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Histórias de cronópios e de famas – Julio Cortázar

Postado às 10:00 do dia 03/01/14

Às vezes é preciso coragem pra mergulhar num livro – como em Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar – ; em outras basta sorrir. É sorrindo que se mergulha em Histórias de Cronópios e de Famas (1962), de Julio Cortázar (1914-1984), um dos escritores latino-americanos que produz fãs mais saltitantes. Neste ano em que se completam 100 anos de seu nascimento e 30 de sua passagem, haverá demonstrações de devoção e paixonites por toda parte. Ainda que O Jogo da Amarelinha (1963) seja sua obra mais renomada, Histórias… talvez seja a mais lida com seus 0,6 mm de espessura em edição bolso. Livro curtinho, pra se ler num tapa, levou sete anos pra ser escrito. Contém três seções em que os textos mesclam absurdo com hiperrealismo. Há quem ame, e há a legião que acha tudo um porre, como sempre acontece quando o fio condutor é retirado de uma obra. Por isso a recomendação de sorrir: a leveza é essencial pra fruir esta leitura. Vista a perversidade que você tinha aos 9 anos com a compreensão que você tem aos 40 e divirta-se como se estivesse com 80 gozando de um fígado que ainda pode brincar com as bolhas do champanhe.

Abaixo minhas melhores partes.

 

 

In Comportamento nos velórios

“No máximo, minha mãe vai lá por pouco tempo e dá os pêsames em nome da família; não gostamos de impor insolentemente nossa vida alheia a esse diálogo com a sombra.” (p. 49)

– Diálogo com a sombra é de uma delicadeza.

“Basta ver as mãos cruzadas do defunto para que o choro nos deixe arrasados de repente, nos obrigue a cobrir o rosto, envergonhados, e somos cinco homens a chorar de verdade no velório, enquanto os parentes retêm desesperadamente a respiração para se igualarem a nós, percebendo que, custe o que custar, precisam provar que o velório é deles, que somente eles têm o direito de chorar assim nessa casa.” (p. 51)

– É moralismo tosco que haja hierarquia no gostar e no chorar.

 

 

in II Histórias de cronópios e de famas – Viagens

“Quando os cronópios saem em viagem, encontram os hotéis cheios, os trens já partiram, chove a cântaros e os táxis não querem levá-los ou lhes cobram preços altíssimos. Os cronópios não desanimam porque acreditam piamente que estas coisas acontecem a todo mundo, e na hora de dormir dizem uns aos outros: ‘Que bela cidade, que belíssima cidade.’ E sonham a noite toda que na cidade há grandes festas e que eles foram convidados. E no dia seguinte levantam contentíssimos, e é assim que os cronópios viajam.” (p. 113)

– Atualizando a informação pro século XXI: cronópios compraram o bilhete com milhas, mas como não tinham o suficiente pra volta, acabaram pagando no cartão o preço da volta que seria da ida e volta; o hotel foi comprado no Peixe Urbano, mas a oferta estava mal explicada, então tiveram que pagar a diferença pra mais uma pernoite; na recepção do hotel, foram informados que os ingressos pro parque de diversões tinham desconto se topassem assistir uma palestra sobre um clube de viagens – toparam e compraram a quota no clube, gastando 50x mais que o desconto que ganharam pra dar voltas na montanha russa.

 

 

in II Histórias de cronópios e de famas – Relógios

“Ao chegar ao coração, o tempo já não se pode medir, e na infinita rosa roxa do centro o cronópio encontra um grande prazer, então come-a com azeite, vinagre e sal, e põe outro relógio no buraco.” (p. 115)

– É um final delicioso pro conto e pro tempo, mas você precisa ler tudo pra entender. Lembra o relógio na barriga do crocodilo do Peter Pan.

 

 

revisto por Mayra Corrêa e Castro ® 2014

 

CORTAZAR, Julio. Histórias de cronópios e de famas. Tradução Gloria Rodriguez. Rio de Janeiro: BestBolso, 2013.

 

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