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Sobre ciência, paradigmas e síndromes que nos afligem.

Postado às 16:09 do dia 23/01/18

Por email, me enviaram este vídeo, que tem 20 mil views no you tube, pedindo-me opinião. Eu a emiti (não que valha muito).

Nunca deixei de escolher a ciência em todas as oportunidades que ela me pareceu ser a melhor opção – mas isso, me parece, é relativamente óbvio. Menos óbvio, talvez, é que haja oportunidades diferentes.

Eu poderia citar Shakespeare, ou Balzac, ou Machado, todos autores que li fervorosamente, mas não quero incorrer no erro que esta cientista Natalia diz existir, o de não sermos capazes de conversar com a sociedade. Então, prefiro citar Harry Potter, quando ele, no Relíquias, reencontra Dumbledore no que parece ser a Estação King´s Cross logo depois de ter sido “morto” por Voldemort. Harry questiona se a conversa está ocorrendo de fato ou apenas em sua mente. Dumbledore responde:

“É claro que está ocorrendo em sua mente, e porque isso seria menos real?”

Esta resposta de Dumbledore resume a longa opinião que emiti, abaixo, sobre este vídeo. Segue.

“O vídeo é bastante bom e o começo é particularmente ótimo. A cientista defende seu ponto de acordo com suas premissas, premissas estas da verdade como saber científico ocidental. Dentro das premissas delas, o vídeo é irretocável, exceto por dois pontos: a homeopatia não foi banida nem da Austrália, nem da Inglaterra – ela apenas não pode mais ser custeada nos atendimentos realizados pelo governo. Mas cidadãos ainda podem pagar, comprar e se tratar com homeopatias e ainda há escolas que formam homeopatas por lá.

Mas, usando-se outras premissas, o vídeo pode ser debatido em inúmeros pontos. E também pode ser contextualizado de inúmeras formas. Não tenho tempo para isso porque, se ela não tem mais financiamento do governo pra fazer suas pesquisas, eu nunca tive sequer apoio moral do governo, rs, e desenvolvo a aromaterapia investindo nela o que obtenho por meio dela.

Mas, apenas para não lhe deixar sem nada, tome o exemplo da pesquisa científica com animais. A posição contra testes animais não é negar que eles tenham levado a ciência moderna a avanços, mas que hoje há condições da ciência continuar sendo feita prescindido deles. Outro ponto é que os resultados de testes animais são conclusivos para o organismo no qual a substância foi testada. Quando são feitas as transposições, os resultados mudam, pois o organismo muda. Ainda assim, do ponto de vista científico, mesmo que fosse inquestionável que os testes animais devam ser feitos, pouco importa: o debate não está dentro do método científico, mas na ética, no alvorecer do século XXI, desses métodos.

E, finalmente, uma das coisas mais aversivas à ciência é a chamada evidência anedótica: aquela que explica um efeito através de exemplos pessoais. O caso da tia dela é uma evidência anedótica para a cientista exemplificar que a população aderiu à dieta detox. Se ela fosse realmente usar ciência para demonstrar seu ponto, ela deveria fazer uma pesquisa calcada em evidências estatísticas para saber quantos X% da população aderiu a dietas detox. Não a culpo: é difícil avançarmos no debate de ideias apenas usando argumentos científicos…

Em outro momento ela também faz uso de uma imprecisão científica, desta vez das ciências humanas, quando diz que muitas tragédias na história ocorreram simplesmente porque se achou que não ocorreriam. Muitas quantas? É curioso o argumento dela, porque muitos achados da ciência também foram reputados ao acaso e até a sonhos (a tabela periódica de Mendeleiev, a síntese dos nitromusks, o uso do Viagra para impotência sexual são exemplos).

Enfim, ela tem razão que a ciência não conversa mais com a população. É uma pena que ela ache que isso ocorra apenas por um desejo do cientista brasileiro de ficar trancado em seu escritório, lamentando que não haja mais verba pública pra suas pesquisas (como ela citou Austrália e Reino Unido, talvez ela pudesse ter citado outro grande país desenvolvido, os EUA, onde cientistas precisam eles próprios correr atrás de financiamentos, pois nunca tiveram verba pública pra isso e, contudo, a ciência lá anda muito bem, obrigada). É uma pena que ela ache que esta falta de diálogo ocorra apenas por culpa dos cientistas. É uma opinião que põe um grande peso sobre as costas dela e de seus colegas.

Eu prefiro pô-la nas costas da Ciência, ou de todos nós, dito de outra forma, que talvez tenhamos exigido demais da Ciência. A ciência não conversa mais com a sociedade porque a ciência e seus paradigmas não conseguem explicar o mundo. O método científico, em seus 3 séculos de existência e promessas, ainda não foi capaz de explicar algo que o homem observa, há pelo menos 200 mil anos, de que existe uma parte na vida que é não-observável, não-quantificável, não-cientificável. Você pode chamá-la de alma, de espírito, de prana, do que você quiser. Talvez tenhamos sido pais severos, colocando expectativas demais em nossa filha Ciência, e agora queiramos agir diferente…

A ciência é apenas um paradigma, como outro qualquer. Paradigmas não devem ser confundidos com verdade. Paradigmas são apenas modelos pra explicar facetas daquilo que entendemos como realidade. O paradigma científico é o melhor que existe, até hoje, pra uma infinidade de coisas. E, pra estas coisas, eu, como você, sou 100% a favor dele. Mas reduzir o mundo, reduzir o universo (a ciência já provou, através de seus métodos, que há um universo, embora rishis, por seus próprios métodos, tenham dito que ele existia há 4 mil anos atrás), reduzir a experiência humana a apenas um paradigma certamente me parece um projeto ambicioso, e eu poderia dizer que, se Natalia acha que a Síndrome de Cassandra é um perigo à ciência, a Síndrome de Salmoneu me parece um perigo muito maior.

Novamente, obrigada pela partilha. O vídeo suscita bastante debate – e debate está no cerne da ciência, mesmo quando se quer debater apenas dentro de seus próprios termos.”

E esta é minha opinião. O que você acha de tudo isso?

 

Bjs, Mayra.

 

Escrito por Mayra Corrêa e Castro (C) 2018

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