda a indústria da perfumaria. Paris dá a medida do quanto o nojo pode ser um propulsor do desenvolvimento econômico.

Em Curitiba mesmo há fatos que comprovam a teoria.

Coisa de cinco anos atrás, podia-se ir a qualquer café ou lanchonete na cidade que limpar as mãos com guardanapos de papel era bastante fácil. Quando a mostarda escorria pelo punho ou no canto da boca, esticava-se o braço e apanhava-se um guardanapo bem no centro da mesa. Este era uma hábito simples, como devia ser simples, aos franceses medievais, levantar ou abaixar suas vestimentas – conforme fossem mulher ou homem – para se aliviar na calçada.

Então eis um oficial da vigilância sanitária curitibana que, vendo alguém puxar uma folha do porta-guardanapos, sente-se augustamente enojado. Ele nota, com repugnânica determinada, que a pessoa não tinha tocado apenas em uma, mas em pelo menos duas folhas antes de puxar a que efetivamente usaria para se limpar.

Neste exato momento, munindo-se da tradição milenar de que aquele que governa pode, o oficial decide que todo guardanapo em Curitiba deve vir encapado, seja em plástico, seja em papel. Foi uma decisão que abalou a vida das pessoas: nunca mais puderam limpar as mãos com facilidade. Uns não conseguiam rasgar os saquinhos plásticos; outros conseguiam à custa de se sujar mais ainda. Visionários ficaram irremediavelmente inconformados. “Será que ninguém nota quanto lixo extra se produz encapando os guardanapos?!”, pixaram nos muros da cidade. Houve por fim aqueles que resolveram solenemente protestar limpando as mãos na própria toalha da mesa.

Apesar das queixas, o hábito foi adotado por toda a cidade. Ao cabo, os cidadãos estavam conformados de que os guardanapos encapados eram muito mais higiênicos. Graças a sua medida, o tal oficial foi homenageado por ter melhorado as condições da saúde pública, sendo igualmente festejado por ter dado um impulso econômico ao setor do plástico na cidade.

Daqui dezenas de anos, quando Curitiba for celebrada como a cidade mais higiênica do país, historiadores poderão dizer – tal como disseram a respeito da construção da fulgural Paris – que tudo começou de uma forma bem nojenta.

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