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Topless – Martha Medeiros

Postado às 19:00 do dia 26/01/13

As crônicas de Topless, escritas para o jornal Zero Hora (Porto Alegre/RS) de 1995 a 1997, são repletas de frases inteligentes, dessas que a gente tem vontade de postar no facebook. Martha Medeiros (1961), sua autora, é uma das mais bem sucedidas brasileiras que começaram a publicar na década de 90. Primeiramente escritora de poesia, posteriormente dedicando-se ao gênero crônica, ela alcançou o grande público quando o romance Divã, de 2002, virou série de TV. De lá para cá, teve mais três livros adaptados para o teatro.

Mas em 1995, Martha estava com 34 anos, e o movimento dos Caras Pintadas tinha aberto e sepultado no mesmo mês a manifestação política que caberia à juventude brasileira ainda fazer naquele século. Um outro milênio se abria e, com ele, a internet. Então, tudo mudou. Digo isso porque o tema das crônicas deste livro são espantamentos de quem viu o mundo mudar ao vivo. E não estou falando do tipo de mudança que assistimos hoje em dia, que costuma receber o adjetivo de instantânea. Atualmente, tudo é tão veloz que não percebemos mais mudanças: o que existe são multicamadas, extratos se mexendo uns por cima dos outros, numa coexistência de antigo, novo e retrô. Naqueles áureos tempos pré-PT, o Brasil se abria pela primeira vez ao mundo depois de anos fechado em ditadura militar, e os adultos percebiam que, no exterior, costumes, estilos de vida e ideias andavam a anos luz. E foram todos correr atrás.

Topless é o depoimento dessa corrida atrás do prejuízo. Estão lá todas as novidades da época: mamães deixando os filhos em creches pra voltar ao trabalho depois da licença; ex-esposas sacando que não pegava mais viver de pensão de ex-marido; avós indo passar férias no Caribe; Madonna virando mãe careta; Paulo Coelho vendendo milhões de livros no exterior; a competição chegando ao atendimento a clientes; sensualidade virando sinônimo de inteligência. (Quero lembrar que foi mais ou menos por esses tempos que Marília Gabriela se tornou a primeira mulher da TV a ganhar o salário de 1 milhão de reais, uma glória!) Como alguns resistiam às mudanças, o tom que Martha impõe às crônicas é o de bronca. Claro que uma bronca bem escrita, com toques de humor inteligente, resvalando para uma auto-ajuda estilo eu-já-passei-por-isso-e-sobrevivi. Vale a pena ler porque Martha escreve ligeiro, com lucidez e consegue transpor para o papel o espírito de uma época. Mas talvez você se canse do discurso. Ou talvez não: talvez você se empolgue. Como eu havia dito, vivemos tempos de multicamadas e é possível se identificar tanto com textos clássicos universais, quanto com crônicas que, por sua própria natureza, são datadas.

Abaixo selecionei algumas das bem sacadas frases da autora. Tenho certeza de que irá gostar.

 

Dia a dia irritante

“Fim de tarde no supermercado. O carrinho está com as rodinhas tortas e tem uma folha de alface presa na grade.” (de Clientes, go home!, p. 7)

– Você gosta de escrever, tem lá suas pretensões literárias e mantém um bloguezinho. Como Fernanda Young já demonstrou na TV, um dos temas que mais rendem assunto são nossas irritações diárias. Sucesso garantido. Quem nunca torceu o nariz de pegar carrinho de supermercado sujo?

“Falando nisso, é hora de confessar o desejo secreto de toda mulher: homens que calcem 36. Um mocassim 43 é incompatível com qualquer closet, por mais bem planejado que seja.” (de Homens, mulheres e abajures, p. 69)

– Viu? Pegue coisas que irritem.

“Todos os homens do planeta, aparentemente, têm tudo. É a única explicação para o tormento que é encontrar um presente que seja original, útil e que eles gostem de verdade.” (de Homens que têm tudo, p. 83)

– Dezembro de 2012. 20 anos de abertura de mercado. Pegando-se apenas a seção culinária, você encontra: cervejas artesanais, cafés gourmets, charutos especiais, vinhos de nicho, azeites de colecionador, chocolates pure origin. Só não dá presente criativo pra homem quem não tem cartão de crédito.

“Ri melhor quem ri apesar de tudo.” (de No divã com Woody Allen, p. 67)

– Frase joia. Jornalistas e redatores publicitários têm a manha. Então, fica a dica: pegue algo clichê e subverta-o com doses de sabedoria. Sucesso.

“Você sabe: aniversário de criança tem que ter ‘motivo’. Branca de Neve, Cavaleiros do Zodíaco, Mamonas. No meu tempo, o motivo era a gente ter nascido naquele dia.” (de Parabéns pra você, p. 137)

– Também me irrita essa mercantilização de tudo. Vamos culpar alguém! Hummm… Barbie? Ela foi a primeira, deveria ter previsto as consequências.

 

Brasilzinho

“A única coisa que ainda agride é o mau gosto.” (de Nomes feios, p. 13)

– Tá vendo por que Martha é uma estrela no facebook? Taí uma frase excelente que pode ser usada com tudo. Visualize a foto de D. Marisa e Lula vestidos de caipirinhas numa festa junina. Pronto? Agora escreva essa frase no rodapé. Viu como serve?

“Enquanto os Estados Unidos consomem, a Europa desfruta.” (de Orlando x Veneza, p. 43)

“A Europa não produz mercadorias, produz estilo de vida.” (de Orlando x Veneza, p. 44)

– Ok, também acho maniqueísta, mas tô no time dos que se enfastiam com essa mania brasileira de estadunidensidolatria. Paradoxalmente, os EUA têm Barack Obama e a Europa tem o quê? Bem, pelo menos não tem mais o Sarkozy.

 

Camada Crepúsculo

“Só agora estamos começando a aceitar a ideia de que um casamento, para dar certo, não precisa durar até que a morte os separe. Dez, 15 anos de felicidade conjugal podem ser bem satisfatórios, e se não der mais para ficar junto, paciência, até mais.” (de Quanto vale um ex, p. 16)

– Lembra o lance das multicamadas? Então, Martha tá na camada realidade; mas há milhões de meninas na camada Crepúsculo.

“Se você ficou solteira mais tempo do que desejava, comporte-se como casada, e terá todos os homens a seus pés.” (de Mulher solteira procura, p. 22)

– Não captei, alguém me explica? Casada sem filhos, ela quis dizer?

“[vida], que é pequena mas tem bastante espaço.” (de Verdades e mentiras sobre as mães, p. 61)

– Camada realidade.

 

Fetiches

“Existe uma sensível diferença entre gostar de ler e gostar de livros.” (de Os livros da Nova Era, p. 35)

– Arrá! Todo escritor, mais dia menos dia, revela sua tara por livros.

“Topless não é uma atitude sexual e sim uma atitude naturalista.” (de Topless: atentado ao pudor, p. 50)

– Martha, por favor; se é que ainda não escreveu, poderia escrever sobre aquele desatino de quererem proibir mulher de amamentar em público? Quem sabe o povo entende…

 

Fim do mundo

“É uma vergonha mas existe: escova de dentes com motor.” (de Tecnologia engorda, p. 150)

– Sem comentários.

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro (C) 2013

MEDEIROS, Martha. Topless. Porto Alegre: L&PM, 2010, 1ª reimpressão.

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