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Seis contos da Era do Jazz – F. Scott Fitzgerald

Postado às 14:43 do dia 18/07/14

Depois que O curioso caso de Benjamin Button  foi pros cinemas (2008), a capa deste Seis contos da Era do Jazz começou estampar o letreiro do filme, inspirado no conto homônimo, integrante da coletânea. Mas não é nem de longe o melhor texto entre os nove e, mesmo entre eles, o excelente ensaio de Brenno Silveira sobre Fitzgerald (1896-1940) e sua época nos faz pensar que o anúncio da festa costuma ser mais excitante que a festa em si. E, à medida que passamos pelos contos, isso vai se confirmando.

De início, lemos O boa vida e As costas do camelo, em que tudo é cheio de purpurina, long drinks e charutos. Daí vem Benjamin Button, bem menos intenso no papel que em película; então, quase achamos que vamos voltar aos long drinks e charutos com Tarquínio de Cheapside e “Ó feiticeira ruiva!”, até que afundamos na vida suburbana nada atraente de O resíduo da felicidade, O conciliador, Sangue ardente, sangue frio  e A soneca de Gretchen. Por isso, pra gostar do livro, você precisa curtir Fitzgerald e seu estilo que tenta a todo custo arrancar a pompa e a atenção de si. O mais complicado da leitura é lidarmos com inúmeros nomes que logo surgem nos primeiros parágrafos, algo muito distante das narrativas do século XXI, onde todos os escritores perceberam que nomear seus personagens não serve pra absolutamente nada (embora sirva pra que nunca consigamos transformá-los em qualidades, como fizemos tão facilmente com quixotesco, casmurrice, bovariano, etc – talvez nos arrependamos no futuro dessa escolha pelo anonimato).

Outra coisa sobre esta edição é a introdução escrita pela filha do casal, Frances Fitzgerald Lanahan (1921-1986), que se tornou jornalista. Conhecida pelo apelido Scottie, ela relembra alguns truques escolares que aprendeu com o pai e nos aponta o quanto ele escreveu apesar de ter vivido pouco. No final, tanto ela quanto nós nos quedamos rendidos ao fato que seu pai e sua mãe tenham encarnado o espírito dos Roaring Twenties e deixamos de ligar se os contos são, alguns, medianamente bons, misturados a outros francamente ótimos: é Fitzgerald, afinal.

Leia abaixo as citações que colhi do volume:

 

 

Definições precisas

“[Jim Powell] Era um boa-vida até os ossos, um boa-vida indiscutível, noventa e nove e três quartos por cento boa-vida (….)” (do conto O boa-vida, p. 51)

– Bem, se é 99,75%, não resta a menor dúvida! Mas eu já acreditaria se fosse apenas 99 redondo.

“ – O senhor está exatamente na idade romântica – prosseguiu ela. – Cinquenta anos. Aos vinte e cinco os homens são demasiado frívolos; aos trinta, costumam mostrar-se esgotados por excesso de trabalho; quarenta é a idade das longas histórias que exigem um charuto inteiro para serem contadas; sessenta é… oh, sessenta é muito perto de setenta; mas cinquenta é a idade madura. Adoro os cinquenta anos.” (do conto O curioso caso de Benjamin Button, p. 118-119)

– Outro autor que teceu comentários românticos acerca da cinquentena masculina foi Mario Vargas Llosa. O romance, já resenhado aqui, Tia Julia e o escrivinhador, tem ótimas passagens sobre isso.

“Num sonho inquieto, era um dos mil corpos gemebundos esmagados perto do sol, uma ponte inerme para o Apolo de poderoso olhar.” (do conto Tarquínio de Cheapside, p. 138)

– “Gemebundo”… Anotado pra usar numa frase. É muito hilário.

“Costumavam comprar novelas com árabes na capa, ou livros que apresentavam os mais recentes sonetos de Shakespeare, tais como haviam sido ditados psiquicamente à srta. Sutton, de South Dakota? – indagava, torcendo o nariz. Na verdade, quanto a ele, sua preferência recaía sobre estes últimos, mas, como empregado da Moonlight Quill, adotava, no trabalho diário, uma atitude de connoisseur desiludido.” (do conto “Ó feiticeira ruiva!”, p. 141)

– Dois comentários: literatura psicografada não é novidade; apenas esquecemos que sempre vendeu bem. Dois: “connoisseur desiludido”? Hahaha, vai ver por isso as livrarias estão decadentes: queremos gente engajada, vendendo aquilo que amam consumir. A cauda longa, de Chris Andrerson, você precisa ler: fala de como gente apaixonada reinventou o varejo na internet.

“Ser velha, rica e ter descendentes pobres é quase tão divertido como ser jovem e bonita e ter irmãs feias.” (do conto “Ó feiticeira ruiva!”, p. 170)

– Huahuahuah! Quem ousaria assinar embaixo?! Hahahaha

“Acho que toda mulher deveria fazer biscoitos. É uma coisa absolutamente cândida.” (do conto O resíduo da felicidade, p. 177)

– Todos temos a imagem de uma mãe fazendo um bolo ou biscoitos na cozinha. Recordo uma entrevista que assisti de J. K. Rowling, ela em sua cozinha, dizendo que gostava de fazer bolos para os filhos porque achava que uma mãe tinha que fazer bolos para filhos. Não posso discordar.

“Se tivesse sido uma esposa de pioneiro, teria provavelmente lutado lado a lado com o marido. Mas ali, em Nova Iorque, não havia luta alguma. Não estavam labutando juntos para obter um lugar distante de paz e lazer: de ambas essas coisas, ela dispunha mais do que poderia usar. Luella, como muitos milhares de outras jovens esposas de Nova Iorque, desejava honestamente fazer alguma coisa. Se tivesse um pouco mais de dinheiro e um pouco menos de amor, poderia ter-se dedicado a cavalos de corrida e a amores extravagentes. Ou, se tivesse um pouco menos de dinheiro, seu excesso de energia teria sido absorvido pela esperança ou mesmo por algum esforço. Mas os Charles Hemples achavam-se numa situação intermediária. Pertenciam a essa enorme classe social americana que vagueia pela Europa todos os verões, a sorrir escarninhamente, de modo um tanto patético e tristonho, dos costumes, tradições e passatempos de outros países – e isso porque não possui costumes, tradições ou passatempos próprios. É uma classe surgida ontem de pais e mães que bem poderiam ter vivido há duzentos anos atrás.” (do conto O conciliador, p. 202)

– Então tá!

“ (…) ele percebia o intenso egoísmo de Luella, mas uma das muitas falhas no plano das relações humanas é que o egoísmo nas mulheres exerce irresistível atração sobre a maioria dos homens.” (do conto O conciliador, p. 209)

– Palavras de um homem.

 

 

Cheiros dos anos 1920

“Naquele momento, porém, era um devaneio que a noite e o cheiro quente e úmido das esponjas de pó-de-arroz, enfiadas nos decotes dos vestidos, a destilar milhares de ricas fragrâncias que flutuavam pela porta aberta, tornavam sensual.” (do conto O boa-vida, p. 60)

– Era uma época em que chamávamos a base (foundation) de pó-de-arroz, e em que ela não tinha cheiro de caramelo, tutti-frutti ou peônia, mas de íris, precisamente, de raíz de íris.

“A Moonlight Quill é, ou antes, era, uma livrariazinha muito romântica, considerada radical e reconhecidamente escura. Em seu interior, era decorado com cartazes vermelhos e cor-de-laranja, de efeito intencionalmente exânime, exótico, e alumiada mais pelos reflexos brilhantes de edições de luxo do que pelo grande abajur retangular, de cetim carmesim, aceso durante o dia todo, que pendia do teto.” (do conto “Ó feiticeira ruiva!”, p. 140)

– Adoro esta coisa da livraria ser iluminada pela capa reluzente de livros caros!

“Era uma tarde escura, ameaçadora de chuva e do fim do mundo, uma dessas tardes particularmente cinzentas e sombrias, como só as tardes de Nova Iorque costumam, às vezes, ser. O vento uivava pelas ruas, carregando jornais velhos e pedaços de coisas; pequenas luzes piscavam em todas as janelas. Era tão desolado aquilo, que a gente tinha pena do topo dos arranha-céus, perdidos lá em cima, no céu, no céu cinza-esverdeado, e achava que agora, com certeza, a farsa deveria encerrar-se, e que logo todos os edifícios desmoronariam como casas de cartas e baralho e se empilhariam, num monte poeirento e irônico, sobre todos os milhões de pessoas iam entrar e sair deles.” (do conto “Ó feiticeira ruiva!”, p. 143)

– No entanto, foi num dia de sol. Céus, como não recordar as imagens do 11 de Setembro?

 

 

Padrões altos

“Possui agora um carro esporte nacional, terá um carro esporte francês se viver o suficiente e, sem dúvida, um tanque de guerra chinês, se isso ficar na moda.” (do conto As costas do camelo, p. 73)

– Não ficou na moda, mas todos temos coisas chinesas.

“Luella adorou escolher coisas durante sua lua-de-mel. Aquilo dava uma espécie de objetivo à viagem, salvando-a de transformar-se numa perambulação um tanto melancólica por grandes hotéis e pelas desoladas ruínas em que costumam transcorrer as luas-de-mel europeias.” (do conto O conciliador, p. 203)

– Verdade seja dita: compras animam qualquer viagem, das mais modorrentas às mais emblemáticas. Aliás, fazer compras é tão importante que, hoje, viaja-se a Miami exclusivamente por conta dos outlets e não mais porque é a porta de entrada da Disney.

 

 

Etílicos

“ – Baily – respondeu Perry, tenso – , beberei seu champanha. Bebê-lo-ei até á última gota. Pouco me importa que me mate.

“ – Cale-se, ‘seu bêbado!’ – exclamou, suavemente, o homem mau. – Eles não põem álcool de madeira em champanha. Trata-se de algo que prova que o mundo tem mais de seis mil anos. É tão velho que a rolha está petrificada. Para arrancá-la, é preciso um perfurador de pedras.

“ – Leve-me para cima – disse Perry, soturno. – Se essa rolha vir o meu coração, saltará logo por puro despeito.” (do conto As costas do camelo, p. 75)

– Diálogo bárbaro, não é?! Rs

 

 

Mudou bem

“Lá pelo ano de 1860 era de bom-tom nascer em casa. Atualmente, segundo me dizem, os altos deuses da medicina decretaram que os primeiros vagidos do recém-nascido devem ser lançados no ambiente anestésico de um hospital, de preferência um hospital elegante.” (do conto O curioso caso de Benjamin Button, p. 103)

– Sempre será de bom-tom qualquer coisa elegante, e hoje, porque custa algo em torno dos 30 mil reais, volta soar elegante nascer em casa de novo.

 

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro © 2014

 

 

FITZGERALD, F. Scott. Seis contos da era do jazz e outras histórias. Tradução e ensaio introdutório Brenno Silveira; introduç]ão Frances Fitzgerald Lanahan. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995, 5ª edição.

 

 

 

* Outros livros de Fitzgerald e da Geração Perdida resenhados aqui:

O grande Gatsby – Fitzgerald

Suave é a noite – Fitzgerald

O velho e o mar – Hemingway

Paris França – Gertrude Stein

 

 

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